Ministro do STF revoga decisão que autorizava acesso da PGR aos dados da Lava Jato
Edson Fachin, relator do caso, retorna do recesso no Supremo e anula decisão de Dias Toffoli
O ministro Edson Fachin revogou decisão do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, que determinava o compartilhamento de dados da Lava Jato com a PGR (Procuradoria-Geral da República). Toffoli havia dado a decisão em 9 de julho porque, durante o recesso, o presidente fica responsável por todos os processos que chegam à corte. Com o retorno dos trabalhos nesta segunda-feira (3), Fachin reassumiu o caso e reverteu a decisão do colega.
Agora, cabe a Toffoli decidir se leva o caso para julgamento do plenário do STF.
Com a decisão de Fachin, porém, o órgão não poderá mais usar os elementos colhidos para, por exemplo, abrir procedimento disciplinar contra os procuradores. O ministro também determinou que o processo não deve mais correr sob sigilo.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, havia mandado integrantes da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise, vinculada ao seu gabinete, para buscarem os dados da Lava Jato nas três capitais.
Em Curitiba, devido ao grande volume de dados, o trabalho levaria até um mês para ser finalizado. A PGR não informou o status das atividades no Rio e em São Paulo. O trabalho de intercâmbio dos dados envolve informações sigilosas.
Relação tensa
A relação entre a PGR e a Lava Jato ficou mais tensa após a decisão de Toffoli. Aras afirmou em uma videoconferência, no último dia 29, que o trabalho da operação não tem transparência.
"Não se pode imaginar que uma unidade institucional se faça com segredos, com caixas de segredos. Todo o MPF, em seu sistema único, tem 40 terabytes. A força-tarefa da lava jato em Curitiba tem 350 terabytes e 38 mil pessoas com seus dados depositados. Ninguém sabe como [esse nomes] foram escolhidos, quais foram os critérios", disse.
Sérgio Moro, juiz que deu início à Lava Jato e ganhou fama com as investigações, rebateu a declaração do PGR e disse que "desconhece segredos ilícitos" da operação. A ofensiva de Aras contra a operação foi reforçada, inclusive, com a saída de Moro do governo federal, em 24 de abril, após desentendimento com o presidente Jair Bolsonaro.
A solicitação da PGR para ter acesso aos dados foi feita em 13 de maio. A procuradoria-geral deixou para o início do recesso, porém, para entrar com uma ação no STF pedindo que a Lava Jato fosse obrigada a compartilhar os dados. E Toffoli, que respondia pelo tribunal no recesso, atendeu a solicitação.
Desde o início, porém, ministros mais alinhados à Lava Jato criticaram o despacho de Toffoli nos bastidores.
Os magistrados consideraram que a ordem do presidente do STF foi muito ampla e não respeitou a jurisprudência atual sobre a necessidade de indicação de fatos e pessoas específicas para justificar o acesso a dados sigilosos.
Fachin deixou isso claro na decisão de 16 páginas publicada nesta segunda (3). O ministro afirmou que o princípio da unidade do Ministério Público, alegado pela PGR e reforçado por Toffoli, não permite o intercâmbio de provas entre os membros da carreira.
Quando o STF declarou o princípio da unidade do MP, diz Fachin, a questão do compartilhamento de provas não havia sido discutida.
"No aludido precedente, cuja autoridade se afirma desrespeitada na presente reclamação, o STF não versou de forma direta ou exaustiva sobre o postulado da Unidade do Ministério Público, previsto no art. 127, § 1º, da Constituição Federal, empregando-o tão somente para reforçar a conclusão de que a autonomia organizacional que decorre do pacto federativo impede a permuta nacional entre membros vinculados a ministérios públicos distintos", argumenta.
Segundo Fachin, a decisão que discutiu a remoção de membros do MP "não serve, com o devido respeito, como paradigma para chancelar, em sede de reclamação, obrigação de intercâmbio de provas intrainstitucional".
O ministro alega, ainda, que a possibilidade de a Lava Jato ter investigado foro especial e usurpado a competência da PGR e do STF não justifica a decisão de Toffoli. Segundo ele, o tema já é tratado em outra ação, que corre sob sigilo.
Disputa
A disputa entre a cúpula da Procuradoria-Geral e a força-tarefa em primeira instância tornou-se pública após visita a Curitiba no fim de junho da subprocuradora Lindora Araújo, coordenadora da Lava Jato na PGR e uma das principais auxiliares do chefe da instituição, Augusto Aras.
Os procuradores a acusaram de tentar manobrar para ter acesso a bancos sigilosos de maneira informal e sem apresentar documentos ou justificativas para a tomada dessa providência. Uma reclamação foi encaminhada à corregedoria do MPF.
A PGR, por sua vez, apresentou ação ao STF na qual relata que expediu um ofício às forças-tarefas do MPF nas três capitais "com o objetivo de obter as bases da dados estruturados e não estruturados utilizadas" pelos investigadores. Porém os procuradores se negaram a atender a solicitação.
A Procuradoria-Geral sustenta que as informações serviriam para subsidiar a atuação de Augusto Aras, o que inclui zelar pelo efetivo respeito aos poderes públicos e coordenar as atividades do MPF, decidindo eventualmente sobre qual esfera toca determinadas investigações.
No recesso, ao dar decisão favorável, Toffoli ressaltou que a postura da Lava Jato viola o princípio da unidade do Ministério Público, além de ferir a competência do Supremo para supervisionar investigações relativas a autoridades com foro.
Segundo a PGR, há "elementos de informação em trânsito na Lava Jato" relativo aos presidentes da Câmara e do Senado "cujos nomes foram artificialmente reduzidos em tabelas acostadas à denúncia apresentada ao Juízo da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba".
Assim, diz Toffoli, é necessário impedir essa investigação "no seu nascedouro". "Aliás, o que se busca garantir, além da preservação da competência constitucional da corte, é o transcurso da investigação sob supervisão da autoridade judiciária competente, de modo a assegurar sua higidez", afirma.
O presidente do Supremo aponta que é evidente a necessidade do "imediato intercâmbio institucional de informações, para oportunizar ao Procurador-Geral da República o exame minucioso da base dados estruturados e não-estruturados colhidas nas investigações".