Censo Penitenciário: 7 em cada 10 presos do Ceará já estiveram no presídio mais de uma vez

77% dos internos do sistema penitenciário cearense afirmaram que não trabalhavam no presídio. Mesma porcentagem também não estudava, segundo os dados coletados em 2022

Escrito por Messias Borges , messias.borges@svm.com.br
63,8% dos presos (13.021 internos) afirmaram ao Censo que estavam encarcerados em celas com mais de 12 detentos, nas unidades penitenciárias cearenses
Legenda: 63,8% dos presos (13.021 internos) afirmaram ao Censo que estavam encarcerados em celas com mais de 12 detentos, nas unidades penitenciárias cearenses
Foto: Calvin Penna/ TJCE

Ser preso e levado ao presídio. Sair do cárcere, mas depois voltar ao sistema penitenciário. Essa era a realidade de 14.489 pessoas que se encontravam recolhidas em unidades penitenciárias cearenses em 2022, um número que representava 71% (ou 7 em cada 10) do total de presos ouvidos, que era de 20.408 pessoas, segundo o Censo Penitenciário 2023.

O Censo Penitenciário, que não era realizado no Ceará desde 2013, foi elaborado nos últimos dois anos em uma parceria entre a Universidade Federal do Ceará (UFC) e a Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização do Ceará (SAP). Os dados foram coletados entre maio e julho de 2022 e consolidados durante o ano passado. 19.626 homens e 782 mulheres privados de liberdade foram ouvidos pelos pesquisadores.

40,5%
das internas (ou seja, 317 mulheres) nunca haviam tido uma reentrada no sistema penitenciário - isso quer dizer que elas estavam no presídio pela primeira vez. Esse número, entre os homens, cai para 27,8% - o equivalente a 5.447 detentos.

Ao somar homens e mulheres, 27,2% dos presos (ou seja, 5.548 internos) já tinham uma reentrada no presídio; 20,2% (ou 4.130 presos) tinham duas reentradas; e 11,5% (2.346 detentos) tinham três reentradas. O percentual diminui conforme aumenta o número de retornos ao sistema. Até que um número de 138 presos (0,7% do total) afirmou que já esteve nos presídios entre 9 e 20 vezes.

Confira os dados:

Mais de 71% dos presos já tiveram uma ou mais reentradas no sistema penitenciário
Legenda: Mais de 71% dos presos já tiveram uma ou mais reentradas no sistema penitenciário
Foto: Reprodução/ Censo Penitenciário 2023

O Censo Penitenciário traz que a reentrada no sistema é uma "indicação de processos de reincidência e descumprimento de medidas de liberdade condicional". Em entrevista ao Diário do Nordeste, a coordenadora do Censo e professora do curso de Enfermagem da Universidade Federal do Ceará (UFC), Ana Karina Pinheiro, detalha que "reentrada é o conceito adequado para a movimentação cotidiana das unidades prisionais que se caracteriza por saídas e entradas das pessoas", o que não significa obrigatoriamente uma reincidência no crime.

As saídas podem ser por progressão de pena, evasão, transferência para cumprimento de pena em outra unidade, entre outros. Na mesma lógica, as entradas se dividem em entrada para cumprimento de pena, transferência de outra unidade prisional para cumprimento de pena, recaptura de foragidos, cumprimento de mandatos de prisão em aberto, entre outras. Assim, o conceito de reentrada contempla gama variada de situações de aprisionamento que extrapolam o fenômeno da reincidência criminal."
Ana Karina Pinheiro
Coordenadora do Censo Penitenciário 2023

A criminalidade está presente na vida da maioria dos presos desde a juventude, segundo a pesquisa - o que fortalece a reincidência. O Censo Penitenciário revelou que 66,1% dos presos à época (um total de 13.495 internos) tinham cometido o primeiro delito antes de 21 anos; e 58,8% (12.002 presos) tinham sido detidos por um delito, pela primeira vez, antes dos 21 anos.

A professora Ana Karina analisa que "crianças e adolescentes são expostos a uma sociedade desigual, onde vários de seus direitos são violados. A proporção apresentada no censo demonstra claramente as imensas vulnerabilidades sociais que a população pesquisada enfrenta desde o nascimento".

