43 candidatos indígenas disputam vagas no CE com propostas sobre saúde, cotas e demarcação de terras

No Estado, 0,39% da população é indígena. Cenário eleitoral deste ano marca um chamado geral dos povos indígenas, mas quantitativo não difere tanto de 2016, quando foram registradas 42 candidaturas

Escrito por Natali Carvalho , natali.carvalho@svm.com.br
Legenda: 43 candidatos indígenas estão aptos à disputa de vagas nas eleições de 2020
Foto: Kid Júnior

Um chamado geral aos povos indígenas do Ceará. Assim é intitulada a atuação coletiva do grupo na disputa eleitoral deste ano, quando 43 candidatos estão aptos a pleitearem vagas (41 de vereador, 1 de prefeito e mais 1 de vice-prefeito). Esse número representa 0,28% do total de 16.135 pedidos registrados no Estado, conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Organizados juntos à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), eles trazem propostas ligadas a lutas históricas: questões, ainda que indiretas, relacionadas às demarcações de terras e à garantia de assistência dos direitos indígenas.

Além disso, entre as sugestões dos candidatos, divulgadas, principalmente, em redes sociais, está a criação de políticas de cotas para participação em concursos públicos e maior assistência em saúde para as comunidades indígenas. O Ceará tem mais de 35 mil povos originários, segundo o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI), o correspondente 0,39% da população do Estado e 17% do total dos indígenas do Nordeste. 

A cidade cearense com mais candidatos indígenas é Amontada (12). O cenário geral deste ano não difere tanto do que ocorreu nas eleições municipais de 2016, quando, o número de candidaturas no Ceará era um pouco menor (42). 

15 povos indígenas
Anacé, Gavião, Jenipapo-Kanindé, Kalabaça, Kanindé, Kariri, Karão-Jaguaribara, Pitaguary, Potiguara, Tapeba, Tabajara, Tapuia-Kariri, Tremembé, Tubiba-Tapuia e Tupinambá são os povos indígenas espalhados por 20 municípios cearenses, transformando o Estado no 8º com maior população indígena no Brasil.

Para o antropólogo e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Kleyton Rattes, foi a partir da Constituição Federal de 1988 que os povos indígenas encontraram um ambiente com condições propícias para se entenderem politicamente perante o Estado brasileiro como um grupo diferenciado, o que corroborou na necessidade de ocuparem cargos dominados majoritariamente por não indígenas.

“Não que ela (Constituição) seja o fator único, mas a partir delas que há uma garantia de solidez jurídica e administrativa para que esses povos determinem e consigam de maneira mais nítida e explícita lutar por direitos. Para ocuparem diferentes lugares que são historicamente não ocupados por eles”, explica.

Kleyton Rattes acrescenta que a quantidade de candidaturas em 2020 é fruto de vários processos, mas há um grande peso do movimento indígena se articulando e ficando mais forte, principalmente no Ceará; estado onde esses povos sofreram violências físicas e simbólicas. “Da ideia de que não há indígenas no estado do Ceará e que eles foram integrados à sociedade nacional e cearense”, explica.

O cenário deste ano também representa uma resposta à situação política que o Brasil vivencia, principalmente no que concerne às demandas dos povos originários, como a demarcação de terras e a regularização fundiária, que repetidamente são negligenciadas pelo Estado, de acordo com Neto Witko Pitaguary, secretário da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará (Fepoince).

Segundo ele, “é através do parlamento que a gente consegue pautar a demarcação das terras indígenas, bem como a flexibilidade de políticas públicas essenciais pras nossas comunidades. Então, o nosso povo está se organizando politicamente”, conclui.

Brasil 

No Brasil, são aproximadamente 900 mil indígenas, espalhados em mais de 308 povos e cerca de 274 línguas, e ocupar espaços políticos sempre foi um “anseio”, segundo Cassimiro Tapeba, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), que representa a Apib no Nordeste. Por isso, nos últimos meses foram realizados seminários de formação política para candidatos a vereadores. O que resultou em um aumento de 26% em relação a 2016, um total de 2.177 postulantes. No entanto, o percentual ainda é baixo: 0,4% do total.

Existe um desejo das comunidades indígenas para que o direito à terra seja assegurado legalmente, “uma decisão que fica relegada pelos políticos”, afirma Ceiça Pitaguary, coordenadora geral da Fepoince. Para ela, as aldeias são usadas apenas como forma de complementação de votos para políticos não-indígenas, e, pensando nisso, o movimento indígena começou a discutir suas próprias candidaturas.

De acordo com a coordenadora, sem a representação legítima dos indígenas nas diversas câmaras municipais é impossível para o indígena dizer que aquela é a casa do povo, pois não contempla a diversidade do País. Para além desta questão identitária, Ceiça Pitaguary acrescenta que todas as grandes mudanças começam pelo município, por isso é importante ter um indígena eleito.

“A Terra Indígena por mais que seja uma terra federal, está localizada em um município. É no município que nós povos Indígenas acessamos as primeiras políticas públicas como educação fundamental e saúde básica da família. Portanto se faz necessário representantes indígenas no legislativo para que assim orçamento municipal seja fiscalizado e cobrado a sua execução”, finaliza. 

Segundo a Abib, com a pandemia do novo coronavírus, que infectou mais de 38 mil indígenas deixando 865 mortos, e o momento político atual do país, a defesa dos grupos e territórios indígenas torna-se ainda mais emergencial, “não só apenas para defender a cultura e história indígena, mas também para proteção da natureza e, por isso mesmo, da humanidade”, conclui.

Mulheres indígenas e disputa eleitoral

O número de candidaturas indígenas femininas também aumentou em relação a 2016 (15). Em 2020, dos 45 candidatos indígenas cadastrados para o pleito, 19 são mulheres, correspondendo a 42,22% do total.

“A gente fica muito feliz e apoia essas parentes que estão candidatas, porque a gente compreende que esse espaço também é nosso”, comenta Marciane Tapeba, vice-coordenadora da Articulação de Mulheres Indígenas do Estado do Ceará (AMICE).  

Segundo o Censo da População Indígena (2010), vivem, hoje, no Brasil, aproximadamente 448 mil mulheres indígenas. Para a vice-coordenadora da AMICE, é importante para as mulheres indígenas estarem se articulando politicamente. “Nós, enquanto movimento de mulheres indígenas, achamos muito importante as nossas companheiras também ocuparem esses espaços do empoderamento da fala política, a gente sabe que não é fácil, a gente não tem subsídios como os demais candidatos, mas a gente vai com a força do povo!”, conclui. 

A Amice, organização de mulheres criada ainda em 2007, busca fortalecer a luta unificada das mulheres indígenas, assegurando seus direitos, promovendo o empoderamento e a valorização dos saberes tradicionais de seus povos, e segundo Marciane, o movimento de mulheres indígenas relaciona o número de candidatas como um fortalecimento da luta das mulheres indígenas pela causa do seu povo.

Para Eliane Tabajara - que concorreu em 2016 para vereadora em Poranga e ficou como suplente -, as candidaturas indígenas são importantes de modo geral, mas para as mulheres indígenas existe um valor ainda maior, “devido a preconceitos e também à questão da violência, seja ela física ou psicológica”, explica. “Para o nosso povo, sempre é importante andar junto, porque a luta é coletiva. Antes a presença da mulher indígena não era bem aceita na sociedade, falo isso porque eu sofri muito preconceito quando fui candidata”, conclui Eliane.

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