As metáforas que compõem o corredor de quase dois quilômetros (km) explicam como a avenida Frei Cirilo, uma das principais portas de entrada e saída do bairro Messejana, é uma das vias mais robustas histórica e economicamente da Capital. 

De um lado, a Frei Cirilo pulsa com o Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes (HM), também chamado de 'Hospital do Coração', referência no Norte e Nordeste do País no tratamento de doenças cardíacas e pulmonares. Do outro, refletem no fim da avenida as águas da Lagoa da Messejana, um dos cartões-postais de Fortaleza, com a escultura 'Banho de Iracema'. 

Tudo isso na porta de entrada para o 'Centro' da Messejana, onde há um comércio pungente, plural e sólido, que mistura a tradição do Mercado Público com as lojas de rua cada vez mais tecnológicas. 

O Diário do Nordeste percorreu a Frei Cirilo e comprovou que a avenida tem particularidades comerciais importantes e resilientes, em que se destacam pequenos e médios comerciantes, além de empresas cearenses, como supermercadistas e malls, evidenciando o crescimento estadual no setor. 

Este conteúdo integra uma série de matérias sobre as transformações econômicas em avenidas de Fortaleza. Antes da Frei Cirilo, foram publicadas reportagens sobre as avenidas Augusto dos Anjos, Barão de Studart, Bezerra de Menezes, Godofredo Maciel, Gomes de Matos, José Bastos, Monsenhor Tabosa, Mozart Lucena e Sargento Hermínio.

Hospital atrai público consumidor para a porta de entrada da Messejana

A avenida Frei Cirilo começa como continuação da rua Padre Pedro de Alencar, na beira da Lagoa da Messejana no cruzamento com a rua Bady Miguel, recebendo o tráfego do 'Centro' do bairro.

Ao longo de cerca de 2 km, entrecorta a Messejana e termina no entroncamento entre a avenida Ministro José Américo, e a alça de um viaduto sobre a BR-116, já no bairro Cajazeiras.

Inaugurado em 1933, o Hospital do Coração é uma das unidades hospitalares mais antigas do Estado, recebendo diariamente pacientes oriundos tanto da Capital quanto do interior e de cidades das regiões Norte e Nordeste.

Placa da Avenida Frei Cirilo com o Hospital do Coração ao funo.
Erlane Menezes, vendedora ambulante de milho, pamonha e canjica.
Cruzamento da avenida Frei Cirilo com a rua Silveira Mota em frente ao Hospital do Coração.
Comércio ambulante na frente do Hospital do Coração
Hospital do Coração da Messejana
Ambulatório do Hospital do Coração
Legenda: Hospital do Coração funciona na avenida Frei Cirilo desde 1933 e potencializa economia da via.
Foto: Fabiane de Paula

Por mês, mais de 10 mil atendimentos de urgência e emergência são realizados no local, conforme dados da Secretaria de Saúde do Estado (Sesa). Além dos pacientes, acompanhantes e funcionários disputam espaço na unidade, marcada pela alta movimentação e rotatividade de pessoas — e clientes da Frei Cirilo.

10 mil
Esse é o número de atendimentos mensais de urgência e emergência no Hospital do Coração, na avenida Frei Cirilo. O local é referência nacional no atendimento de pacientes com problemas cardíacos e pulmonares.

Embora receba o nome de Hospital do Coração da Messejana, o equipamento está oficialmente localizado em Cajazeiras.

Todo esse alto volume tem impacto direto na economia da via. São dezenas de empreendimentos formais e informais, sobretudo de alimentação, como lanchonetes, padarias e quiosques.

Uma delas é Erlane Menezes, que vende na calçada do Hospital do Coração milho, canjica, pamonha e pães artesanais. Natural de Pindoretama, na Região Metropolitana da Capital, ela viaja com o marido todos os dias desde 2024 para a avenida, atendendo um público variado.

