Polícia Militar cria nova unidade para se aproximar da população e combater grupos criminosos
Apesar de resgatar a ideia de policiamento comunitário, o Copac não pode ser chamado de "novo Ronda do Quarteirão", segundo o comandante
As Forças de Segurança do Ceará atuam em diversas frentes para combater o crime e, principalmente, os grupos criminosos - que muitas vezes compõem facções. Planejam, executam, se remodelam. A estratégia mais recente da Polícia Militar do Ceará (PMCE) foi criar um Comando que tem por objetivo se aproximar de comunidades mais vulneráveis, para afastar os crimes.
O Comando da Polícia Militar para Prevenção e Apoio às Comunidades (Copac) foi lançado na última quarta-feira (29). De acordo com a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS), o Comando será aplicado inicialmente em Fortaleza, com 38 bases, 56 viaturas, 645 policiais e investimento de mais de R$ 3,3 milhões. Nos próximos dias, deve ser expandido para Caucaia, Maracanaú e Maranguape, municípios da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).
"É um policiamento especializado, com ferramentas específicas e profissionais especializados, para atender às demandas da comunidade. Quando eu falo em comunidade, falo da população de alguns locais, sobretudo daqueles em condições subnormais, a comunidade escolar, mulheres, crianças e adolescentes vítimas de violências, população que usa transporte público, que precisa se deslocar em territórios que apresentam uma certa vulnerabilidade social", define o comandante do Copac, major Messias Mendes, que também é bacharel em Direito e mestrando em Sociologia.
O Copac irá englobar as 38 bases do Programa Estadual de Proteção Territorial e Gestão de Risco (Proteger) - localizadas principalmente na periferia da Capital - e atuar em áreas de 3 km. Segundo Mendes, o objetivo é que "o policial conheça as pessoas pelo nome", visite residências e, se necessário, encaminhe vítimas da violência para a rede de proteção do Estado.
Além do contato presencial, os PMs também irão acompanhar algumas vítimas por videochamadas, a partir da criação da Sala de Acompanhamento das Vítimas de Violência. "Estamos criando a primeira experiência da Polícia Militar do Ceará em mediação de conflitos, onde um policial, ao identificar demandas específicas em determinadas comunidades, irá oferecer, para essas pessoas, além da atuação penal, a ação extra-penal."
Um dos alvos do novo Comando será diminuir o poder das facções criminosas, que coagem e ameaçam moradores. As comunidades do Gereba e da Babilônia (bairro Cajazeiras) e conjuntos residenciais como o José Euclides Ferreira Gomes (Jangurussu) e Cidade Jardim (José Walter) têm sido palcos em Fortaleza de expulsões de moradores, por ordens de facções criminosas, nos últimos anos.
"Um dos tendões do crime, para gerar medo nas pessoas, é a sensação de que às vezes eles passam para as pessoas de permanência, continuidade. Nós vamos afetar, com profundidade, esse tendão do crime. Porque nós também vamos ser permanência, contínuos e vigilantes", pontua Mendes.
A população não legitima o crime. As pessoas querem o poder legítimo, porque ele dá estabilidade, é legítimo, assegurador. Por isso, que o foco é colocar um agente de segurança com capacidade de intimidar o crime, mas ao mesmo tempo ele tem a sensibilidade de compreender as necessidades básicas do cidadão. Mais que a presença, é o relacionamento."
O sociólogo e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (UFC), Luiz Fábio Paiva diz ser importante o policiamento próximo às comunidades, mas se a estratégia não estiver atrelada a outras políticas públicas, a tendência é o fracasso.
"As estratégias de segurança pública precisam ser complexas. É muito interessante a experiência de policiamento comunitário, aonde se tem aproximação, sobretudo, nas comunidades que mais sofrem violência. Mas essas estratégias nós já experimentamos no Estado do Ceará. Quando elas não estão compondo uma rede de ações sociais e de garantias de direito, tendem a não apresentar os resultados que elas poderiam apresentar. Temos hoje um processo muito complicado nas comunidades, em termo de garantias de direito", pondera o especialista
Novo Ronda do Quarteirão?
A instalação do Comando da Polícia Militar para Prevenção e Apoio às Comunidades resgata a ideia de policiamento comunitário ao Ceará, que foi aplicada por cerca de 9 anos pelo programa Ronda do Quarteirão (2008-2017). Perguntado se o novo Comando poderia ser chamado de "novo Ronda", o major Messias Mendes descartou o termo e explicou as diferenças entre os dois programas.
