Em 6 anos, 502 jovens que passaram pelo sistema socioeducativo no Ceará morreram, aponta pesquisa
Esse número representa 5,2% do total de pessoas que cumpriu medidas de privação de liberdade, no período. O estudo também detalhou o perfil do egresso e destacou a falta de oportunidades para os jovens
Uma pesquisa desenvolvida pelo Comitê de Prevenção e Combate à Violência, da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), e divulgada na tarde desta quinta-feira (14), no evento "Semana Cada Vida Importa", aponta que 502 jovens que passaram por medidas socioeducativas de privação de liberdade - em decorrência de atos infracionais - no Estado, morreram entre os anos de 2016 e 2021. Esse número representa 5,2% do total de pessoas que cumpriu medidas de privação de liberdade, no Sistema Socioeducativo cearense, nesses seis anos, que é de 9.742 jovens.
das pessoas mortas (ou seja, 417 jovens) foram vítimas de homicídios; 3,5% (18 jovens) morreram em acidentes; 0,8% (4 jovens) cometeram suicídio; e 0,4% (2 jovens) tiveram a causa da morte classificada como "outros", conforme dados consultados pelos pesquisadores no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). Outros 61 jovens (12,1% do total) tiveram a causa da morte ignorada.
A pesquisa "Vidas por um Fio - Trajetórias de adolescentes após o cumprimento de medidas socioeducativas no Ceará" detalha que o ano em que aconteceu o maior número de mortes de jovens que cumpriram medidas socioeducativas de privação de liberdade foi 2020, com 136 casos (dos quais 112 foram homicídios). Já o ano que teve menos mortes foi 2016, com 17 casos (sendo 15 homicídios).
Segundo a pesquisa, o tempo de vida desses jovens mortos, ao terminarem a medida socioeducativa, foi, em média, de 457 dias (ou seja, aproximadamente 1 ano, 3 meses e 7 dias). Alguns jovens morreram durante o cumprimento da medida.
A maioria dos jovens que saíram das medidas socioeducativas e morreram no Ceará, nos 6 anos pesquisados, era do sexo masculino (481 jovens, ou 95,8% do total), enquanto apenas 21 (4,1%) eram do sexo feminino. E a idade média desses jovens mortos era de 17 anos.
O coordenador técnico do Comitê de Prevenção e Combate à Violência, o sociólogo Thiago de Holanda, analisa que os jovens que passam pelo Sistema Socioeducativo "são mais suscetíveis à violência, à violência letal, a serem vítimas de homicídio".
A gente foi aprofundar a trajetória dos adolescentes que saem do Sistema Socioeducativo. A gente chegou em um dado muito chocante, absurdo, que muitos deles morrem. E, em uma média de um ano e três meses, se nada for feito, é o tempo crítico que esse evento da morte pode acontecer."
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Quem são os egressos do sistema socioeducativo?
Uma equipe formada por 23 pessoas (três coordenadores da pesquisa, dez recenseadores comunitários e sete motoristas da Alece) levantou e visitou o endereço de 1.013 egressos do sistema socioeducativo, no Ceará. Entretanto, apenas 171 jovens (em 14% dos endereços visitados) foram localizados e aceitaram participar de uma pesquisa que traçou o perfil desse público.
"O perfil dessa vítima já é um perfil conhecido, a maioria é de meninos negros (pretos e pardos), que se dizem heterossexuais, que tem uma renda baixa e uma baixa escolaridade. É o perfil também das vítimas de homicídio: o jovem negro morador da periferia", resume o sociólogo Thiago de Holanda.
Confira o perfil maioritário do egresso:
A pesquisa revela ainda que 46,2% dos entrevistados trabalhavam antes da medida socioeducativa (sendo 19,4% como entregador e outros 19,4%, como servente de pedreiro); enquanto 60% trabalharam após a medida (sendo 14,6% como servente de pedreiro e 10,3%, como vendedor). Os jovens ouvidos começaram a ter uma atividade remunerada, em média, com 14 anos. E apenas 17,6% tiveram a carteira assinada.
Quanto ao estudo, 56,7% dos jovens entrevistados estavam fora da escola antes de serem punidos com a medida socioeducativa. Após terminarem a medida, apenas 2 em cada 10 jovens voltaram à escola. Dentre 80% que não voltaram a estudar, 23,1% disseram que não voltaram por falta de interesse; 22,5%, em razão da necessidade de trabalhar; e 13,7%, por restrições de locomoção no território.
Thiago de Holanda avalia que esses jovens têm poucas oportunidades, após cumprirem as medidas socioeducativas: "Eles já têm uma base muito prejudicada na escola. Quando eles entram no sistema socioeducativo, eles não melhoram isso. Quando saem, eles também não retornam à escola. A gente precisa qualificar esse processo de aprendizagem desses adolescentes, porque isso tem relação também com os cursos profissionalizantes que são oferecidos, e como é que eles podem, depois, ser incluídos nesse processo produtivo".
"Antes da medida, esses adolescentes já trabalharam ou tiveram alguma relação com o mundo do trabalho, mas trabalho precário, informal. Quando eles saem (do Sistema Socioeducativo), mesmo tendo feito curso dentro da unidade, eles não são incluídos em atividades relacionadas a esses cursos que eles fizeram. Eles voltam a participar de atividades informais, precarizadas. Então, essa é uma questão que chama atenção e que a gente quer trabalhar, a partir dessa pesquisa para poder gerar oportunidades", completa o sociólogo.