Terceiro acusado pela Chacina das Cajazeiras não irá a júri; homem foi denunciado por liderar facção
O juiz considerou a possibilidade de erro na identificação e que não há nenhum indício evidenciando que Deijair de Souza, o 'De Deus', tenha ordenado ou concordado com a execução da chacina
Pouco mais de cinco anos após a Chacina das Cajazeiras, um dos maiores massacres no Ceará, o terceiro acusado pelo crime foi impronunciado. A reportagem do Diário do Nordeste apurou que, nessa terça-feira (7), a Justiça do Ceará decidiu impronunciar Deijair de Souza Silva. Com a decisão, o homem não será levado ao Tribunal do Júri devido às 14 mortes dentro e no entorno do Forró do Gago, na madrugada de 28 de janeiro de 2018.
Em menos de um mês, esta é a terceira decisão a favor daqueles que por anos estiveram na condição de réus pela chacina. Também foram impronunciados: Francisco de Assis Fernandes da Silva, conhecido como 'Barrinha', e João Paulo Félix Nogueira. Enquanto isso, famílias dos mortos e dos, pelo menos, outros sete sobreviventes, esperam a condenação, a responsabilização legal de alguém pelo crime que marcou a sociedade cearense.
Diferente dos outros dois que não irão a júri popular, o Ministério Público do Ceará (MPCE) pediu ao Poder Judiciário que Deijair de Souza fosse levado ao banco dos réus perante ao Tribunal Popular do Júri. No entanto, o juiz da 2ª Vara do Júri de Fortaleza considerou a possibilidade de erro na identificação e que não há nenhum indício evidenciando que Deijair tenha assentido com a execução da chacina, "muito menos que tenha dado “a ordem para a efetivação da chacina”, como conclui o Órgão ministerial".
O magistrado aponta que "não existem elementos idôneos para sustentar a imputação apresentada na denúncia, muito menos para submetê-lo ao julgamento popular, revelando-se equivocada a conclusão do Ministério Público".
DETALHES DO PROCESSO
A reportagem teve acesso a documentos que discorrem sobre como a Justiça chegou a conclusão de impronunciar Deijair. Ao longo da instrução processual foram realizadas oito audiências, além dos interrogatórios dos réus desde outubro de 2021 a junho de 2022.
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Consta nos documentos que quem apontou a participação de Deijair no caso teria dito apenas que: "ouviu falar". Conforme o magistrado, caso não tenha outros motivos em outros processos para permanecer preso, Deijair deve retornar à liberdade a qualquer momento.
"É preciso atentar para o fato de que o testemunho de “ouvir dizer” não dá a segurança necessária para comprovar que tenha acontecido nenhum elemento do crime, sobretudo porque quando não se identifica a fonte das informações, impede a inquirição de testemunha ocular dos fatos ou que tenha conhecimento pessoal de evidências sobre a autoria, por exemplo, devendo ser lembrado, por oportuno, que o ônus de produzir as provas que expliquem a dinâmica dos acontecimentos é da acusação. Assim, quando o Estado deixa de produzir provas que estavam ao seu alcance, julgando suficientes aqueles elementos que já estão à sua disposição, ocorre o'fenômeno em que o acusado perde a chance de provar a sua inocência, ou não, o que é conhecido como teoria da perda de uma chance, admitida e aplicada no processo penal"
Ao decorrer da ação penal, Deijair manteve a versão que "não pertence a qualquer facção criminosa, muito menos exerce liderança ou faça parte do conselho da GDE, negando também que tenha autorizado a execução da chacina ou qualquer outro crime, como também declarou que nunca exerceu poder de mandar matar pessoas, acrescentando, sobre as demais pessoas acusadas, que conhece apenas os réus Misael, Noé, Auricélio e Zaqueu, mas que teve conhecimento com eles apenas dentro do presídio".
PEDIDOS E DECISÃO
A defesa de Deijair alegou seguidas vezes a incompetência da 2ª Vara do Júri e a inépcia da denúncia, com ausência de indícios da autoria. "A defesa técnica constituída pelo denunciado apresentou as razões finais aduzindo, como matéria preliminar, em resumo, o erro de identificação do denunciado, ratificando a versão apresentada no interrogatório em juízo, segunda a qual, nunca foi conhecido pelos apelidos mencionados na denúncia".