"Compram aqui tanto o médico quanto os pacientes e acompanhantes. É uma avenida grande, que atrai o público. É bem movimentada, tem sinalização, tem tudo perto. Por enquanto, está tudo ótimo. Esperamos que as vendas cresçam mais e mais", reforça a vendedora ambulante. 

"Meu marido trabalhava como fiscal de 'topiques', mas passou a vender água para não ficar parado e logo após botou a canjica e a pamonha. Dá uma venda boa e é daqui que a gente tira o nosso sustento", destaca.

A comerciante Kélvia Barbosa é natural de Icapuí, no extremo leste do Ceará, e pela primeira vez compareceu ao Hospital do Coração para acompanhar o pai, que passa por um tratamento cardíaco, e comenta as boas impressões deixadas pelo fluxo da avenida Frei Cirilo.

"Ele foi bem atendido, e a avenida é muito movimentada, não para. Merendei com a menina da barraca, tem muita coisa por aqui para fazer", pontua.

Tradição na frente do hospital, padaria se adapta aos fluxos da via

A clientela daqui, no dia a dia, é boa demais, principalmente nos lanches, tanto para o pessoal que trabalha no hospital, quanto para os acompanhantes. Na hora de visitas, o movimento também é bom, mas tem gente que ainda procura mais o 'Centro'".
Luiz Cordeiro da Silva
Dono de uma padaria na avenida Frei Cirilo

Desde 1974, Luiz Cordeiro da Silva observa da boca do caixa da Iracema Panificadora, na esquina da avenida com a rua Silveira Mota, o crescimento da Messejana. Viu a Frei Cirilo ser duplicada, a concorrência de ambulantes, a construção do Grand Shopping Messejana, um dos últimos do gênero a serem inaugurados em Fortaleza.

"A Frei Cirilo era mais estreita, era só uma via indo e voltando. O Hospital do Coração é antigo, mas não foi por causa dele que a gente veio para cá. O local era e é muito bom. Da época que colocamos para cá, mudou muito. O bairro cresceu, o movimento também", recorda o empresário.

Luiz Cordeiro da Silva
Avenida Frei Cirilo
Iracema Panificadora
Avenida Frei Cirilo
Legenda: Padaria de Luiz Cordeiro da Silva acompanha há mais de 50 anos crescimento no entorno da Frei Cirilo
Foto: Fabiane de Paula

Há mais de 50 anos recebendo ora os moradores e passantes da via, ora os pacientes e funcionários do hospital, Luiz Cordeiro afirma não ter do que se queixar: ao longo do tempo em que atua na avenida, o faturamento subiu mais de 30%.

O que funciona na avenida Frei Cirilo?

A reportagem entrou em contato com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico de Fortaleza (SDE) para entender quais são os estabelecimentos abertos e em funcionamento na avenida Frei Cirilo.

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De acordo com a pasta, são exatamente 426 estabelecimentos comerciais formais ativos de 122 segmentos descritos no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) na via. Para efeitos comparativos, o valor representa aproximadamente 40% a menos do que está aberto na avenida Mozart Lucena, considerada o 'Centro' do bairro Vila Velha.

Um em cada 10 estabelecimentos abertos na Frei Cirilo é restaurante, com a via concentrando 50 empreendimentos do gênero. Lojas de vestuário (35) e cabeleireiros (22) aparecem na sequência como os de maior quantidade da avenida.

Grand Shopping completa nove anos como primeiro shopping da região

Neste ano, o Grand Shopping completou nove anos de fundação, consolidando-se como um dos principais polos de compras e lazer da capital cearense. Desde a inauguração, o empreendimento apresenta crescimento contínuo, reforçado pelo aumento do fluxo de visitantes, pela expansão do mix de lojas e pela chegada de novas marcas.

O shopping possui atualmente uma Área Bruta Locável (ABL) de 14 mil m² e reúne mais de 110 operações, entre marcas nacionais e internacionais. Somente no último ano, recebeu cerca de 4 milhões de visitantes, um crescimento de 18% em relação a 2024.

