A incomum relação de Bolsonaro e Capitão Wagner no Ceará

O presidente da República tem aproveitado eventos no Estado para reforçar proximidade com Wagner, mas relação não é tão de mão dupla

Legenda: Capitão Wagner e Bolsonaro no palanque da Marcha para Jesus, em Fortaleza
Foto: Thiago Gadelha

A disputa eleitoral de 2022 deverá ter o deputado federal licenciado Capitão Wagner (União Brasil) disputando, pela segunda vez, um cargo no Poder Executivo e, pela segunda vez, ele provavelmente terá de lidar com assuntos escorregadios na sua trajetória política. 

Um deles é a relação com o presidente da República, Jair Bolsonaro. Neste sábado (16), Bolsonaro e Capitão Wagner estiveram juntos em evento na Capital, berço político e principal reduto eleitoral do deputado. 

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A última agenda em Fortaleza com os dois foi ainda em 2018, na pré-campanha, quando Wagner era deputado estadual, e Bolsonaro, deputado federal.

A presença deles no palanque da Marcha para Jesus ontem teve gracejos do presidente pró-Wagner, apelo por "união" de aliados no Ceará - o que acena para possível apoio do PL ao União Brasil -, e abraços ao fim do evento.

Só nos últimos 12 meses, Bolsonaro e Wagner trocaram diferentes declarações de apoio e demonstrações de aliança nas agendas do presidente nas cidades de Jati, Juazeiro do Norte e Quixadá. 

Ainda assim, por mais que Bolsonaro, em suas últimas visitas, tenha deixado clara a intenção de ter Wagner como aliado no Ceará, a recíproca não é óbvia, como em outras relações entre palanques estaduais e nacionais. 

Sem holofotes

De janeiro deste ano até aqui, Capitão Wagner protagonizou pelo menos três momentos de destaque em agendas de Bolsonaro no Ceará. Nenhum deles, porém, consta nas redes sociais do deputado federal, por exemplo.

Em fevereiro, o pré-candidato a governador fez o discurso de abertura da visita do presidente ao município de Jati, na Região do Cariri.

Em seu discurso, Capitão Wagner fez elogios ao Governo Bolsonaro e se comprometeu a defender "os benefícios e as obras entregues" neste ano.

No mês seguinte, em março, Capitão Wagner foi o único político cearense a desfilar em carro aberto ao lado do presidente da República na cidade de Quixadá, no Sertão Central.

E ontem, em Fortaleza, foi alvo direto de elogios no palanque da Marcha para Jesus no aterro da Praia de Iracema.

"Se o Brasil tem problema, chama o capitão. Se o Ceará tem problema, chama o Capitão. Esse Ceará, esse Nordeste é nosso. (...) É o velho ditado: quando os bons se dividem, os maus vencem. O Ceará deve se unir, os bons devem se unir, a causa é o futuro do nosso Estado e do nosso Brasil", disse Bolsonaro.

Nenhum desses momentos, no entanto, ganhou destaque na estratégia de publicidade de Wagner nas redes sociais, pontualmente aparecem nos Stories do Instagram, formato de vida curta no universo online.

Palanque aberto

Quando assumiu o União Brasil no Ceará, um dos primeiros anúncios de Wagner, com foco em atrair aliados, foi dizer que seu palanque estará aberto a outros eventuais candidatos à presidência da República.

"Nosso palanque é amplo de oposição, cortando o Estado do Ceará. Todo apoio que vier, à nível nacional, será bem-vindo. Havia uma dúvida de que 'o Capitão vai estar com o candidato A, com Moro, com Bolsonaro'. À nível estadual, nosso palanque vai permitir, por exemplo, se o MDB vier, que peça voto para o candidato deles à presidência; se o Podemos, já confirmado que vai pedir voto para Moro, vai pedir tranquilamente; se o PL for pedir voto para Bolsonaro, será muito bem recebido. Não teremos radicalismo para dizer que o candidato do bloco é Y", concluiu.

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Em 2018, quando foi eleito deputado federal, Wagner fez campanha com Bolsonaro no Ceará. Já na pré-campanha daquele período, na última visita de Bolsonaro a Fortaleza nos últimos quatro anos, Wagner foi uma das lideranças políticas que recepcionou o então pré-candidato no aeroporto de Fortaleza.

Neste sábado, Wagner não participou da motociata com o presidente e já o encontrou na Praia de Iracema. Aliados do deputado federal, como os vereadores de Fortaleza Sargento Reginauro e Dudu Diógenes e o deputado estadual Soldado Noélio acompanharam o trajeto.

Em 2020, na disputa pela Prefeitura de Fortaleza, a proximidade com Bolsonaro virou motivo de polêmica. Em entrevista ao Diário do Nordeste durante a campanha, o parlamentar disse que não podia ser colocado como "candidato do Bolsonaro" na Capital. (E em 2022?)

Campanha de 2022

Com a oposição melhor estruturada em 15 anos, Capitão Wagner tem se dedicado a fortalecer seu palanque, especialmente com o apoio do PL no Estado. 

O partido, comandado pelo prefeito do Eusébio, Acilon Gonçalves, ainda não decidiu se terá candidatura própria e ventila a pré-candidatura do ex-deputado federal Raimundo Gomes de Matos.

Como antecipado pelo colunista Inácio Aguiar, para 2022, Capitão Wagner deverá adotar um discurso de direita, favorável às forças conservadoras, inclusive ao presidente, mas mantendo alguma distância. Ao que já deu a entender, Wagner não se apresentará como um “bolsonarista de carteirinha”, como cobram alguns aliados do presidente no Estado. 

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Até agora, Wagner já tem apoio de partidos como Avante e Pros que têm pré-candidatos a presidente. O próprio União Brasil avalia ter palanque nacional, com o presidente do partido, Luciano Bivar.

Nenhum desses partidos e seus respectivos pré-candidatos a presidente tem a força de disputa do presidente da República, tanto pela relação com a máquina pública federal como pelo desempenho nas pesquisas. Não é um aliado com mesmo peso dos demais.

Bolsonaro tem ocupado a segunda posição nas intenções de voto atrás do pré-candidato do PT, Lula. Nos últimos 20 anos, o Ceará deu vitória a candidatos petistas na disputa nacional e esse é um ponto que põe em xeque a presença de Bolsonaro em um palanque estadual, ainda mais em um Estado que, além da base aliada de Lula, se divide também com a força de outro pré-candidato com influência local, Ciro Gomes, do PDT.

Em um cenário político atípico na história da democracia, com acirramentos sobre os quais pairam temores de violência e questionamentos nebulosos sobre a base fundamental da democracia: o direito ao voto; é preciso garantir a transparência, pelo menos, sobre aquilo que se defende, sobre de que lado você está. 

Reciprocidade é parte da relação política, por isso chama atenção que os apoios entre Wagner e Bolsonaro pareçam pesos diferentes em uma balança, trocados de lado em diferentes ocasiões. Em 2020, o assunto foi espinhoso, e 2022 já deu sinais de que o apoio Capitão Wagner/Bolsonaro vai ser usado por adversários.

Os próximos três meses vão dizer melhor como o desenrolar dessa relação incomum vai se desdobrar no Ceará tanto na estratégia da oposição como da base governista.