"O Copac nasce com recortes específicos. Embora ele seja fundamentado na polícia comunitária, ele não se limita a isso. Ele nasce orientado pelas doutrinas de policiamento mediador de problemas e de policiamento preditivo, ou baseado em evidências. Não é uma Polícia que está lançada ao território de forma difusa, ela é lançada de forma focada. A gente escolhe determinados territórios, que passam a ter um olhar bem mais qualificado das Forças de Segurança, a partir das necessidades daquela comunidade."
Ao contrário dos policiais militares do Ronda, que utilizavam apenas armas curtas, os PMs que integram o novo Comando terão "toda a capacidade que um policiamento ordinário tem e de enfrentar qualquer tipo de situação", afirma Mendes, referindo-se inclusive a armas longas. "A diferença é que esse policial (do Copac) tem outras habilidades, e que o emprego de armas passa a ser algo adjunto ao que é mais importante para nós, que é a busca pelo relacionamento com a comunidade", acrescenta.
O comandante militar, estudioso da Segurança Pública, lista três experiências internacionais que colaboraram para a criação do novo policiamento no Ceará: "no Japão, berço da polícia comunitária no mundo; em Medellín (Colômbia), que é uma grande referência internacional de enfrentamento ao crime mais coletivo, que aqui chamamos de facção; e no México, que também enfrenta as facções (em forma de cartéis)".
Desejo por trabalho preventivo e integrado
Uma líder comunitária que atua na região do Grande Bom Jardim (uma das áreas mais violentas e vulneráveis de Fortaleza), que preferiu não ser identificada, afirmou que o novo policiamento comunitário "chega com um misto de desconfiança e expectativas nas comunidades. É impossível não ter a sensação de já ter visto essa cena antes".
Ao mesmo tempo que, cotidianamente, identificamos a necessidade de um policiamento preventivo e inteligente para enfrentar os índices de violência que chegam cada vez mais intensos nas comunidades, impedindo acesso aos serviços essenciais como escolas, postos de saúde, acesso à cidadania, entendemos que, se não houver investimento em políticas integradas, a prevenção à violência não será efetiva."
Luiz Fábio Paiva levanta a necessidade de políticas públicas, de assistência social para jovens, adultos, para as pessoas mais velhas: "Temos que pensar também que o sistema de Justiça precisa se aproximar das comunidades.É importante ter ações de prevenção à violência por parte de seguimento das forças policiais, mas essas ações precisam compor uma rede de ações de proteção social e garantia de direito. Sem isso, possivelmente vamos replicar outras experiências de policiamento comunitário que aconteceram, mas não conseguiram transformar a realidade social das comunidades", diz.
A líder comunitária ainda cita o Pacto pelo Ceará Pacífico, o qual, segundo ela, "vários eixos ligados a geração de renda, cultura, lazer, melhorias urbanas foram pensadas em conjunto com as comunidades, e só que o que chegou foi o policiamento".
"É necessário ter policiamento preventivo, comunitário, mas é importante sobretudo ter orçamento para fomentar projetos comunitários que assistem a adolescentes e famílias em situação de vulnerabilidade, ter orçamento para projetos culturais nas escolas e centros esportivos", pontua.
Cultura do Medo
Valdeci Cardoso, liderança comunitária no Planalto Ayrton Senna, teme que a novidade não funcione "pois a presença da polícia na comunidade dá uma sensação de segurança, porém a cultura do medo ainda prevalece, por esse motivo é difícil um morador de comunidade receber a polícia em sua residência".
Cardoso opina que para reduzir índices de criminalidade na Capital é preciso "mexer na raiz do problema". Ele cita a necessidade de um olhar humanizado aos moradores da periferia, melhor oferta de educação, ocupar crianças e jovens, potencializar os projetos sociais em geral, gerar oportunidade e preparação para empregos de jovens e adultos no mercado de trabalho para eles não migrarem para o crime.
"O problema é querer acabar com a criminalidade depois de formada, mas creio que a solução seria cuidar para que as crianças e jovens não migrarem para o crime, quanto mais pessoas ocupadas com trabalho, escola, arte, cultura e esporte, menos pessoas no crime, mais fácil melhorar a segurança pública", afirma Valdeci.