Partidos deverão reservar verba do fundo eleitoral para negros

Os valores terão que ser distribuídos de acordo com o número de candidatos autodeclarados pretos e pardos dentro de cada gênero. As regras entram em vigor imediatamente depois de decisão do Supremo Tribunal Federal

Escrito por Alessandra Castro , alessandra.castro@svm.com.br
eleitor urna
Foto: Fabiane de Paula

Em busca de garantir mais equidade entre os candidatos que irão disputar mandatos nos legislativos municipais no pleito deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os partidos políticos terão que reservar, de forma proporcional, verba do fundo eleitoral de financiamento de campanha (FEFC) entre os postulantes negros e brancos. Ou seja, os valores não poderão ser discrepantes entre os concorrentes de uma mesma legenda. A medida já passa a vigorar de forma imediata, valendo para as eleições de novembro deste ano.

A decisão atende a uma ação movida pelo Psol para que as regras passassem a vigorar já em 2020. A determinação da Corte foi proferida na última sexta (2), em sessão no plenário virtual. O placar foi de 10 a 1 a favor do voto do relator do processo, ministro Ricardo Lewandowski, que estabelecia o vigor imediato do entendimento. Além disso, a medida estipula que o tempo de propaganda gratuita na TV e no rádio também obedeça ao princípio da proporcionalidade entre candidatos.

O cálculo para divisão dos recursos FEFC e do tempo de propaganda eleitoral será feito com base nos perfis dos candidatos informados à Justiça Eleitoral, sendo beneficiados os autodeclarados pretos e pardos. Para os advogados eleitorais ouvidos pela reportagem, apesar de ainda não ser o ideal, a decisão é uma vitória para a população brasileira, cuja maioria é formada por pretos e pardos conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas.

"Essa decisão é justa e adequada para o tempo que vivemos. É fundamental que o poder público tenha políticas e mecanismos que possam regulamentar a divisão da representação no Brasil. O parlamento brasileiro tem que ser a cara da sociedade. O ideal, para mim, seria uma reserva mínima de cadeiras no parlamento para mulheres, negros, indígenas...", detaca o presidente do Instituto Cearense de Direito Eleitoral (Icede), André Costa.

Já a advogada eleitoral Isabel Mota explica que a decisão do STF, apesar do avanço, não configura cota racial, por não estabelecer um percentual mínimo obrigatório como na cota de gênero, por exemplo. Ou seja, se o partido não tiver nenhum candidato autodeclarado negro, não precisa cumprir a determinação.

"Se você tem candidatura desse espectro sendo apresentada, você tem que destinar proporcionalmente. A ideia é que a reserva aperfeiçoe se houver candidaturas apresentadas dentro desse espectro, que normalmente têm", diz.

Tanto André como Isabel acreditam que a decisão do STF não deve trazer transtorno aos dirigentes partidários, já que as legendas deverão cumprir a proporcionalidade com os candidatos já lançados e sem valor mínimo pré-estabelecido. Ou seja, eles irão contemplar a etnia entre o do número de postulantes.

Regras

A divisão do fundo eleitoral deve respeitar a proporção de candidatos negros em todo o País. A repartição dos recursos deve levar em consideração o percentual de mulheres negras, dentro do total de candidaturas femininas, e de homens negros, dentro do total de candidaturas masculinas. Ou seja, primeiro deve ser obedecida a cota de gênero (que prevê no mínimo 30% de recursos para mulheres) para depois ser feita a reserva financeira racial para mulheres e homens negros. Isso não significa, no entanto, duplicidade de cota, já que o princípio que deve ser obedecido para a reserva racial é o da proporcionalidade. Neste ano, são R$ 2 bilhões de recursos do FEFC para custear candidaturas.

Como a verba do financiamento de campanha é distribuída pelos diretórios nacionais, a fiscalização será realizada apenas na prestação de contas desses diretórios pelo Tribunal Superior Eleitoral. A exceção é se cúpula nacional não enviar o dinheiro diretamente para a conta dos candidatos e sim para a Executiva municipal transferir para o postulante. Aí as duas agremiações têm que prestar contas à Justiça Eleitoral, conforme explica André Costa.

Quanto ao Fundo Partidário, a agremiação de qualquer esfera (municipal, estadual ou nacional) que alocar os recursos em campanha deverá fazê-lo de forma proporcional, seguindo critérios de gênero e raça. No entanto, nesses casos, a proporcionalidade será medida com base nas candidaturas apresentadas no âmbito territorial do órgão partidário doador, e não em âmbito nacional como acontece com os recursos do FEFC.

A fiscalização da aplicação do percentual mínimo será realizada no exame das prestações de contas de campanha das legendas. Tanto o FEFC quanto o fundo partidário são compostos por verba pública. Por isso, a Justiça Eleitoral estabelece isonomia na repartição dos recursos entre candidatos, apesar das legendas terem autonomia para definir critérios de distribuição.

TV e Rádio

Os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) vão definir o tempo de propaganda eleitoral gratuita na TV e no rádio para cada partido, de acordo com a representação das agremiações no Congresso Nacional.

Até essa parte, a divisão não sofre nenhuma alteração. Todavia, com a decisão do STF, internamente, cada legenda terá que organizar o seu tempo de propaganda para abarcar proporcionalmente as candidaturas negras em relação a de brancos.

Os partidos terão que se organizar para fazer valer já na eleição deste ano uma nova regra obrigatória determinada pelo STF. Eles terão que distribuir os recursos do fundo eleitoral de forma proporcional

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