Mestres homenageiam santo

Escrito por Redação ,
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O reisado é lembrado e destacado pela escolha dos Mestres do Mundo. São Gonçalo é o que recebe homenagem

Limoeiro do Norte Um reconhecimento que leva a outros. A resistência cultural vai além das brincadeiras, revela a história de luta para a manutenção da identidade coletiva das comunidades. A força do reisado entra em cheio, e ganharam expressividade as danças e cantorias a São Gonçalo, o santo violeiro. Dos dez tesouros vivos, dois mestres e um grupo fazem homenagem ao santo adorado que a pretexto de ser operador de milagres é elemento que mantém a união de várias gerações de família e até mesmo a singularidade de povos remanescentes dos quilombos de resistência à escravidão negra.

"São Gonçalo é um santo, muito milagroso. É de Deus amado e de todo o povo. Quem a São Gonçalo serve, será servido. É de Deus amado. É de todo o povo", começa a cantoria. Assim inicia a festa no terreiro do mestre Joaquim Ferreira da Silva, no Sítio Veiga, na Serra do Estevão, zona rural de Quixadá. O surdo das pisadas e ritmado na batida do tambor, e as ladainhas acompanham os acordes da viola. "É um santo bom como uns todo", diz ele. O homem tem 83 anos, mas acompanha as 12 jornadas do ritual da dança. Quando o faz, diz que está respeitando o que os pais ensinaram. "É o costume da gente".

Enquanto a tradição é respeitada, lá está a meninada acompanhando nos dois partidos: rosado e anil. É uma brincadeira, mas a menina quando vira moça e o menino se faz homem feito, ainda assim, seguem a manifestação cultural. Vergonha à parte (sobra para as mulheres fazerem alguns personagens antes feitos por homens), a filha caçula de mestre Joaquim, Rosimeire Ferreira, não tá "nem aí" para o que dizem, quer é participar, e na companhia de Tereza, Rita, e as sobrinhas Geiseane e Geisene. Diz o mestre que São Gonçalo gostava de fazer festas e ajudar as pessoas. "Tirava as muié do mal caminho, das tentação". Ao que parece, o santo cantava o que os males espantava. As mulheres dançavam a noite toda, tanto que na hora que homem ´sem vergonha´ chamava estavam tão cansadas que só faziam dormir.

A comunidade de Sítio Veiga, na Serra do Estevão, tem mais história: foi porto seguro de escravos fugidos. Após anos de luta para o reconhecimento, o povo comemora a inclusão do lugar como uma autêntica comunidade quilombola, remanescente dos quilombos. Mais do que na cor e nos traços estereotípicos, a memória está nas singularidades culturais, na capoeira, na umbanda e no reisados, num sincretismo que comprova que a Dança do São Gonçalo do mestre Joaquim não é igual à de ninguém.

Pode ser parecido, mas não passa disso. Outra dança homenageada é a liderada por mestre Expedita Moreira dos Santos, de Tianguá. Com 71 anos, incentiva filhas e netas a participarem da dança. Pudera, recebeu o gosto de sua mãe, dona Dina Faustina da Rocha, e não esquece de fazer anualmente desde os 10 anos de idade. As mulheres realizam a dança, já que "homem tá difícil". Blusa azul com chita, saia rodada com estampa vermelha, as meninas se embelezam, depois de limpar o terreiro, a latada, e dona Expedita (é novo esse adjetivo de mestre) pra lá e pra cá com a imagem do santo nos braços.

Na Juazeiro do Padre Cícero, lavadeira que entoa ladainha no horto ao velho "Padim" virou mestra, e agora o Grupo de Dança de São Gonçalo da Comunidade do Horto mereceu destaque, depois de ininterruptos 30 anos mantendo a tradição, orientado por Pedro Joaquim, Maria Joaquina e o filho, Manoel. Estarão de 17 a 20 em Limoeiro do Norte, pela primeira vez noutra região do Estado, dançando para além da imagem do ´Padim´.

Entre ego, estima, reconhecimento e valorização, é para isso que existe o Encontro dos Mestres do Mundo, cujos protagonistas são os senhores e senhoras que cultivam suas artes tradicionais. Enquanto de dia os mestres de academia (historiadores, professores etc.) discutem o legado dos mestres, e estes dialogarão entre si na troca de saberes e fazeres, todos exibindo nas noites em palco aberto para uma multidão as brincadeiras, a música, a literatura, o artesanato, a dança e o conhecimento das práticas seculares.

