Entre fugir de casa e morrer
A intensificação do conflito entre as organizações criminosas, no bairro Granja Portugal, resultou em, pelo menos, cinco homicídios e expulsões de várias famílias de seus lares
A disputa entre as facções criminosas pelo território para negociar drogas se acirrou no bairro Granja Portugal, em Fortaleza, nos últimos dias. Os tiroteios estão cada vez mais frequentes. Pessoas são mortas e outras fogem de suas residências para não ter o mesmo destino, repetindo a migração que foi vista em outros bairros da Capital neste ano.
Um policial civil, que conversou com a reportagem sob a condição de não se identificar, revelou que o conflito preocupa a polícia. Moradores da Rua Sebastião de Souza não quiseram esperar por intervenção policial e começaram a deixar suas casas, sob escolta da PM, na última quinta-feira (11). Muitas famílias saíram tão apressadas que deixaram as portas abertas e pertences para trás, inclusive móveis e eletrodomésticos.
Moradores da região contaram que a PM não foi ao local apenas para realizar a escolta, mas está presente na área e tem feito um patrulhamento diário, com viaturas e motocicletas. O problema é que "o cobertor é curto", como já admitiram as autoridades. O crime se consolida exatamente onde o efetivo da Polícia é menor.
Tiroteio
Em um dos recorrentes tiroteios registrados na Granja Portugal, dois irmãos foram assassinados a tiros, dentro de casa, na Rua Democrata, no último dia 7 de outubro. Uma vizinha revelou à reportagem que três homens foram ao imóvel com o crime planejado. Eles tentaram arrombar a porta, mas não conseguiram. Então, retiraram as telhas da casa e executaram Ana Paula Pitombeira da Silva, 23; e Danilo Pitombeira da Silva, de apenas 13 anos.
Os irmãos são parentes de uma traficante da área, conhecida como 'Fátima Pitombeira', que está presa no Sistema Penitenciário cearense. A facção rival quer enfraquecer o poder da mulher e tomar o território. Há cerca de um mês, a vítima foi um irmão dela, identificado apenas como 'Júnior'. O Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) investiga a relação entre os crimes e a autoria.
No intervalo entre essas ações criminosas, ocorreu outro duplo homicídio na região. Alisson Sabino de Sousa, 19; e Eliglayson da Silva Menezes, 15, ambos sem passagens pela Polícia, teriam desrespeitado a 'lei do tráfico' e entrado em uma 'área proibida', para realizar um trabalho. Os jovens foram raptados por um casal e levados até as proximidades de um riacho, na Travessa Taubaté, onde foram executados, na noite de 27 de setembro, deste ano.
Medo
O clima de guerra está estampado nos muros das casas do bairro. Pichações das facções Comando Vermelho (CV), Guardiões do Estado (GDE) e Primeiro Comando da Capital (PCC) se sobrepõem umas às outras e se multiplicam pelas ruas. O policial civil que conversou com a reportagem disse que os grupos locais contam com o apoio de membros da facção e moradores de outros bairros, para garantir o domínio do território. "Está migrando muito. Pessoas de outros bairros vêm para cometer crimes e voltam. É disso que se trata o crime organizado", resume.
Quem não quer abandonar sua casa, vive refém. "Não dá nem para pegar um ônibus. É tenso saber que você pode sair de casa a qualquer hora. Não podemos ir aonde queremos. Quando eles veem, não querem saber quem é, mandam bala. Tomo remédio controlado por conta disso", comenta uma moradora.
Expulsões
Um policial militar destacado na área contou que as facções dão apenas duas escolhas para o destino dos moradores: sair da residência ou permanecer em meio ao fogo cruzado. Temendo serem as próximas a serem expulsas, algumas famílias se anteciparam e abandonaram o lar. Várias residências foram colocadas à venda ou para alugar.
As expulsões na Granja Portugal repetem a migração na Comunidade da Babilônia, no bairro Barroso; no Residencial José Euclides Ferreira Gomes, no Conjunto Palmeiras; e no Residencial Cidade Jardim, no José Walter. As ordens de retirada já se expandiram para a Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) e foram registradas em Caucaia.
Um levantamento da Defensoria Pública do Ceará de julho deste ano apresentou um cenário com mais de 500 pessoas desalojadas por imposição do crime organizado. A reportagem solicitou uma entrevista à Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) sobre as execuções e recebeu a resposta de que as investigações estão em andamento e que o delegado não falaria neste momento. A Pasta não respondeu sobre as expulsões de famílias.