Situação de Trump pode refletir em táticas de Bolsonaro para 2022

Especialistas observam que Trump fora de cena pode isolar o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro. Prevendo dificuldades na reeleição, o líder brasileiro voltou a falar sobre voto impresso no País, projeto barrado no STF

Escrito por Felipe Azevedo ,

Jair Bolsonaro se recuperava do atentado a faca que sofreu em setembro de 2018 em Juiz de Fora (MG), quando, durante uma transmissão ao vivo, em um leito de terapia semi-intensiva, ventilou pela primeira vez a possibilidade de fraude nas eleições presidenciais dali a poucos dias. Para o então candidato, se perdesse para Fernando Haddad (PT), a "fraude" seria "concreta".

O resultado é conhecido. A facada o retirou dos debates, o episódio acabou virando uma arma de campanha e, apoiando-se na popularidade, Jair Bolsonaro foi eleito pelo PSL no segundo turno, com 46,03 % dos votos. Passaram-se 844 dias até que o presidente desse a fala mais contundente sobre o assunto desde que abriu o precedente.

Ele falou após a invasão ao Congresso Americano na quarta-feira (6). "Se nós não tivermos o voto impresso em 22, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos", disse no dia seguinte.

A invasão ao Capitólio é tida por especialistas como a maior ameaça à democracia americana, um abalo que certamente se reflete ao redor do mundo. Ao menos cinco pessoas morreram por conta da violência do ato.

Trump anunciou que não irá à posse de Joe Biden, quebrando uma tradição de um século e meio.

Impresso

No Brasil, Jair Bolsonaro, ex-deputado federal, é autor justamente de uma proposta de emenda à Constituição sobre voto impresso, aprovada pelo Congresso, mas barrada no Supremo Tribunal Federal. O texto prevê a impressão de um recibo do voto.

"Bolsonaro vem seguindo o receituário populista, imitando o Trump, e antecipa uma possível derrota. Ele joga para não perder", pontua a professora de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará, Monalisa Torres.

Uma das estratégias do presidente, segundo ela, é ativar um movimento coordenado entre seus apoiadores contra o elogiado sistema eleitoral brasileiro. É contra essa aparente onda de descrédito que agiu na última quinta (7) o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso.

O magistrado disse, sem citar Bolsonaro, que "se alguma autoridade possuir qualquer elemento sério que coloque em dúvida a integridade e a segurança do processo eleitoral, tem o dever cívico e moral de apresentá-lo. Do contrário, estará contribuindo apenas para ilegítima desestabilização das instituições".

Sistema brasileiro

Um em cada três brasileiros confia muito no sistema de urnas eletrônicas, e 36% confiam um pouco, segundo levantamento do Datafolha, que ouviu 2.016 pessoas em todo o País entre os dias 8 a 10 de dezembro. Uma parcela de 29%, porém, não confia. Para 73%, o sistema de voto eletrônico deve ser mantido. Isso significa que três em cada quatro brasileiros apoiam o sistema.

"Se a gente tiver voto impresso, o Governo vai gastar mais dinheiro nas eleições. Não tornará o sistema mais seguro e eficaz. As eleições brasileiras já são auditadas pelo Tribunal Superior Eleitoral, reconhecidas internacionalmente. Não existe comprovação de fraude em qualquer etapa do processo", avalia Cleyton Monte, pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Professor de Relações Internacionais da FVG, Pedro Brites também avalia que a conduta de Jair Bolsonaro é orquestrada e que ele deverá investir na tese da fraude para que, caso chegue em 2022 com popularidade em baixa, possa inflamar seus apoiadores em torno da narrativa.

Ele avalia o cenário do presidente brasileiro sem Trump à frente dos EUA. A previsão é que "o isolamento internacional que o Brasil vivencia vai se tornar cada vez mais crítico", afirma. Pedro dimensiona esse processo de isolamento a partir da eficácia do plano de vacinação no País.

O antagonismo com o governador João Dória (PSDB-SP) deve, na opinião do professor, balizar a popularidade do atual presidente nas próximas eleições.

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