A ampliação da estrutura e o fortalecimento do mix contribuíram diretamente para os resultados. Em 2025, o Grand Shopping registrou aumento de 22% no volume de vendas e inaugurou 15 novas lojas, incluindo operações como Luciana Rangel, Confort, Couro Fino e Fini.

Com taxa de ocupação atual de 97%, o empreendimento mira, para 2026, novos avanços em infraestrutura e experiência do cliente, reforçando sua atratividade como centro de compras, conveniência e entretenimento para toda a região da Messejana.

A Messejana 'histórica': bairro deixa de ser cidade, mas mantém pujança econômica

Foi entre o segundo e o terceiro mandatos de Juraci Magalhães como prefeito de Fortaleza (1997–2005) que a Frei Cirilo foi duplicada, com duas faixas em cada sentido, ganhando os atuais contornos de corredor comercial e de fluxo de veículos e pessoas.

Quando o Hospital do Coração foi instalado na via, Messejana tinha deixado de ser município somente 12 anos antes, em 1921, conforme documentos oficiais da época. Nos últimos 104 anos, o local segue como bairro de Fortaleza.

Apesar disso, no mesmo período, se constitui como a principal centralidade da Regional 6 da Capital, com 'Centro' e 'área nobre' na chamada Grande Messejana, características normalmente reservadas a cidades.

"O que hoje chamamos de Messejana tem ocupação antiga. É entrecortada por uma série de caminhos antigos, como a própria BR-116. Tem já um conjunto de fluxos muito antigos que estabeleciam ali um ponto de parada. Não à toa é um espaço onde tem também a formação de um comércio tradicional, de uma população que se forma ali uma área de adensamento que depois vai ser incorporada à mancha urbana da cidade", reflete o especialista.

É o que analisa o professor Alexandre Queiroz Pereira, do curso de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e membro do Observatório das Metrópoles. 

"O Hospital do Coração acaba sendo constituído porque era uma área de expansão da cidade. É um equipamento público importante, que a ele se articulam outras estruturas e serviços, e a própria infraestrutura vão dando cada vez mais acesso aquele espaço, induzindo o crescimento urbano e o adensamento. À medida que se fortalece a função residencial, a cidade estabelece uma lógica policêntrica, com descentralização dos serviços", argumenta Alexandre.

O professor da UFC completa o raciocínio com a criação do Centro Administrativo, no Cambeba, bairro que, segundo ele, compõe a chamada 'Grande Messejana', espécie de aglomerado de bairros que se conectam à centralidade da Messejana propriamente dita.

"É um outro bairro, mas também está articulado a essa lógica da Grande Messejana. É toda uma área polarizada por essa centralidade que depois vai ser confirmada também nos anos 1990 com a construção do terminal de ônibus", pondera.

Foto que contém placa da avenida Frei Cirilo, na Messejana, no cruzamento com a rua Silveira Mota.
Legenda: Avenida Frei Cirilo é um dos caminhos mais antigos na Messejana.
Foto: Fabiane de Paula.

A Secretaria de Infraestrutura de Fortaleza (Seinf) foi procurada pela reportagem sobre projetos que poderiam levar a uma nova intervenção viária na avenida Frei Cirilo.

Por meio de nota, a pasta que o investimento para a região é no corredor exclusivo de ônibus (por meio de BRT, o Bus Rapid Transit) prolongado da avenida Aguanambi, passando pela BR-116 e chegando à avenida Jornalista Tomaz Coelho, onde chega ao fim no terminal de ônibus urbano da Messejana.

À sombra de um 'Centro': Frei Cirilo tenta desenvolver economia aos pés de Iracema

O cartão-postal da escultura 'Banho de Iracema' lembra todos os dias a quem trabalha na avenida que, assim como escreveu o escritor messejanense José de Alencar, 'A Virgem dos Lábios de Mel' percorria distâncias quilômetricas diariamente.

