Izabella Fernandes: do 'sonho' de infância à primeira mulher eleita para Prefeitura em Guaiúba (CE)
O PontoPoder conta os desafios e questionamentos enfrentados pela gestora.
Juíza e prefeita. Em comum, as duas profissões possuem o histórico de serem ocupadas, majoritariamente, por homens — cenário que pouco se alterou atualmente, seja no Brasil ou no Ceará. Apesar disso, ainda criança, Izabella Fernandes ouvia o pai dizer, “tão naturalmente”, que essas seriam as profissões dela no futuro.
Formada em Direito, exerceu a advocacia, mas não chegou a tentar seguir carreira na magistratura. Para a segunda profissão, no entanto, estava reservado o marco histórico: Izabella Fernandes foi a primeira mulher a ser eleita prefeita de Guaiúba, cidade localizada na Região Metropolitana de Fortaleza.
“O sonho de infância que se tornou realidade”, sintetiza. “Sabe aquela intuição que você traz no coração? De que um dia a política ia entrar na minha vida. Eu não sabia como, nem porque isso se daria, mas eu sabia que, um dia, eu entraria”. O caminho para chegar ao comando do Executivo municipal, no entanto, teve uma série de entraves.
A invisibilidade dentro do próprio grupo político, o questionamentos sobre a capacidade de gerir a cidade — por ser uma “menina”, como era chamada —, os ataques pessoais — usando inclusive o fato dela ser divorciada —, a campanha em meio a pandemia e mesmo a timidez da personalidade foram alguns dos obstáculos encontrados ao longo desse processo.
“Desde que eu dei o meu primeiro sim para a política, eu tinha uma certeza muito grande de que daria certo”, responde ao ser indagada sobre como enfrentou os desafios impostos — tantos deles apenas pelo fato de ser mulher. “Eu fiz que isso fosse um combustível para eu provar o contrário”, conta.
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Esta reportagem integra a série “Prefeitas do Ceará”, em que o PontoPoder narra a trajetória política de mulheres que alcançaram a chefia do Executivo municipal em cidades cearenses. A série mostra a rotina como gestora municipal, os desafios enfrentados no caminho e o legado que pretendem deixar como prefeitas — muitas delas tendo sido a primeira mulher a alcançar o cargo.
‘Ninguém pensava na Izabella’
Izabella Fernandes faz questão de enfatizar como foi a responsável por iniciar a ‘linhagem política’ na própria família. “Ninguém na minha família é político, eu sou a primeira”, reforça, embora, continua ela, o tema fosse “muito forte” nas conversas dentro de casa e houvesse um envolvimento nas políticas municipais de Guaiúba — cidade onde ela viveu a “vida inteira”.
Com a proximidade das eleições municipais de 2020, e a percepção de uma carência de novas lideranças na cidade, os aliados políticos dela planejavam lançar uma candidatura para a Prefeitura de Guaiúba. O primeiro cotado foi o irmão de Izabella, que acabou não aceitando o encargo. Surgiu, então, a dúvida: quem iria representar o grupo político nas urnas?
“E ninguém pensava na Izabella”, lembra a agora prefeita. “Acreditar em uma mulher é bem difícil. Então, na verdade, eu tinha que provar primeiro para o meu grupo que eu era capaz”, diz. “Eu me fiz ser notada. Eu falei que tinha vontade, tinha coragem, tinha esse desejo e realmente decidiram pelo meu nome”. E esse seria apenas o primeiro desafio no caminho até a chefia do Executivo municipal.
Faltando um ano para a eleição e ainda desconhecida da população guaiubana, ela resolveu bater de “porta em porta” para apresentar a própria pré-candidatura e o projeto para a cidade, fossem lideranças políticas ou diretamente os eleitores. Teve início, então, a pandemia de Covid-19 e, com ela, a restrição à circulação de pessoas – mesmo em cidades pequenas, como Guaiúba.
O dia de votação e o período da campanha eleitoral foram adiados e as regras para a campanha modificadas, com a proibição de atos presenciais. “Ficava muito difícil para mim, (porque) como é que as pessoas iam me conhecer se elas não me vissem”, diz a gestora municipal. A “virada de chave” foram as lives semanais nas redes sociais.
A nova estratégia eleitoral serviu para dar visibilidade às propostas da campanha de Izabella e criar “até uma autoestima maior” para vencer a timidez no contato com as pessoas. Mas um dos principais usos das conversas semanais com os seguidores é ressaltado pela prefeita: poder responder a ataques pessoais enfrentados durante a campanha eleitoral.
Descrédito, desconfiança e ataques
A desconfiança quanto a pré-candidatura, ainda em 2020, é um dos primeiros pontos citados por Izabella Fernandes quando indaga sobre os desafios enfrentados por ser uma mulher na política. “Os homens, em geral, desconfiaram. Eles disseram que uma mulher não teria capacidade de gerir e assumir o município”, lembra.
“Algumas dessas pessoas diziam assim: ‘Essa menina? Essa menina não tem capacidade de gerir o município. (...) Ela vai ser só a linha de frente, mas quem vai mandar e comandar não é ela’”, detalha a prefeita. Os comentários diziam, continua Izabella, que quem iria “mandar” na Prefeitura era “fulano, sicrano e beltrano”. Sempre no masculino.
“(Os ataques) eram em um tom pejorativo, em um tom sexual. Colocando a mulher realmente como submissa ao homem, dizendo que quem comandaria não era eu, (que) tinha inúmeros homens atrás de mim que iriam mandar na cidade. Eu seria somente a candidata”, conta.
