Rubens está aqui
A história de Rubens Paiva é apenas uma, entre as de mais de duas centenas de famílias que perderam entes queridos durante a ditadura
Há algumas semanas assisti ao filme “Ainda Estou Aqui”, recentemente lançado e já de grande êxito, com o brilho de Fernanda Torres - merecidamente premiada com o Globo de Ouro - , Selton Mello e Fernanda Montenegro (em breve, mas marcante presença) nos papéis principais. A película do diretor Walter Moreira Salles Júnior (1956-), baseada no livro homônimo, do jornalista e escritor Marcelo Rubens Paiva (1959-), narra sua relação com a mãe, Eunice, e o desaparecimento do pai, o ex-deputado federal Rubens Paiva (1929-1971), durante os anos de chumbo da ditadura militar brasileira (1964-1985). O filme nos apresenta de início a relação carinhosa de Rubens Paiva com a esposa e os filhos no Rio de Janeiro, anos após o golpe militar de 1964, quando teve seu mandato cassado.
Tendo voltado ao país depois de um autoexílio na antiga Iugoslávia e na França, retomou suas atividades como engenheiro no Rio, mas, sem o conhecimento da família, continuava secretamente a dar suporte aos exilados perseguidos pelos militares. Por fim, teve sua casa invadida por agentes da ditadura e, levado do lar para um suposto interrogatório, desapareceu para sempre. Sua esposa e uma das filhas seriam também levadas a um dos porões da ditadura e passaram por constrangimentos e ameaças diante de policiais a serviço do regime. Daí em diante, a vida de Eunice e de seus filhos enfrentaria privações e muita luta em busca do paradeiro do marido e pai, cujo corpo jamais foi encontrado. Somente em 1996, quando da sanção da Lei dos Desaparecidos pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1931-), foi emitida a certidão de óbito de Rubens Paiva. Em 2014, depoimentos prestados à Comissão Nacional da Verdade por ex-militares envolvidos na morte de Rubens após sua prisão e sessões de tortura levaram-na à conclusão de que seus restos mortais foram jogados ao mar, na costa fluminense, dois anos após seu arrebatamento da família. Até hoje, nenhum dos criminosos ainda vivos foi punido. Recentemente o Conselho Nacional dos Direitos Humanos reabriu a investigação sobre o rumoroso caso.
A história de Rubens Paiva é apenas uma, entre as de mais de duas centenas de famílias que perderam entes queridos durante a ditadura. Assim como a sua, outras tantas foram destruídas, em função de prisões ilegais, tortura e morte dos que ousaram enfrentar os conspiradores contra a democracia em 1964. O filme nos dá lições, como a de jamais permitirmos a volta de regimes de arbítrio que afrontem as instituições ou até mesmo a possibilidade de que atentados contra o estado de direito possam ocorrer. Foi à custa de muito sangue e luta que o país retomou sua estabilidade democrática. Por tais razões, o vandalismo contra as instituições, como ocorreu em janeiro de 2023, em Brasília, ou planos de golpe de Estado, como este ora investigado pela Polícia Federal, não devem ser tolerados e, sim, duramente combatidos, aplicando-se as devidas penas aos traidores da pátria. As memórias de Rubens Paiva e de outros desaparecidos ainda estão aqui. E aqui permanecerão, vivas, na luta diária pela manutenção perene da democracia.