Após falhas, Poder Judiciário e advogados discutem melhorias no sistema de soltura de presos no CE

Entre as medidas sugeridas pelas fontes, está um sistema digitalizado que unifique a busca por mandados de prisão, o que é feito hoje até por e-mail

Escrito por Messias Borges , messias.borges@svm.com.br
A fragilidade do sistema de soltura ficou exposta com a concessão de liberdade a dois detentos, que tinham outros mandados de prisão
Legenda: A fragilidade do sistema de soltura ficou exposta com a concessão de liberdade a dois detentos, que tinham outros mandados de prisão
Foto: Natinho Rodrigues

A soltura de presos que tinham outros mandados de prisão vigentes aliado à demora no cumprimento de alvarás de soltura em alguns casos fazem com que o Poder Judiciário e advogados criminalistas concordem que o sistema de soltura, no Ceará, precisa ser aperfeiçoado. Entre as medidas sugeridas pelas fontes, está um sistema digitalizado que unifique a busca por mandados de prisão, o que é feito hoje até por e-mail.

A fragilidade do sistema de soltura ficou exposta com a concessão de liberdade a dois detentos. No início deste mês de abril, o empresário potiguar George Gustavo da Silva, condenado a mais de 236 anos de prisão por tráfico internacional de drogas e organização criminosa, foi solto da Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor Jucá Neto (CPPL 3), em Itaitinga, por decisão judicial, mesmo tendo outro mandado de prisão, da Justiça Federal no Ceará, datado de setembro de 2020.

O que precisa mudar

Na ocasião, a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) informou que cumpriu decisão judicial e não encontrou nenhum impedimento para a soltura no Banco Nacional de Mandado de Prisão (BNMP).

A 1ª Vara de Execução Penal (VEP) de Fortaleza reconheceu o erro do Sistema de Justiça, expediu nova ordem de prisão e acionou as polícias Civil do Ceará (PCCE) e Federal (PF), além da Interpol (Polícia Internacional), para recapturar o foragido.
 

Caso semelhante aconteceu em fevereiro deste ano e passou despercebido por dois meses. Ítalo Eufrásio Lemos saiu pela porta da frente da Casa de Privação Provisória de Liberdade Agente Elias Alves da Silva (CPPL IV), também em Itaitinga, apesar de ter outro mandado de prisão. A SAP, mais uma vez, disse que realizou pesquisa no Banco Nacional e cumpriu a ordem judicial.

O Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) não se manifestou sobre este caso. Entretanto, após a reportagem procurar a Justiça Estadual, a Vara de Delitos de Organizações Criminosas determinou a inclusão do mandado de prisão contra Ítalo no BNMP, na última quinta-feira (15), conforme consulta pública, sendo que há decisão para a decretação da prisão do mesmo desde fevereiro de 2019, na ação penal.

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Passo a passo da soltura

O coordenador das Varas Criminais de Fortaleza, juiz Felipe Maia, detalha que a soltura de um preso se dá em duas etapas: na Justiça e na unidade penitenciária: "O Judiciário, ao prolatar uma decisão de soltura, tem que imediatamente expedir o alvará de soltura. Esse alvará, no Tribunal de Justiça do Ceará, hoje em dia, é remetido poucos minutos após a decisão de soltura, por meio do sistema eletrônico processual".

"Por questão de cautela, a Administração Penitenciária realiza as pesquisas necessárias. Colocando em liberdade, se não houver nenhuma restrição. Ou, se houver restrição, ele apenas recepciona o documento, mantém no prontuário do preso e informa ao magistrado o motivo da não soltura", completa.

Entretanto, não há um sistema digitalizado único que reúne todas as informações sobre os processos e os mandados de prisão de um detento - principalmente aqueles multidenunciados.

São utilizados o E-saj - que contém todos os processos criminais digitalizados; o Sistema Eletrônico de Execução Unificada (SEEU) - que abrange as execuções de penas dos réus sentenciados; e o BNMP, que deveria reunir todos os mandados de prisão do Brasil. 

Mesmo assim, o Sistema Penitenciário precisa trocar informações com as unidades judiciais por e-mail para checar se não há outro mandado de prisão. No caso de alguns presos, são várias varas, até de outros estados. Esse procedimento, além de colaborar com falhas, provoca lentidão no cumprimento de alvarás de soltura, segundo advogados ouvidos pela reportagem.

