5 a cada 10 feminicídios no Ceará ocorrem entre noite e madrugada; fins de semana são mais letais
Uso abusivo de álcool e maior tempo de convivência com a vítima são possíveis fatores, apontam especialistas
Noite e madrugada são sinônimos de silêncio, descanso. Aos sábados e domingos, são turnos para diversão, lazer. Ou deveriam ser. Para 62 mulheres cearenses, nos últimos 4 anos, o horário entre o pôr e o nascer do sol foi tempo de morrer. Para 42 delas, sábado ou domingo foi o último dos dias.
Dos 115 feminicídios registrados no Ceará entre 2018 e outubro deste ano, mais da metade (55%) foram cometidos entre 18h e 5h59. Se considerado o dia da semana, sábado e domingo concentram 36,5% dos crimes, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS).
Era domingo, 28 de julho de 2019, quando Marciana Alves foi morta a golpes de faca, aos 37 anos, pelo companheiro. Segundo as filhas, o crime, cometido na garagem da casa da família, foi motivado por “ciúmes”. O homem, preso em flagrante, havia consumido bebida alcoólica e cocaína. Foi o 18º dos 34 feminicídios de 2019.
Também domingo, 6 de outubro do mesmo ano, Karla Andreza Batista teve a vida interrompida aos 25 anos pelo ex-companheiro, que não aceitava o fim do relacionamento e a golpeou com uma faca. Após dias no hospital e uma ligação do agressor se desculpando, Karla partiu, tornando-se a 24ª a morrer por feminicídio no ano.
Jeritza Braga, supervisora do Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher (Nudem) da Defensoria Pública do Estado, destaca que a maioria das violações ocorre dentro de casa – ambiente que vítima e agressor mais compartilham aos fins de semana.
Respaldados por uma “ideologia de dominação, que coloca as mulheres em situação de vulnerabilidade”, como ilustra Jeritza, os agressores encontram entre quatro paredes um terreno fértil para submeter as vítimas e cometer distintos tipos de violência.
E há fatores que potencializam. Os relatos das vítimas são de que eles bebem muito, e se tornam agressivos. Pelo fato de a violência acontecer em casa, muitas acham que não vão ser acreditadas se denunciarem.
A defensora pública alerta para a importância de que as mulheres tenham suporte e efetivem as denúncias, a fim de romper o ciclo da violência doméstica e prevenir que ela chegue ao ponto mais alto e irreversível: o feminicídio.
“Nenhuma mulher é vítima de feminicídio de um dia pro outro. Geralmente, são pessoas que sofreram violência por anos, e nunca denunciaram. Esse crime é o ápice”, lamenta Jeritza, estimando que mulheres “levam de 5 a 10 anos para buscar ajuda” após sofrerem violência física, psicológica, sexual, moral e/ou patrimonial.
De janeiro a outubro deste ano, foram contabilizados mais de 11 mil atendimentos a mulheres vítimas de violência pela Defensoria Pública do Estado.
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A delegada Arlete Silveira, diretora do Departamento de Grupos Vulneráveis da Polícia Civil do Ceará (DPGV), reforça que o uso abusivo de álcool e drogas e “o adoecimento mental do agressor após o isolamento social” também são potenciais catalisadores da violência doméstica, “e devem estar em pauta”.
Arlete frisa que a Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), na Casa da Mulher Brasileira (CMB), funciona 24 horas, todos os dias da semana, mas que “a rede de proteção no geral precisa ser fortalecida e melhorada no sentido de prevenir a violência”, e não apenas “remediar”.
mulheres foram vítimas de violência doméstica no Ceará, entre janeiro e outubro de 2021, segundo a SSPDS – e essas são as que conseguiram denunciar.
No Ceará, a CMB, localizada no bairro Couto Fernandes, concentra os principais órgãos especializados no atendimento às vítimas de violência, como delegacia, juizado, Defensoria, serviços de apoio à autonomia financeira, entre outros.
De acordo com Daciane Barreto, coordenadora do equipamento, o pico “muito grande” do número de atendimentos é registrado após o fim de semana, logo na segunda-feira, “depois do período de sábado e domingo, quando o agressor fica mais tempo em casa”.
Na noite de sábado, também se vê um aumento principalmente da violência física. Normalmente, os homens utilizam o argumento do álcool – mas esses ingredientes apenas potencializam a violência já existente.
Assim como Arlete, Daciane alerta que se vive, hoje, a nível nacional, “numa sociedade carente de implementação e fortalecimento das políticas públicas para as mulheres”. Cenário que se agravou durante o isolamento social rígido, na pandemia de Covid.
Onde buscar ajuda
- Casa da Mulher Brasileira – Rua Tabuleiro do Norte, S/N. Bairro Couto Fernandes, Fortaleza, Ceará. Telefone: (85) 3108-2999
- Disque 180 – Central de Atendimento à Mulher
- 190 – Polícia Militar
Aplicativo gratuito auxilia mulheres em violência
O aplicativo PenhaS, desenvolvido pelo Instituto AzMina, reúne informações e ferramentas gratuitas para combate à violência contra a mulher. Por meio dele, é possível compartilhar experiências com outras mulheres, de forma anônima, e ver um mapa de delegacias e serviços de atendimento.
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Além disso, o app oferece a função "botão de pânico", por meio do qual a vítima pode escolher cinco pessoas de confiança para acionar em um clique, em caso de emergência. É possível, ainda, ativar uma gravação de áudio no momento da violência, para produzir uma prova contra o agressor.
Para começar a utilizar o app, é preciso realizar um cadastro com dados pessoais e, em seguida, responder a perguntas-chave sobre o relacionamento, para identificar se a usuária pode estar ou não em situação de violência. Todas as informações permanecem em sigilo.