Sobre a audiência de custódia/Lei 13.964/2019

Escrito por Agapito Machado ,

No Brasil, não existia lei sobre "audiência de custódia", daí o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com base em vários tratados internacionais, notadamente no Pacto de São José da Costa Rica, de 1969, que vige aqui desde 1978, entre outros, mas todos eles muito antigos; e em decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) (ADPF 347 e ADIN 5240), que editou a Resolução nº 213, de 15/12/2015, criando-a e regulamentado-a.

Em todos esses tratados a que o Brasil está obrigado a cumprir, a determinação é a de que o preso tenha direito de, em até 24 horas, ser "apresentado" a uma autoridade judiciária competente.

Como, naquela época (passados 50 anos), não existia o "processo virtual/ eletrônico" (Lei 11.419/ 2006), o vocábulo "apresentado" constante daqueles antigos pactos, era entendido no sentido do preso ser "fisicamente" levado imediatamente à presença de um juiz.

Acontece que o CNJ, na Reclamação nº8866-60-2019, relatada pelo ministro Dias Toffoli, proibiu que a audiência de custódia fosse realizada por videoconferência, sob a visão de que a não apresentação "física" do preso ao juiz violaria vários de seus direitos constitucionais.

Hoje, a Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019 (art.310 do Código de Processo Penal - CPP) recriou a audiência de custódia, determinando a sua realização dentro de até 24 horas após o juiz receber o auto de prisão em flagrante, salvo motivação idônea, sob pena da prisão ser considerada ilegal e o detido imediatamente liberado, mesmo em casos de crimes gravíssimos. Todavia, em momento algum há qualquer proibição nela de que a referida audiência, em casos excepcionais, seja realizada por videoconferência.

Acontece que não estamos mais no passado de 50 anos atrás e sim diante de uma realidade que é a do processo judicial eletrônico, que admite tanto interrogatórios quanto diversos depoimentos por videoconferência, tanto na esfera criminal do CPP (arts. 185 § 2º, 217 e 222), como na esfera não criminal (nos arts. 236, 385, 453, 461 e 937 do Código de Processo Civil - CPC).

Pergunta-se: após a recente Lei 13.964/2019, por que a audiência de custódia, em "casos excepcionais", não poderá ser realizada por videoconferência, se o preso, no presídio, ficará ao lado do seu advogado, conforme a Lei 11.419/2006, sem gastos e sem riscos para sua condução ao fórum?

A tecnologia nos permite ver detalhes de jogos de campeonatos mundiais e até operações médicas são realizadas através de vídeos, em seus mínimos detalhes, o que também o juiz poderá ver, tranquilamente, no vídeo, se houve alguma violência policial contra o preso, mormente ao seu lado estando o seu advogado ou defensor.

É uma incoerência um juiz, no interior dos estados, ser obrigado a percorrer vários quilômetros em seu próprio carro, de barco ou moto, abandonando sua comarca, onde há inúmeras urgências para apreciar, apenas para realizar uma audiência de custódia fora dela.

E o pior, uma vez passadas 24 horas da comunicação da prisão, sem a realização da referida audiência, salvo motivação idônea, ocorre: a) além da prisão se tornar ilegal e o acusado ser posto em liberdade, mesmo em crimes gravíssimos, quando poderia permanecer preso, se reincidente, integrante de organização criminosa armada ou milícia, porte arma de fogo de uso restrito ou haja receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos (§§ 2º dos art.310 e 312, do CPP); b) se o magistrado, diante da impossibilidade de receber o preso "fisicamente", e não puder realizar tal audiência de custódia por videoconferência, poderá responder a um Processo Administrativo Disciplina (PAD) perante o CNJ e/ou sua corregedoria e, ainda, arriscar ser processado por abuso de autoridade (Lei nº 13.869/19/CPP,§ 3º, art.312). Ou seja, se o juiz correr, o bicho pega, e se ficar, o bicho come!

O CNJ, que proibiu a audiência de custódia por videoconferência, abriu uma recente consulta para receber sugestões de toda a área jurídica e regulamentar o novo instituto do "Juiz de Garantias".

Agapito Machado

Juiz federal e professor da Unifor

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