"O primeiro crime na infância ou adolescência tem consequências pessoais, sociais e estruturais relevantes. Os indivíduos envolvidos com prática (criminosa) nesses períodos têm repercussões em sua vida e saúde, estão propensos a mortes precoces, prisões recorrentes, desistência às aulas, rompimento com o pacto social e as leis da cultura", acrescenta.

44,5%
dos presos (ou seja, 9.088 internos) respondiam a crimes contra o patrimônio (que envolvem roubos, furtos, latrocínios - roubos seguidos de morte -, extorsão, estelionato, receptação e dano). 30,3% dos detentos (um número de 6.183) respondiam a crimes de entorpecentes (tráfico de drogas e associação para o tráfico), segundo o Censo Penitenciário. E 25,8% (5.267 internos) respondiam a crimes de morte - homicídios simples ou qualificado e feminicídio. São as práticas criminosas com maiores incidências no Sistema Penitenciário do Ceará.

Importância da ressocialização

A ressocialização dos presos, através do trabalho e da educação, é importante para evitar a reincidência de crimes e a reentrada dessas pessoas no sistema penitenciário, aponta o Censo Penitenciário.

"O trabalho prisional contribui para a ressocialização das pessoas privadas de liberdade, pois diminui o tempo de ócio na prisão, incentiva a pessoa a planejar um futuro melhor, e diminui a pena aplicada pelo Estado por meio do sistema de remição. Contribuindo para seu retorno na sociedade, o trabalho é uma grande opção de reinserção social com o fim de prover a readaptação, formá-lo para uma profissão, inculcar-lhe hábitos de trabalho e evitar o ócio", analisa a coordenadora do Censo, a professora Ana Karina Pinheiro.

Entretanto, 77,5% dos presos ouvidos pelo Censo (15.818 internos) afirmaram que não realizavam atividades laborais nas unidades prisionais. 5,9% (1.200 internos) disseram que não trabalhavam no momento da pesquisa, mas já haviam realizado atividades no presídio. Enquanto 15,8% (3.227 presos) trabalhavam na época.

O cenário entre os homens era ainda mais grave: 78,6% deles (15.423 internos) não trabalhavam no cárcere, e apenas 14,8% (2.900) trabalhavam. Em contrapartida, entre as mulheres, 50,5% (395 internas) não trabalhavam e 41,8% (327 interna) realizavam atividades laborais no presídio.

Um número semelhante de presos também afirmou que não estudava no sistema penitenciário: 77,2% do total (ou 15.758 internos). Apenas 22,5% (4.592 internos) estudavam, conforme a pesquisa. A oportunidade de estudar também chegava a mais mulheres, proporcionalmente: 40,5% delas (317 internas) estudavam e 59,1% (462 internas) não estudavam.

Ana Karina Pinheiro pondera que "o censo penitenciário tem como base o autorrelato das pessoas privadas de liberdade em 2022". Apesar de apenas 22,5% dos presos estudarem, a pesquisadora destacou que, entre os detentos que estavam no sistema penitenciário antes de 2019, 71,8% (6.614 de 8.902 internos) afirmaram que as oportunidades de estudo melhoraram ou melhoraram muito. E 66,7% (6.148 de 8.902 internos) informaram que as oportunidades de trabalho melhoraram ou melhoraram muito.

Após a coleta de dados do Censo, Ana Karina afirma ainda que "houve um redirecionamento da política e prática de ressocialização no Estado". Inclusive, em 2023, a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) mudou de nome para Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização, destaca a pesquisadora.

"Atualmente, o grupo de pesquisadores responsável pelo censo está pesquisando os egressos do sistema, averiguando os efeitos das atividades laborais e formativas na ressocialização. Em breve, realizará novo censo com o intuito de verificar a mudanças ocorridas após a mudança estratégica", aponta a coordenadora do Censo.

Melhorias no Sistema Penitenciário

Questionada sobre os números de presos que estudavam e trabalhavam, demonstrados no Censo Penitenciário, a Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização enviou nota em que destaca números que mostram melhorias no Sistema Penitenciário.