Questionada, a a Secretaria da Administração Penitenciária, em nota, se coloca como "uma instituição de custódia" e afirma que "qualquer entrada nas unidades prisionais são oriundas de mandados de prisão do Poder Judiciário, assim como os alvarás de soltura. No caso de progressão de regime e liberdade, os diretores dos presídios realizam busca no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP) ou varas em que se tenha processo. Caso não haja restrição, a soltura é feita de imediato".

A soltura de um preso se dá em duas etapas: na Justiça e na unidade penitenciária, diz juiz
Legenda: A soltura de um preso se dá em duas etapas: na Justiça e na unidade penitenciária, diz juiz
Foto: Fabiane de Paula

Lentidão para soltar

Na contramão da liberação de detentos com outros mandados de prisão, um homem que responde por tráfico de drogas e estava custodiado na CPPL III (identidade preservada) teve a soltura decretada no último dia 26 de março, mas a medida foi cumprida e ele, colocado em liberdade, apenas no dia 7 de abril, ou seja, após 12 dias. O advogado Alexandre Sales, que o representa, acredita que a demora se deu pela troca de e-mails entre o Sistema Penitenciário e Varas Judiciais, inclusive de São Paulo.

Sales afirma que "o Estado do Ceará não adota, como fonte única para pesquisar se o preso pode sair ou não, o Banco Nacional de Mandados de Prisão, mesmo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) estabelecendo que ele deve ser a fonte. Nas unidades prisionais, quando chega um alvará de soltura, é emitido um e-mail, para cada vara em que o beneficiário do alvará de soltura responde a processo e cabe à vara responder se ele pode sair ou não. Isso dá margem para muitos erros".

O advogado Kaio Castro ratifica e sugere a criação de um sistema que unifique as informações da Justiça: "Nos dias atuais, ainda vemos muitos presos recebendo alvarás de soltura e demorando mais de uma semana, até duas semanas, para o cumprimento do alvará de soltura. Isso se dá em razão da falta de uma integração do Sistema da Justiça. Se existisse um sistema que integralizasse todas as informações, sem dúvidas conseguiríamos cumprir os alvarás de soltura dentro do prazo de 24 horas, como estipulado pelo CNJ".

Já o advogado Leandro Vasques acrescenta que o alvará de soltura precisa ser cumprido o quanto antes, até por medida de segurança ao preso, e afirma que o Banco Nacional de Mandados de Prisão é um meio "seguro", contanto que seja atualizado com frequência. "Se ele estiver sendo devidamente alimentado e atualizado, solturas indevidas não irão se verificar. É preciso destacar que pode haver a soltura de alguém por medida intencional, de um servidor, onde irá se apurar isso a título de dolo, ou por culpa, se houver uma negligência", aponta.

A pandemia de Covid-19 e a necessidade de distanciamento social acabaram por agilizar o cumprimento dos alvarás de soltura, apesar das dificuldades que persistem. Desde maio de 2020, essas decisões são enviadas digitalizadas para as unidades de custódia, sem necessidade da presença dos oficiais de Justiça. Essa medida é enaltecida pelos advogados criminalistas, que esperam por sua manutenção.

O juiz Felipe Maia compreende as críticas dos advogados sobre o sistema de soltura de presos: "Sem dúvidas, precisa avançar, ser aprimorado. Acho que a gente tende a chegar a esse aprimoramento, o secretário Mauro (da Administração Penitenciária) é bem receptivo. Já melhorou muito. Hoje, o sistema de expedição de alvará de soltura é desburocratizado, no âmbito do Tribunal de Justiça. Ele não passa mais por qualquer setor. O Gabinete de Vara, ao prolatar a decisão, automaticamente expede esse documento". 

Agora, com relação às pesquisas, a gente tem que realmente conversar e tentar abreviar esse procedimento. Até porque nós temos os recursos tecnológicos.
Felipe Maia
Juiz estadual, coordenador das Varas Criminais de Fortaleza

"Não estamos mais falando de processos físicos, nós estamos na era dos processos eletrônicos. Nós temos vários sistemas disponíveis para consulta. A gente tem que discutir e tentar aprimorar", conclui o magistrado.

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