“Teve momentos realmente que a população se virou a meu favor. As pessoas acharam absurdo aquilo que estavam fazendo comigo e ficaram a meu favor”.
Um dos episódios mais marcantes para Izabella Fernandes foi quando citaram o fato dela ser uma mulher divorciada. “Alguns homens disseram: ‘se essa mulher não tem capacidade de segurar o casamento, como é que ela vai ter capacidade de comandar uma cidade?’ Me marcou bastante porque uma coisa não tem nada a ver com a outra. A vida pessoal não tem nada a ver com a vida pública de uma mulher”.
Apesar de admitir o peso dos ataques, ela diz que as falas não foram capazes de abatê-la. “Isso me dava mais forças para eu mostrar a nossa capacidade como mulher”, ressalta.
“Através das lives que eu fiz, porque era pandemia, e depois em visita à população, eu fui mostrando a minha capacidade, aquilo que eu trazia no coração de fazer realmente uma mudança na cidade. E as pessoas foram acreditando que sim, uma mulher é capaz de fazer a diferença quando ela quer. Isso é uma decisão pessoal nossa, mas quando ela quer assumir realmente essas posições de lideranças, a gente consegue mostrar o nosso diferencial”.
O ‘empoderamento’ de estar ao lado de outra mulher
O PontoPoder esteve em Guaiúba no início de setembro para acompanhar um pouco da rotina de Izabella Fernandes no comando da Prefeitura. Na agenda, visitas às obras da Escola de Educação Básica Municipal Santo Antônio, parte do projeto “Amor à Escola” — citado como um dos marcos da gestão pela prefeita — e do Estádio Municipal Lindolfo Accioly.
Ao longo dos compromissos, a prefeita esteve cercada de aliados políticos, entre secretários municipais e vereadores, além de assessores — em determinado ponto da visita, mais de 20 pessoas acompanhavam Izabella Fernandes.
Uma das mais próximas era a vice-prefeita Cleubia Cordeiro (PSB). Mais de uma vez, ela esteve próxima de Izabella Fernandes, conversando ‘ao pé do ouvido’, apenas as duas. “Ela vinha trazendo demandas pra gente tentar resolver não só na localidade dela, mas em todo o município”, descreve a prefeita, quando indagada sobre do que tratavam as conversas.
A proximidade, afirma, é fruto de uma parceria iniciada bem cedo: Cleubia Cordeiro foi uma das primeiras a apoiar a pré-candidatura de Izabella Fernandes.
“Ela foi a liderança, a maior liderança que primeiro se somou ao meu projeto”, relata. “Depois de uma conversa preliminar, eu fui na casa dela, conversamos e no mesmo instante ela falou: ‘Pois eu vou lhe apoiar e vamos juntas nessa caminhada’”. O apoio rendeu o convite para ser a candidata a vice-prefeita em 2020 – dobradinha que se repetiria nas eleições seguintes.
Na época, Cleubia estava no segundo mandato na Câmara Municipal de Guaiúba. “Ela vem de uma família política, então ela tem um olhar muito atento às necessidades da população”, afirma Izabella Fernandes, que diz ter na vice-prefeita alguém que sempre a “orienta muito” dentro da gestão pública.
A experiência foi fundamental, principalmente em um começo desafiante como gestora. “Eu era a primeira política da minha família, então eu tive que aprender muito antes de doar meu trabalho para a população. Eu tive que aprender muito e aprendi muitas vezes na marra”, frisa.
Reeleitas na eleição de 2024, Izabella Fernandes admite que o segundo mandato tem sido “mais tranquilo”, tanto pela “expertise” adquirida durante os primeiros quatro anos de mandato como pelo “reconhecimento da população” obtido durante a disputa eleitoral, quando a chapa formada por ela e Cleubia recebeu quase 80% dos votos em Guaiúba.
“A gente mostra a força da mulher. O fato de nós sermos duas mulheres no poder, a gente empodera outras mulheres, principalmente no município. A gente mostra a nossa força, a gente mostra a nossa resiliência e, principalmente, (...) que a mulher pode ser o que ela quiser. Basta ela querer”, destaca.
‘Enquanto a política me quiser’
Izabella Fernandes também diferencia os dois mandatos como prefeita ao falar sobre as entregas que fez, ou que pretende fazer, na cidade. A prefeita afirma que os quatro anos iniciais no cargo foram voltados a “obras estruturantes”, com foco na melhoria da infraestrutura da cidade.
Como exemplos, ela cita o projeto “Amor à Escola”, no qual houve a reforma e padronização das escolas municipais de Guaiúba, e o início da instalação do Pólo Químico Industrial — “uma promessa de 10 anos atrás”.
O foco agora, sinaliza a gestora, é o “cuidado com a população”. Serviços voltados à atenção a crianças, idosos e pessoas em situação de vulnerabilidade social estão entre as ações elencadas por ela, além da construção de espaço de atendimento a públicos como as mulheres e os autistas.
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“Eu me encontrei na minha vida, eu encontrei o meu propósito de vida: é trabalhar na vida pública, é trabalhar para ajudar a vida do cidadão. (...) Já são 5 anos de trabalho e eu digo que enquanto a política me quiser, eu estarei na vida pública”.
Com o sonho de infância realizado, é a vez de Izabella Fernandes fazer a projeção para o futuro das meninas guaiubanas — e, de quebra, quem sabe, criar um novo sonho: o de servir de inspiração. “Eu quero ser espelho para elas. Eu fui a primeira prefeita, estou sendo a primeira prefeita, mas que venham inúmeras outras depois de mim”, deseja.