72 adolescentes com internação provisória decretada no Ceará seguem em liberdade por falta de vagas

O juiz Manuel Clístenes destaca que este era um problema anunciado. Já o defensor público Francisco Rubens cita aumento da reincidência dos jovens envolvidos com infrações

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@svm.com.br
centro socioeducativo seas
Legenda: De acordo com a Sesas, atualmente há 849 vagas distribuídas nos centros socioeducativos do Ceará
Foto: Emanoela Campelo de Melo

Com a lotação no Sistema Socioeducativo no Ceará, adolescentes com internação provisória decretada, e até mesmo aqueles que foram sentenciados pela Justiça, permanecem em liberdade. Em entrevista ao Diário do Nordeste, o juiz Manuel Clístenes, titular da 5ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Fortaleza, afirmou que de 1º de janeiro de 2021 até o último dia 11 de março, 72 adolescentes com internação provisória determinada pela Justiça não entraram em Centros Socioeducativos por falta de vagas.

"Vem aumentando consideravelmente o número de adolescentes recusados por falta de vagas. Em 2020 todo foram 120, aproximadamente, recusados. Ou seja, em pouco mais de dois meses de 2021, já é mais da metade de recusas do que o ano passado inteiro. O sistema está sobrecarregado. Percebemos um notório aumento na violência, e com envolvimento de adolescentes infratores em ocorrências graves do fim do ano até aqui", disse Manuel Clístenes.

Além das 72 recusas de internações provisórias, há uma fila de adolescentes sentenciados à espera de vaga para cumprir determinação judicial. Neste ano de 2021, conforme o juiz, 28 adolescentes com sentença para internação, permanecem sem vaga.

"100% destes são do sexo masculino, porque são esses os Centros lotados. A maioria é envolvida com casos de tráfico de drogas e porte ilegal de arma de fogo. Tem até sentenciado por roubo. Quando chega a sentença, a Seas diz que não tem vaga. Aí volta para o juiz e é preciso decidir se deixa na fila de espera ou coloca em domiciliar. O problema é que a internação domiciliar não tem eficácia nenhuma. A nossa demanda histórica é superior ao nosso número de vagas, e fazemos força para trabalhar", destacou o magistrado.

Sistema abarrotado

O defensor público, Francisco Rubens de Lima Júnior, do Núcleo de Atendimento aos Jovens e Adolescentes em Conflito com a Lei (Nuaja) enxerga com preocupação a lotação. Segundo Rubens, em 2020, conseguiram reduzir 20% da ocupação nos Centros, mas "houve aumento na reincidência dos infratores".

"Muitos adolescentes que saíram, retornaram. Então hoje há uma fila de espera para adolescentes entrarem no Sistema, porque não existe vaga suficiente. São adolescentes que, devido às condições precárias estruturais, não podem ingressar no sistema. Ainda faço um clamor especial: que além de novas vagas, melhorem a qualidade das vagas que se tem hoje", disse o defensor.

Assista a entrevista com defensor público

A Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo (Seas) informou que os Centros hoje têm capacidade total de 85% (incluindo os femininos). São 849 vagas. Por nota, a Pasta destaca que atua conforme acordo estabelecido com o Supremo Tribunal Federal (STF) de evitar ultrapassar a capacidade máxima.

Medidas

Manuel Clístenes disse à reportagem que a lotação foi pauta de reunião com o procurador-geral da Justiça do Ceará na última segunda-feira. O Ministério Público do Ceará (MPCE) afirmou que durante a reunião foi discutido "sobre a crescente fila de espera de adolescentes que cometeram atos infracionais graves e que aguardam serem internados em Centros de Socioeducação".

Por nota, o Ministério Público disse que o problema de falta de vagas no Sistema Socioeducativo é antigo no Ceará, e se agravou na pandemia: "Em 17 de novembro de 2015, o Governo do Estado firmou um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público e se comprometeu a ampliar a quantidade de vagas no Sistema Socioeducativo. Cabe ressaltar que, anteriormente, o órgão já havia ingressado com uma Ação Civil Pública contra o Estado para que o número de vagas aumentasse".

O MP também citou a espera pela entrega de vagas prometidas há anos: "Constam informações de que o Estado criaria duas novas unidades em Fortaleza (ainda sem obras iniciadas), uma em Sobral (já entregue) e outra em Juazeiro do Norte (está pronta, mas aguarda construção de estrada asfaltada de acesso). Diante desse cenário, o Procurador-Geral de Justiça se comprometeu a agendar uma reunião com a vice-governadora do Ceará, com a Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo, com a presidente do Tribunal de Justiça do Estado e com a defensora pública geral visando que o Governo Estadual cumpra o que foi firmado no TAC, a fim de que se amplie o número de vagas no sistema socioeducativo".

Ainda para este ano, há expectativa de inaugurar o Centro Socioeducativo de Juazeiro do Norte, na região do Cariri, onde haverá cerca de 90 anos. Por nota, a Seas informou que a previsão de abertura do novo equipamento é para o segundo semestre de 2021.

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