Desenvolver atividades econômicas às margens da Frei Cirilo exige resiliência, esforços e estratégias elaboradas para atrair os consumidores, principalmente diante da pujança econômica da região central do bairro, localizada a poucos metros do início da avenida.

Em alguns casos, a área é transformada em corredor de tráfego, visando desafogar áreas próximas. Esse fato acaba por promover um fluxo muito rápido de veículo, cujos motoristas não param, apenas passam. Nessas áreas, é mais comum serem estabelecidos postos de gasolina e lojas de conveniência que suprem, em boa medida, as demandas locais".
Cláudia Buhamra
Professora de Marketing da UFC

"Hospital é um varejo de serviço que apresenta vários segmentos de mercado. Cada paciente representa ao menos, um acompanhante, especialmente em um ambiente da especialidade cardiológica. Essas pessoas se revezam no cuidado ao paciente e saem para fazer refeições e outras pequenas compras de primeira necessidade. Outro público são os trabalhadores do hospital além de prestadores de serviço que fazem operar o sistema hospitalar", define Cláudia. 

É o que explica Cláudia Buhamra, professora de marketing da UFC. Mesmo com a quantidade centenária de estabelecimentos ao longo da avenida, o que ainda é marca característica da Frei Cirilo, na análise da especialista, é o fato de ela ser um canal: transportar pessoas de um lado para o outro.

Essa questão, contudo, é vista de forma particular pela especialista. A Frei Cirilo, para ela, também é um "eixo de mobilidade e corredor de transporte, o que por si só já é de extrema relevância para Fortaleza".

Banho de Iracema.
Avenida Frei Cirilo.
Avenida Frei Cirilo.
Avenida Frei Cirilo.
Legenda: Início da avenida Frei Cirilo recebe o olhar atento de Iracema enquanto recebe o fluxo do 'Centro'.
Foto: Ismael Soares e Fabiane de Paula.

Os três tipos de conceito de atração do marketing (geradora, de vizinhança e suscetível) estão na via, mas o grande atrativo de fluxo econômico para a região continua sendo o Hospital do Coração.

Economia da avenida resume impactos do tempo em uma Fortaleza quase tricentenária

Hoje se observa determinados usos que perderam sentido no tempo, como tipos comércio e lazer. Por outro lado, tem uma renovação, como é o próprio shopping para atender fluxos no entorno. São importantes corredores de passagem, que detêm importantes serviços públicos e que vão construindo a lógica da economia urbana, abrindo condição para que se instalem serviços de atendimento básico".
Alexandre Queiroz Pereira
Professor de Geografia da UFC e membro do Observatório das Metrópoles

O professor Alexandre Queiroz Pereira exemplifica a Frei Cirilo como os "espaços valorizados e que entram na lógica de produção e decadência de serviços" de Fortaleza.

Trajeto histórico para ligar Fortaleza ao então município, a avenida, embora mantenha equipamentos quase centenários, como o Hospital do Coração, exibe traços de atividades econômica outrora relevantes.

Também corrobora a questão o fato de que outras avenidas que circundam a Messejana, como Ministro José Américo (Cambeba) e Washington Soares (início da CE-040), constituírem corredores comerciais que trazem competição econômica com a Frei Cirilo, além do 'Centro' do bairro.

Foto que contém ruínas de empreendimento comercial na avenida Frei Cirilo.
Legenda: Avenida Frei Cirilo conta com alguns empreendimentos abandonados, o que reforça fluxos comerciais comuns a outras vias da Capital.
Foto: Fabiane de Paula.

"A história da cidade é marcada por essas avenidas concorrem com outras, sobretudo à medida em que a Messejana vai criando infraestruturas de expansão. Tem processos de complementação, dando prioridade aos serviços de proximidade, como farmácias e supermercados, que permitam que aquela área seja dotada de infraestrutura de comércio e serviços com uma distância relativamente pequena a ser percorrida", enfatiza o especialista.