As mudanças climáticas e as cidades
Escrito por
Rérisson Máximo
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Maio de 2024 ficará marcado na história por uma das maiores tragédias associadas a eventos climáticos extremos ocorridas no país. Dezenas de pessoas morreram - e outras milhares ficaram desalojadas e desabrigadas - em decorrência dos efeitos das fortes chuvas que afetaram mais de trezentos municípios sul-rio-grandenses. Esse evento ocorreu pouco mais de dois meses após temporais que afetaram o Rio de Janeiro e que também resultaram em mortes.
Ano após ano, eventos climáticos extremos têm ocorrido no Brasil com uma frequência cada vez maior. Cientistas apontam que o aumento da sua frequência e da sua intensidade está diretamente relacionado às mudanças climáticas. Os impactos decorrentes são percebidos por todo o globo terrestre, mas eles são mais devastadores nas cidades.
Segundo levantamento da Confederação Nacional dos Municípios, apenas 1/5 dos municípios brasileiros estariam preparados para o aumento de eventos climáticos extremos, dados que geram preocupação. Contudo, mais do que as cidades estarem preparadas para os efeitos das mudanças climáticas, é importante apontar que são elas que - somadas ao (ou resultante do) modelo predatório de ocupação do solo - preparam os eventos climáticos extremos. O nosso padrão de urbanização contribui diretamente para a ocorrência desses trágicos fenômenos.
No Brasil, as cidades crescem ocupando morros, dunas, rios e lagoas, destruindo manguezais, devastando florestas e nascentes, aterrando praias, concretando e asfaltando o solo. No nosso país, historicamente as cidades negaram o meio ambiente. Exemplo emblemático é o do riacho Pajeú, histórico curso d'água na capital cearense que hoje corre subterraneamente. Após chuvas mais intensas, ele volta à superfície, alagando trechos da avenida Heráclito Graça, via construída sobre trecho daquele riacho.
As cidades brasileiras precisam responder aos efeitos das mudanças climáticas. Mas, para além de políticas públicas que mitiguem os efeitos delas decorrentes, é necessário repensar mudanças no padrão de ocupação dos espaços urbanos que privilegiam o valor de troca e mercantilizam as formas de ocupar a cidade. É essa lógica perversa que explica a negação da natureza, elemento fundamental para o funcionamento das cidades.
Rérisson Máximo é professor do IFCE e conselheiro estadual do CAU/CE