Legislativo Judiciário Executivo

A vida fora da política? “Eu nem sei como é”, brinca Ana Afif Queiroz. Ainda nos primeiros meses de vida, a casa dela funcionava também como o comitê eleitoral do pai, Paulo César Sarquis Queirós — eleito prefeito de Cascavel em 15 de novembro de 1988, apenas sete meses depois do nascimento da filha. 

Dali em diante, Ana Afif vivenciou “campanha (eleitoral) de dois em dois anos, ou para prefeito ou para deputado”, relembra. “Eu nem tenho a vivência da criança que não nasceu na política”. Foram dois mandatos como prefeito para o pai, que foi eleito pela segunda vez no final da década de 1990, em um período ainda sem possibilidade de reeleição.  

Anos mais tarde, seria a vez da mãe de Ana Afif Queiroz assumir o cargo. Em 2012, Ivonete Queiroz se tornou a primeira mulher eleita para a chefia do Executivo na cidade. E, pouco mais de uma década depois, Ivonete Queiroz foi sucedida pela filha. “Tem uma trajetória de homens na história de Cascavel, mas, de mulher, somos nós duas”, ressalta. 

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Legenda: Ana Afif foi eleita para o 1º mandato como prefeita de Cascavel em 2024.
Foto: Fabiane de Paula

Ana Afif Queiroz (PSB) foi eleita em 2024 para a Prefeitura de Cascavel, cidade localizada no Litoral Leste do Ceará. “É a primeira vez que eu estou prefeita. Eu gosto muito dessa frase de estar prefeita e não ser (prefeita), porque tem data para começar e terminar”, diz.

Nascida e criada dentro da política, ela admite a facilidade trazida pela ‘herança política’ dos pais quando houve o desejo de entrar na vida pública, mas reforça o legado que quer deixar para Cascavel para além da imagem do pai e da mãe. Um processo que gerou um paralelo com a própria infância: agora, são os filhos dela que vivenciam a experiência de crescer na política.

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Esta reportagem integra a série “Prefeitas do Ceará”, em que o PontoPoder narra a trajetória política de mulheres que alcançaram a chefia do Executivo municipal em cidades cearenses. A série mostra a rotina como gestora municipal, os desafios enfrentados no caminho e o legado que pretendem deixar como prefeitas — muitas delas tendo sido a primeira mulher a alcançar o cargo.

Três gerações na política

Paulo César, de apenas 5 anos, também queria participar dos comícios da mãe e então candidata à Prefeitura de Cascavel, Ana Afif. “Queria dar boa noite, queria cumprimentar as pessoas”, conta ela, citando que a vontade surgiu justamente por ver a mãe falar nos comícios “toda noite” durante a campanha eleitoral. Uma forma de já ir “normalizando essa rotina”, considera a prefeita. 

A curiosidade dele e do irmão, Caio, de 3 anos, era constante: ‘Mãe, por que a foto está nos carros da rua?’ ou ‘Mãe, por que tem adesivo quando eu ando na rua?’ eram algumas das perguntas ouvidas por Ana Afif. 

“Para a cabecinha deles é difícil de entender, mas você cresce normalizando essa rotina. Eu cresci assim. Era normal ver meu pai participando e minha mãe participando de eventos, e falando em reuniões. Então, para mim era o normal. O anormal era não ter. Eles estão crescendo dessa mesma maneira”, afirma.

A casa da infância era dividida, relembra. Da metade para a frente, comitê eleitoral. Da metade para trás, a residência da família. Nessa, há uma pequena diferença para a infância dos filhos: “o comitê não é em casa, mas o movimento político é todo lá”, pondera. 

Não é apenas dos pais que vem a herança política de Ana Afif. Toda a família tem “ramificações políticas” não apenas em Cascavel, mas também em Beberibe — município que já integrou o território cascavelense. As campanhas eleitorais se sucediam: em um ano, a disputa municipal, dois anos depois, para o legislativo estadual ou federal. “A gente cresceu com essa experiência”, diz. 

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Legenda: Ana Afif com a fotografia dos filhos e marido e em fotos com o pai e a mãe, ambos ex-prefeitos
Foto: (1) Fabiane de Paula | (2) Reprodução/ Instagram

Ao longo da vida, no entanto, Ana Afif não se via como a candidata, como “o rosto da campanha”. Ela queria atuar nos bastidores, explica, ser a “pessoa que está ali organizando, que está ali articulando” — algo que chegou a ser concretizado, inclusive quando ela esteve na chefia de gabinete durante o primeiro mandato da mãe, entre 2013 e 2016.

O desejo por ser o ‘rosto da campanha’ veio com a experiência, acredita Ana Afif. “Hoje, depois das duas faculdades, dos dois filhos, a gente criou um entendimento diferente e eu me senti preparada realmente”, pontua. 