Segundo a Secretaria, "o Censo é uma das inúmeras ações da SAP que visa criar diagnósticos, implementar ações e colher os frutos que hoje fazem do Ceará, a principal referência em gestão prisional do Brasil".

"Para elaborar o material de forma profissional e isenta, a SAP contratou a Universidade Federal do Ceará para montar o estudo e criar um comparativo de outra pesquisa realizada pela própria UFC nos anos de 2013 e 2014. A Pasta também reitera que, em ambas as pesquisas, as respostas dos participantes são autodeclatórias e de responsabilidade dos autores e que o Censo relativo a 2023 é um retrato da pesquisa realizada no ano de 2022."

Confira os dados destacados pela SAP:

  • 74,3% da população carcerária afirma que a infraestrutura das unidades prisionais do Ceará melhorou ou melhorou muito no Censo de 2023;
  • 74% da população carcerária afirma que as condições de segurança das unidades prisionais do Ceará melhoraram ou melhoraram muito no Censo de 2023;
  • 71,8% da população carcerária afirma que as oportunidades de estudos melhoraram ou melhoraram muito nas unidades prisionais do Ceará no ano de 2023;
  • 66,7% da população carcerária afirma que as oportunidades de trabalho melhoraram ou melhoraram muito nas unidades prisionais do Ceará no Censo de 2023;
  • Quantidades de vagas nas unidades prisionais do Estado do Ceará em 2014 – 10.636 /// Quantidades de vagas nas unidades prisionais do Estado do Ceará em 2023 – 17.618;
  • Quantidade de internos em 2014 – 16.501 /// Quantidade de internos em 2023 – 22.971;
  • Faixa etária predominante dos internos em 2014 – entre 22 e 25 anos (20% da população carcerária) - Faixa etária predominante de internos em 2023 – entre 26 e 29 anos (20,7% da população carcerária); 
  • Situação prisional predominante dos internos em 2014 – preso provisório (48,5%) /// Situação prisional predominante em 2023 – preso condenado (46,4%);   
  • Assistência jurídica predominante aos internos em 2014 – Defensoria Pública (37,5%) - Assistência jurídica predominante aos internos em 2023 – advogado particular (43%);
  • Religião predominante dos internos em 2014 – católica (43,5% da população carcerária) /// Religião predominante dos internos em 2023 – evangélica (43,3% da população carcerária);
  • Estado civil predominante dos internos em 2014 – solteiro (46,4 da população carcerária) /// Estado civil predominante dos internos em 2023 – solteiro (61,9 da população carcerária);
  • Orientação Sexual predominante dos internos em 2014 – heterossexual (97%) /// Orientação Sexual predominante dos internos em 2023 – heterossexual (96,8%);
  • Raça predominante dos internos em 2014 – parda (34%) /// Raça predominante dos internos em 2023 – parda (67,7%);
  • 1,5% dos internos declaram ter concluído curso de capacitação profissional em 2014 /// 20,2% dos internos declaram ter concluído curso de capacitação profissional em 2023;
  • Frequência escolar predominante dos internos em 2014 – 89,6% dos internos declaram não estudar /// Frequência escolar predominante dos internos em 2023 – 77,9% dos internos declaram não estudar;
  • Atividade de trabalho predominante em 2014 - 86,8% dos internos declaram não trabalhar /// Atividade de trabalho predominante em 2023 - 78,6% dos internos declaram não trabalhar;
  • Consumo de drogas na prisão em 2014 – 94,7% declaram usar crack nas unidades prisionais, 94,6% declaram usar álcool nas unidades prisionais, 94,5% declaram usar cocaína nas unidades prisionais, 85,2% declaram usar maconha nas unidades prisionais e 61,3% declaram usar cigarro nas unidades prisionais /// 95,6% dos internos declaram não usar drogas, cigarro ou álcool nas unidades prisionais;
  • Número de presos por cela predominante em 2014 – entre 1 e 5 presos (24,9%) /// Número de presos por cela predominante em 2023 – entre 12 e 16 presos (33,6%) .
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