A estátua de Iracema e a janela quebrada

Escrito por Lucilla Rocha ,
Lucilla Rocha é arquiteta e urbanista do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Ceará (CAU)
Legenda: Lucilla Rocha é arquiteta e urbanista do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Ceará (CAU)

A cidade é o retrato de seus habitantes. Nela encontramos a história de um povo através de registros históricos, espaços públicos, parques, entre outros. A cidade pulsa seus habitantes. Os amantes de viagens podem conferir em diferentes lugares, a cultura, os antepassados e os caminhos percorridos por esse povo. Tomados do raciocínio, vamos analisar a nossa casa. 

A cidade em que vivemos é extensão do nosso lar. É reflexo de como a sociedade se porta com o que é seu. Espaços públicos descuidados abrem a discussão sobre o direito de todos acessarem e utilizarem um equipamento, mas também abre um parêntesis sobre como a gestão pública vem cuidando e incentivando o bom uso destes. 

Em 1982, a Universidade de Stanford nos Estados Unidos, realizou uma experiência de psicologia social. Deixou dois carros abandonados na rua. O primeiro no bairro Bronx, zona conflituosa de Nova York e o segundo em Palo Alto, bairro de classe alta da Califórnia. Resultado: o carro no Bronx foi vandalizado em poucas horas. Contrariamente, o carro abandonado em Palo Alto, manteve-se intacto. 

Na segunda fase do estudo, os pesquisadores quebraram um vidro de um automóvel de Palo Alto e a surpresa: foi desencadeado o mesmo processo de vandalismo ocorrido no Bronx. Com isso, levantamos a reflexão. A queda da estátua da Iracema simboliza o descaso com o nosso cartão postal e com a nossa história. Um retrato do que vamos vendo, silenciosamente, a falta de manutenção dos equipamentos públicos e históricos. Não menos notório, todos os anos com o período chuvoso, presenciamos algo parecido com o que aconteceu com a estátua da Iracema.   

Por que o vidro quebrado de um carro abandonado foi capaz de desencadear todo o processo de depredação? Evidentemente, trata-se de psicologia humana e das relações sociais. Como fortalezense, afirmo que minhas memórias afetivas com a cidade que nasci, pouco resta. Na orla, haviam casarões que contavam histórias de famílias, e disso pouco restou. Alguns ainda em ruínas, outros apenas na fotografia. Nossos filhos não conhecerão a história de Fortaleza com o mesmo olhar que tivemos a oportunidade de conhecer.

Lucilla Rocha é arquiteta e urbanista do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Ceará (CAU)