“Embora não tivesse programado desde sempre, eu me dediquei a vida toda a participar da política daqui. Então, eu me senti bem preparada nesse momento para lançar a candidatura. Era uma fase em que as coisas que eu acreditava como política não estavam acontecendo e isso chama a gente para a responsabilidade. Se tem coisas acontecendo que você não está de acordo, que você não acredita, que você não acha aquele é o caminho certo, aquilo chama a sua atenção para se dispor e dispor o seu nome também”, explica.

A semelhança entre a própria vivência quando criança e a dos filhos, ocasionada pela decisão de entrar na vida pública, é inevitável. Mas, apesar de querer que eles conheçam e mesmo vivenciem a rotina dela como política, Ana Afif pontua que não quer que tudo que ela vivenciou se repita. 

Ela relembra que, quando estudava, era procurada por pessoas que pediam ajuda para resolver problemas. “(De) a pessoa levar a conta de energia até a escola, a pessoa levar a sua conta de farmácia até a escola ou uma receita ou a solicitação de um exame. E eu, com 9, 10 anos de idade, não sabia nem o que estava passando, mas levava aquela demanda para casa”, relembra. 

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“E eu queria proteger, porque tem a questão da segurança. A época que eu era criança em Cascavel é totalmente diferente da época deles hoje. Não só em Cascavel, mas no estado todo. É muito inseguro pensar que eles ficam acessíveis a muita gente, mas ao mesmo tempo eu sei que é inevitável. Então, a gente tenta proteger, mas ao mesmo tempo que eles vejam que é a nossa rotina. A gente fica de olho”, afirma. 

Prefeita, e filha da 1ª prefeita de Cascavel

Formada em Direito pela Universidade Federal do Ceará, e com mestrado em Direito Constitucional na mesma instituição. Teve experiência em escritórios de advocacia e utilizou esse conhecimento na chefia de gabinete da prefeita Ivonete Queiroz. 

Esteve no cargo apenas durante os quatro primeiros anos de governo da mãe. Em 2016, quando Ivonete Queiroz foi reeleita, Ana Afif prestou vestibular e iniciou o curso de Medicina na Universidade de Fortaleza. Ela conta que o nível de exigência desta graduação acabou fazendo com que ficasse mais ‘quietinha’ em relação à política. “A gente desacelerou um pouco, mas depois acelerou de novo e eu estou aqui”, afirma. 

A dobradinha feminina formada por mãe e filha, as únicas duas mulheres a assumirem a Prefeitura de Cascavel nos 192 anos de existência do município cearense, também realça os desafios existentes quando o Executivo municipal é comandado por prefeita, e não prefeito. 

“De 2012 para cá, eu já noto diferença”, destaca Ana Afif. Ela traça o paralelo iniciando no primeiro mandato do pai, no final da década de 1980, reforçando que ali era um “período bem masculino” e que diversos avanços foram conquistados até a chegada da mãe, Ivonete Queiroz, à Prefeitura. Ainda assim, houve obstáculos. 

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Legenda: Ana Afif Queiroz é a segunda mulher eleita para a Prefeitura de Cascavel
Foto: Fabiane de Paula

“Minha mãe passou por muitas situações de dúvida também da capacidade dela. (...) Em Cascavel, a política é muito agressiva. Foi falado muita coisa que passava do político e ia pro pessoal, mas que ela soube enfrentar também com muita resiliência. Eu acho que eu não tenho a resiliência que ela tem”, considera.

Encontrar um caminho mais ‘fácil’ agora do que a mãe encontrou não significa que o gênero não teve um impacto na trajetória de Ana Afif como candidata e como prefeita. O impacto é, na verdade, “gigante”, como enfatizado pela atual prefeita de Cascavel. 

Os desafios por ser mulher na política

Ana Afif reforça que ainda há uma luta para a ocupação de espaços, como a política, ainda dominados por homens. Essa desigualdade é escancarada quando observamos os números: são apenas 38 mulheres à frente da Prefeitura dentre os 184 municípios cearenses — um percentual de 20,6% de prefeitas em um estado em que as mulheres são 51,9% da população

E um dos meios para dificultar o acesso das mulheres aos cargos eletivos é justamente a violência política de gênero. Ao falar sobre o tema, Ana Afif destaca duas formas disso acontecer. A primeira, pelo “desdém pela capacidade” da mulher para ocupar aquele espaço. 

“Então, a pessoa tem menos capacidade porque é mulher, tem menos experiência porque é mulher, tem menos pulso porque é mulher, não vai tomar decisões firmes por ser mulher. A gente tenta todo dia provar que essa máxima não existe”, ressalta.

A segunda, continua Ana Afif, é ao terceirizar a atuação da mulher. Para exemplificar, ela cita um episódio que aconteceu durante a campanha eleitoral. Nos dias finais antes da votação, ela participou de um debate, em que “não era questionada pela minha pessoa”. 

