Sob investigação, candidaturas laranjas são desafios à fiscalização
Com o processo eleitoral deste ano já em curso, a Polícia Federal ainda investiga possível desvio de recursos do fundo eleitoral em 2018; órgãos fiscalizadores se preparam para os desafios do monitoramento neste ano
A menos de dois meses para as eleições municipais deste ano, possível desvio de recursos do fundo eleitoral em 2018, a partir de candidaturas laranjas, continua a ser investigado pela Polícia Federal. Ontem, foi deflagrada a operação Spectrum, que investiga recursos enviados à então candidata a deputada estadual Débora Ribeiro (Pros).
Com investigação relacionada a outro partido também em curso, a fiscalização de eventuais irregularidades envolvendo uso de dinheiro público para financiamento de campanhas ainda representa desafios para órgãos fiscalizadores.
Oito mandados de busca e apreensão foram cumpridos, ontem, na sede estadual do Pros, em um escritório de contabilidade, em uma empresa gráfica, em um posto de gasolina e nas residências da investigada e dos proprietários das empresas. As ordens judiciais foram expedidas pela Justiça Eleitoral no Ceará.
A PF trabalha com a hipótese de que os recursos do fundo eleitoral destinados a Débora Ribeiro tiveram outro destino. A candidata recebeu R$ 274 mil do Pros para gastar na campanha eleitoral, mas obteve apenas 47 votos. “É o fim que a gente precisa descobrir na investigação: se (o dinheiro) foi utilizado para campanha de outros candidatos ou para enriquecimento ilícito dela mesmo ou de outra pessoa relacionada a ela”, explicou o delegado regional de investigação e combate ao crime organizado da PF no Ceará, Paulo Henrique Oliveira.
Por meio de nota, o Pros informou que entregou documento referente à candidatura de Débora Ribeiro, “está colaborando com a PF na elucidação do caso” e “aguarda a apuração plena da denúncia”. O partido, comandado pelo deputado federal Capitão Wagner, informou ainda que a distribuição de recursos é responsabilidade do diretório nacional.
A reportagem entrou em contato com Débora Ribeiro por meio dos telefones apresentados no registro de candidatura dela, mas as ligações não foram atendidas.
Demora
Os mandados foram expedidos pelo juízo da 112º Zona Eleitoral, mas o inquérito sobre a suposta candidatura laranja tramita em segredo de Justiça. O Diário do Nordeste também não conseguiu contato com a promotora de Justiça responsável pelo caso.
A investigação havia sido encaminhada aos promotores eleitorais – vinculados ao Ministério Público do Ceará – ainda em 2019 pela Procuradoria Regional Eleitoral. Apesar de não ser diretamente responsável por denúncias de candidaturas laranjas, a procuradora regional eleitoral, Lívia Souza, explica que a demora nas investigações depende “da complexidade dos casos”. “Mas a Polícia Federal dá prioridade a (investigações de) irregularidades eleitorais. É importante a celeridade para que grupos que cometeram ilícitos não voltem a atuar nas eleições subsequentes”, ressaltou.
Este não é o único caso de suposta candidatura laranja com investigação ainda em curso no Ceará. Em junho deste ano, a Operação Spectrum cumpriu outros mandados de busca e apreensão na sede do PSL e em outros três endereços. A investigação se volta também a uma ex-candidata a deputada estadual.
As buscas da PF dizem respeito a repasses de R$ 151 mil da direção nacional do PSL à então candidata a deputada estadual Gislani Maia, às vésperas da eleição de 2018. Maia obteve 3,5 mil votos. Com as contas dela aprovadas pelo Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE), o PSL Ceará afirmou, à época, que não existiam “nem mínimos indícios” que apontassem para candidatura fraudulenta.
Esta será a segunda eleição em que o fundo eleitoral será utilizado para o financiamento da campanha, sendo a primeira em âmbito municipal. A capilaridade de uma disputa eleitoral nos municípios traz desafios adicionais à tarefa de fiscalizar eventuais ilícitos no uso de recurso público para as campanhas.
Fiscalização
Por isso, a procuradora Lívia Souza afirma que é preciso fazer um acompanhamento em tempo real da arrecadação e gastos realizado pelos candidatos. “Além do promotor eleitoral, nós contamos com a fiscalização dos eleitores e, especialmente, dos outros partidos e candidatos”, afirmou. A denúncia é a principal ferramenta para que o Ministério Público Eleitoral possa iniciar investigação o quanto antes. Isso porque o promotor eleitoral vai ter acesso a todo o material referente a campanha apenas no fim da eleição, o que pode atrasar investigações de possíveis ilicitudes.
“Se formos informados anteriormente, nós retiramos essa pessoa da disputa e protegemos o patrimônio público”, explicou. A Justiça Eleitoral também pode fazer parte do processo de fiscalização, embora seja mais comum que isso ocorra apenas no fim do processo eleitoral. O secretário de Controle Interno e Auditoria do TRE-CE, Rodrigo Ribeiro, explica que caso sejam identificados indícios de irregularidades durante a campanha, é possível informar ao juiz eleitoral, que tem a prerrogativa de realizar diligências para investigar o caso.
“Quem está à frente desse processo é o Ministério Público, mas a Justiça Eleitoral pode fazer essa fiscalização, intimando o candidato a explicar a situação”, afirma.
Documentação
Candidatos precisam prestar contas três vezes durante a disputa eleitoral. A primeira refere-se apenas às arrecadações da candidatura e precisa ser enviada para a Justiça Eleitoral a cada 72 horas. Uma prestação de contas parcial deve ser apresentada antes da data da votação, enquanto a prestação de contas final ocorre apenas depois do resultado da eleição.
Com o adiamento do pleito, as datas referentes às análises foram alteradas, o que deve ser um desafio extra para órgãos fiscalizadores. Se antes a análise da prestação de contas ocorria após a diplomação, agora o prazo para entrega da documentação é no dia 15 de dezembro – apenas três dias antes da data de diplomação. O Ministério Público Eleitoral poderá ajuizar ações até dois meses após a data da posse dos eleitos.
Coordenador do Centro de Apoio Operacional Eleitoral (Caopel) do MPCE, o promotor de Justiça Emmanuel Girão explica que esta deve ser uma das dificuldades da fiscalização. Zonas eleitorais que são responsáveis por mais de um município e o aumento do número de candidatos por conta do fim das coligações proporcionais também são apontados como desafios.
“Nós estávamos em teletrabalho até pouco tempo. A eleição está ocorrendo na rua, mas os órgãos de fiscalização ainda não estão 100% lá. Nós estamos em uma pandemia. Então, todo dia tem que rever o planejamento porque todo dia sai uma regra nova”.