Reforma política ou retrocesso?

A legislação eleitoral brasileira atual é fragmentada e ultrapassada em muitos aspectos, verdadeiro "frankenstein" normativo

Escrito por Raquel Machado , raquelramosmachado@ufc.br
Professora Raquel Machado
Legenda: Professora Raquel Machado

A democracia é mutante, altera-se com a dinâmica e a complexidade sociais, a demandar constante reflexão sobre temas eleitorais, que são, em verdade, desdobramentos práticos de sua existência.

Além disso, a legislação eleitoral brasileira atual é fragmentada e ultrapassada em muitos aspectos, verdadeiro frankenstein normativo. Encontra-se dispersa no Código Eleitoral, na Lei das Inelegibilidades, na Leis dos Partidos Políticos, na Lei das Eleições e nas Resoluções do TSE, em normas dissonantes, atualizadas praticamente a cada dois anos, ufa!

O debate legislativo sobre a remodelação das normas eleitorais, portanto, é bem-vindo e necessário.

É importante, porém, que o momento não seja tomado por discursos oportunistas, substituindo progresso jurídico por retrocesso democrático.

Temas centrais ao jogo são destaques no debate congressual, como participação da mulher na política, tipo de votação, sistema eleitoral (referente ao cálculo sobre como transformar voto em mandato).

Cada um desses debates vem sendo realizado com uma dinâmica própria ditada pelos interesses mais fortes em jogo, sendo certo que a aprovação de uma norma passa sempre por negociações delicadas, com a abdicação de determinadas vantagens para conseguir alguns avanços, como é próprio da disputa em tratativas e acordos de vontade.

O cuidado deve recair exatamente sobre a análise do custo do que se abdica, e do benefício da suposta vantagem a se obter.

A PEC que trata da participação das mulheres (134/2015), por exemplo, pretende assegurar uma situação fática já conquistada. Trocam-se cotas de candidaturas (30%) por cotas de mandatos, mas no percentual que já foi alcançado (16%). Ou seja, 6 por meia dúzia.

A PEC do voto impresso (135/2019), a pretexto de trazer mais confiança ao processo eleitoral, ignora o debate sobre segurança em meios eletrônicos e leva para a cidadania a vivência do papel, na era em que, em transações econômicas, experimenta-se o pix.

Muitas serão certamente as alterações, que passarão ainda pela análise de sua constitucionalidade pelo Poder Judiciário. É preciso, porém, ter em conta o dito ao início. A finalidade da reforma é trazer coesão. Mas não basta coesão. Requer-se também progresso cívico, para a vivência de uma democracia mais eficiente, compreensiva ao cidadão e plural.

Raquel Machado
Professora de Direito Eleitoral e de Teoria da Democracia da Faculdade de Direito da UFC

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