“Era sempre o pai, a mãe, o tio, o primo. Sempre como se eu tivesse outras pessoas por trás, normalmente homens. (...) Eu quero que você me questione, diga: ‘Ana Afif, você é assim’ ou ‘Ana Afif, você vai ser assim’. Mas não terceiros. E o terceirizar também é uma violência de gênero”, argumenta.

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Os episódios, no entanto, não se encerraram com a eleição dela para a Prefeitura de Cascavel. Ela cita, por exemplo, que não era incomum que tentassem falar com outras pessoas no lugar dela, fossem os secretários homens, o pai ou até mesmo o marido – que não exerce cargo eletivo. 

“Às vezes eu recebo aqui um representante de empresa, um representante de fornecimento, que fala assim: ‘Não se preocupe, prefeita, eu vou conversar com seu secretário’. ‘Não, o senhor não precisa conversar com o meu secretário, o senhor pode conversar comigo’”, exemplifica.

“Ou, às vezes, está numa reunião e está só eu, por exemplo, sem nenhuma outra pessoa. Aí, às vezes, eles ficam procurando aquela pessoa chegar. (Eu digo) ‘Não vai chegar mais ninguém, a reunião é comigo mesmo’”, continua a prefeita. “Você nota que a pessoa está um pouco desconfortável, mas é um aprendizado pra vida dela também”.

A construção do legado

O PontoPoder esteve em Cascavel no final de agosto, quando acompanhou um pouco da rotina de Ana Afif Queiroz como prefeita da cidade. Os passos rápidos ajudam a cumprir os diversos compromissos na agenda. 

Foram visitadas a obra de uma escola profissionalizante e de um posto de saúde, além do resultado da urbanização do centro de Jacarecoara, acompanhada do presidente da Câmara Municipal da cidade, Sebastião Uchôa, e o andamento do Polo Gastronômico da Caponga — tanto Jacarecoara como Caponga são distritos da cidade. 

Estar na rua, com diversas agendas, é algo comum na rotina de Ana Afif, conta não apenas a própria prefeita como assessores que estiveram presentes durante a visita. Às vezes, pode ser até difícil saber exatamente onde a gestora municipal está. 

“A gente tem uma agenda online e, nessa agenda online, eu tento deixar meu chefe de gabinete, minha assessora a par da minha agenda”, explica a prefeita sobre o dia a dia no comando do Executivo. Apesar de ter diversos compromissos em outros entes, como o Governo do Ceará, ela reforça que o que gosta mesmo de fazer é “andar na cidade”.

“Eu busco mesclar: sempre em um turno do dia, eu venho ao gabinete. (...) Nele, tem atendimento, assinatura dos documentos, reunião de secretariado, receber o secretário, receber vereador”, afirma. “E fora esses momentos que eu estou no gabinete, eu estou na rua”.

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Legenda: Visita a obras de escola e Polo Gastronômico e vistoria de entregas foram agendas da prefeita
Foto: Fabiane de Paula

Esse ímpeto de percorrer a cidade, tendo contato direto com a população, também era uma característica do pai, relembra Ana Afif. “Meu pai era um gestor imensamente popular, era aquele cara que todo final de semana estava em todos os bairros, conversando com todo mundo e aquele gestor que você tinha certeza que se precisar dele ele estava ali do seu lado”, elenca.

A mãe, por sua vez, “era uma gestora de mais diálogo, de mais calma, de mais doçura”. “São estilos totalmente diferentes, mas que eu aprendi com os dois. A gostar muito das pessoas, gestão é do povo. Não adianta eu aparecer em eventos chiques, nada do tipo. Gestão é do povo, voto é do povo, a escolha é do povo”, afirma.

O ensinamento dos dois, assim como a trajetória de ambos na política, trouxe facilidade quando ela decidiu entrar na vida pública, admite Ana Afif. “Meu pai e minha mãe, eu amo e tenho orgulho dos dois imensamente. Mas eu queria que as pessoas votassem na candidata Ana Afif, que conhecesse, confiasse, entendesse, ouvisse”, defende.

E agora, no comando da Prefeitura de Cascavel, ela também quer deixar o próprio legado na história da cidade. Nesse primeiro ano de mandato, a prefeita fala de “grandes sonhos” para a Educação no município. Ela ressalta ações como a compra de veículos para transporte escolar e o aumento do contrato de professores para 12 meses, incluindo as férias — antes, a contratação era de 9 meses. A ideia da gestora é ampliar benefícios para a categoria. 

Na saúde, houve o aumento da contratação de profissionais e a construção de equipamentos, com a Casa Colorida, para atendimento a crianças atípicas, além da reforma de unidades de saúde. A gestora cita ainda a prioridade em áreas como a infraestrutura e o turismo. 

“Eu não me canso de trabalhar por Cascavel. Praticamente eu não durmo, passo o dia andando... E eu quero deixar essa ideia de que mulher, jovem, mãe, cascavelense consegue realmente ser incansável pela sua cidade e vai deixar marcas em obras, em saúde, em educação, em todas as áreas”.