"Por comentários ouviu falar que “Dudeca”, proveniente de Maracanaú, era um dos cabeças da GDE. Não sabe quem é a pessoa que é conhecida pelo apelido “Dudeca”. Ouviu falar que foram utilizados três veículos na chacina. Ouviu falar os comentários nas mídias sociais e noticiários de televisão, como também de pessoas do bairro. A testemunha “Y”, também presenciou parte da dinâmica da chacina, e disse que ouviu falar em Deijair, inclusive, por comentário de outra pessoa, obteve a informação que ele era um dos fundadores da GDE. Não confirmou que era batizado na GDE ou integrante da mencionada facção. Afirma, diferente do que disse na polícia, que não estava preso na data em que aconteceu a chacina. Afirma que mentiu no seu depoimento prestado na polícia, e que muitas informações que prestou não tinha ciência própria, mas apenas de ouvir dizer. Confirma as informações sobre o acusado conhecido como “Baiano” ou “Robin Hood”"
O juiz ainda destaca que as alegações finais do MPCE pedindo a pronúncia estão baseadas na prova oral, testemunhal e no relatório conclusivo da autoridade policial, "portanto, sem apoio em outras provas (documento e/ou pericial).
"O Tribunal de Justiça do Estado do Ceará tem adotado a mesma linha de entendimento do STJ, ou seja, no sentido de que não é possível a pronúncia do acusado com base exclusivamente em elementos de informação produzidos nos autos do inquérito policial"
O juiz destaca que a impronúncia não significa que o acusado não foi autor e nem teve participação nos fatos descritos na denúncia, "mas, afirmando apenas que até este momento não há indícios seguros capazes de sustentar uma decisão de pronúncia, sem prejuízo de que, a qualquer tempo, enquanto não extinta a punibilidade, em havendo novas provas, o feito seja desarquivado e dado curso à ação penal".
A decisão não se trata de uma absolvição do réu, explica o magistrado ao dizer que enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade (pela prescrição, por exemplo), poderá ser formulada nova denúncia, desde que surjam novas provas.
A CHACINA
No dia 27 de janeiro de 2018, membros de uma facção criminosa fundada no Ceará colocaram em ação um plano minuciosamente pensado para aterrorizar e mostrar aos rivais quem mandava no território: "Aqui é tudo três", gritaram ao invadir o Forró do Gago, efetuando disparos de arma de fogo, indiscriminadamente.
O grupo chegou ao Forró do Gago em pelo menos dois veículos determinado a acabar com a festa e com vidas. O objetivo era atacar integrantes de uma facção com origem no Rio de Janeiro que dominava a região em volta da casa de shows - e conquistar mais um território para o tráfico de drogas da facção local. No entanto, 11 das 14 vítimas sequer tinham antecedentes criminais.
- Maíra Santos da Silva (15)
- José Jefferson de Souza Ferreira (21)
- Raquel Martins Neves (22)
- Luana Ramos Silva (22)
- Wesley Brendo Santos Nascimento (24)
- Natanael Abreu da Silva (25)
- Antônio Gilson Ribeiro Xavier (31)
- Renata Nunes de Sousa (32)
- Mariza Mara Nascimento da Silva (37)
- Raimundo da Cunha Dias (48)
- Antônio José Dias de Oliveira (55)
- Maria Tatiana da Costa Ferreira (17)
- Brenda Oliveira de Menezes (19)
- Edneusa Pereira de Albuquerque (38)
A participação na chacina levou à prisão os homens apontados como principais líderes da facção criminosa local.
Permanecem acusados pela chacina, com processo em andamento: Noé de Paula Moreira, Misael de Paula Moreira, Auricélio Sousa Freitas, Zaqueu Oliveira da Silva, Ednardo dos Santos Lima, Fernando Alves de Santana, Francisco Kelson Ferreira do Nascimento, Ruan Dantas da Silva, Joel Anastácio de Freitas, Victor Matos de Freitas e Ayalla Duarte Cavalcante.