Ação da PGR contra trâmite de CPI na AL repercute entre deputados

Augusto Aras questiona, no STF, o quórum de 1/4 de assinaturas estabelecido pela Constituição cearense para abrir CPIs na Assembleia, enquanto a Carta Magna prevê 1/3. Deputados questionam a ADI diante de CPI das fake news

Escrito por Letícia Lima ,
Legenda: Procuradoria da Assembleia defende o que prevê o Regimento Interno
Foto: José Leomar

Deputados reabriram debate sobre pedido de abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a disseminação de fake news no Ceará após o procurador-geral da República, Augusto Aras, mover Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o quórum estabelecido na Constituição cearense para a instalação de CPI na Assembleia Legislativa. Alguns parlamentares questionam o fato de a ação ter sido ajuizada enquanto tal pedido de CPI tramita na Casa. O Legislativo estadual ainda não foi notificado da ADI no STF. 

O conteúdo da ação foi antecipado pela coluna Poder na edição de ontem (17). O procurador-geral da República considera inconstitucional a norma cearense de 1989 que prevê o quórum de um quarto dos deputados estaduais, ou seja, a assinatura de, no mínimo, 12 dos 46 parlamentares, para a abertura de uma CPI na Assembleia Legislativa. 

Na ADI, Aras cita decisão do STF de 2016 que prevê que a quantidade de membros apoiadores à criação de CPI no Congresso Nacional – um terço da Câmara dos Deputados e do Senado –, definida na Constituição Federal, deve se estender às assembleias. 

Segundo o procurador-geral, a norma cearense em vigor há 30 anos não está “alinhada” à Constituição Federal, que exige “consenso mais rigoroso” de 33% dos votos, ou seja, de assinaturas, para instar uma CPI, enquanto a Constituição estadual exige quórum de 25%. 

“Se a elevação deste quórum subtrai das minorias o direito constitucional de instaurar uma CPI, a flexibilização excessiva pode dificultar os trabalhos parlamentares legislativos, que são parcialmente sacrificados quando instaurada comissão dessa natureza”, justifica.
 
Para o PGR, a “facilidade” para a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito pode “tumultuar” os trabalhos ordinários do Parlamento estadual ou até impedir a criação de CPIs mais relevantes. O procurador cita ainda as normas regimentais que limitam o número de CPIs em funcionamento. Na Câmara, por exemplo, só são permitidas que até cinco comissões atuem ao mesmo tempo. 

Augusto Aras pede com urgência uma medida cautelar, sem intimação dos interessados, para suspender os efeitos da norma. Segundo ele, o perigo na demora trará riscos de que CPIs sejam “indevidamente instauradas”. A ação, diz o chefe da PGR, não questiona CPIs que já foram instaladas nem as que estejam em curso. 

Assembleia 

O procurador-geral da Assembleia Legislativa, Rodrigo Martiniano, diz que a Casa ainda não foi notificada da ação, mas desde já critica a iniciativa. Para ele, a norma estadual é mais democrática que a federal, porque o quórum exigido para abertura de uma comissão do tipo é menor e garante direito à minoria. 

“Chega a ser leviano. A gente facilita a instalação de CPI, garantindo que a minoria (reúna assinaturas) para fazer as investigações. O Regimento (da Assembleia) só permite a instalação simultânea de duas CPIs no máximo. Como que eu vou dizer que isso está atrapalhando o processo legislativo? A gente teve várias CPIs e não teve questionamento”. 

O assunto repercute entre parlamentares, que questionam a ação no momento em que foi protocolada na Assembleia uma CPI para investigar a disseminação de fake news e a existência de um “gabinete do ódio” no Ceará, em consonâncias com investigações que ocorrem em âmbito federal. Segundo parlamentares que depuseram em CPI semelhante instalada no Congresso Nacional, esse “gabinete” seria composto por aliados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que criam perfis nas redes sociais para atacar adversários políticos.

Motivo 

Para o deputado estadual Acrísio Sena (PT), autor do pedido de abertura da CPI das fake news no Ceará, a ação da PGR é uma tentativa de barrar a instalação da comissão. “Principalmente numa conjuntura que nós assistimos nos desdobramentos da CPI nacional, que o Ceará se encontra entre os estados que compõem a extensão do ‘gabinete do ódio’ e da proliferação das fake news”, afirma. 

O pedido de CPI conta com 17 assinaturas de parlamentares, número superior ao quorum de 1/4 exigido pela Constituição estadual. Já o deputado Audic Mota (PSB) concorda com o questionamento da Procuradoria-Geral da República e vê uma incompatibilidade na legislação. 

“Os tribunais, o próprio Supremo Tribunal Federal, desde sempre, reconhece que o necessário para instalação de CPI é 1/3 (das assinaturas) nas casas legislativas, então não tem nada de novo. Acho que é apenas uma necessidade de adequação que a própria Assembleia pode fazer, votando uma lei para adequar”, avalia.
 
O colega de Casa, Osmar Baquit (PDT), entretanto, desconfia do posicionamento da PGR no momento atual. “Estamos com várias crises. Essa iniciativa é como uma tentativa de dificultar a criação de CPIs. O Supremo está tratando de fake news. É muito estranho”, considera o parlamentar. 

CPIs

O deputado Delegado Cavalcante (PSL), aliado de Jair Bolsonaro, não concorda com a ação da PGR e diz que faz questão de apoiar a instalação das fake news no Ceará. “Eu estou doido que essa CPI se instale, vamos ter tanta surpresinha e vamos descobrir quem faz fake news”. Segundo o parlamentar, o “gabinete do ódio” nunca existiu.

Além da CPI das fake news, outros dois pedidos para instalação de Comissões Parlamentares de Inquérito foram protocolados na Assembleia, nesta legislatura, e aguardam aval do presidente da Casa, deputado José Sarto (PDT). Uma é a CPI dos diplomas, para investigar suposto esquema de diplomas falsos em faculdades privadas do Estado, e a outra é a CPI da Enel, para apurar eventuais irregularidades nos serviços da atual concessionária de energia no Ceará. 

Em outras legislaturas, pelo menos quatro CPIs já foram abertas no Legislativo cearense: uma para apurar fraudes do Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores (Dpvat); outra para investigar o envolvimento de policiais militares em grupos de extermínio; outra sobre a aplicação de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação e Valorização do Magistério (Fundef) no Estado e uma quarta comissão para investigar a qualidade dos serviços ofertados pelas operadoras de telefonia móvel no Ceará. 

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