CATEGORIAS
Escolha envolve diversas habilidades

Limoeiro do Norte
Gastronomia, corpo, mãos, oralidade e o sagrado fazem as categorias em que se inserem os novos mestres da cultura no Ceará. Vidas comuns, a maioria ainda nos rincões rurais do Interior, onde nasceram e esperam ficar até o dia que "Deus der".

Aos 81 anos de idade, Maria do Carmo é conhecida na região por fazer lambedor. O remédio caseiro é feito com a colaboração de sua irmã, dona Francisca. Usam diversos tipos de plantas cultivadas no quintal da casa onde residem. Todos os dias, bem cedo, as irmãs colhem as plantas e raízes especiais para o preparo do lambedor curativo para diversas doenças.

O espero é de ferro na casa do ferreiro Francisco Vitor Lima, do Cedro. Sr. Netinho, como é conhecido, aprendeu com o avô e o pai a arte de ferreiro. Há 51 anos ele produz peças que ajudam a manter viva a atividade de ferreiro, repassando hoje para seus filhos e netos.

Já citado anteriormente, outro mestre é Antônio Luiz, nascido em Potengi, no ano de 1956. Tornou-se brincante do Reisado de Caretas em 1980. O reisado de caretas do Sítio Assaré estava morrendo quando Antônio, preocupado, passou a organizar o Reisado, que hoje é uma referência para a região do Cariri.

Comunidade quilombola

É conhecida a Dança de São Gonçalo de Mestre Joaquim Ferreira. Nascido em Quixadá, em 1939, organiza com as mulheres da Comunidade quilombola do Sítio da Veiga a Dança de São Gonçalo. Mestre Joaquim acompanha o grupo com um tamborzinho que recebeu de presente de seu pai. Hoje, repassa seus conhecimentos a todos da comunidade, sendo a Dança de São Gonçalo manifestação conhecida no Sertão Central.

Representante da Zona Norte, a mestre Expedita Moreira dos Santos, de Tianguá, também brinca com os filhos e netos a Dança de São Gonçalo, desce os incentivos de sua mãe, dona Dina Faustina. A dança é realizada pelas mulheres da comunidade, tendo a mestre Expedita como "Mariposa" que organiza o grupo e dirige a manifestação.

Do Litoral Leste vem dona Francisca Ferreira Pires, ou mestra Francisca, há 58 anos rendeira na cidade de Cascavel. Dona Francisca repassa seu conhecimento em renda a mulheres da comunidade, fortalecendo ainda mais a tradição de rendeira em sua região.

Penitentes

Os penitentes de Barbalha têm mais um mestre da Cultura: Severino Antônio Uchoa. Nascido no Sítio Cabaceiras, localizado em Barbalha, seu Severino acompanha desde os 10 anos de idade o grupo de penitentes do Mestre Joaquim Mulato. Com a morte deste último, Severino passou a organizar o grupo de penitentes, buscando manter viva a tradição.

A sanfona de oito baixos, conhecida como "pé-de-bode", ganha vida nas mãos do instrumentista Francisco Paes de Castro, de Assaré, terra do Patativa. Conhecido como Chico Paes, ele é neto de João Saturnino do Prado, que era rabequista e violeiro, e filho de João Paes, sanfoneiro. Mestre Chico Paes toca a sanfona característica da cultura popular. Sua música é conhecida em toda a região.

Como prova de que a região do Cariri é mesmo um seleiro cultural, é de lá que vem outro reisado da dança de São Gonçalo, da comunidade do Horto, no município de Juazeiro do Norte. Mantêm a atividade que existe há mais de 30 anos sob a orientação de Pedro Joaquim, sua esposa Maria Joaquina e o filho Manoel. As atividades do grupo ligadas à manifestação vêm sendo retomadas, atualmente, por Leôncio Alves dos Santos e toda a sua família.

MAIS INFORMAÇÕES

Secretaria da Cultura do Ceará (Secult)

(85) 3101.6763

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Melquíades Júnior
Colaborador