Operadores do Direito divergem sobre projeto aprovado no Senado

Medida de combate ao abuso de autoridade é atacada por juízes, promotores e procuradores. Especialista pondera que ainda há corporativismo nos casos de julgamentos dos abusos em órgãos como CNJ e CNMP.

Escrito por Letícia Lima , leticia.lima@diariodonordeste.com.br

O projeto de Lei que criminaliza o abuso de autoridade no Brasil, aprovado pelo Senado, na semana passada, vem provocando a reação de juízes e membros do Ministério Público. Para muitos deles, a medida ameaça as operações de combate à corrupção. Outros especialistas, no entanto, ponderam que ainda existe corporativismo nos órgãos de controle na hora de coibir excessos.

Operadores do Direito ouvidos pelo Diário do Nordeste não negam, porém, o interesse político existente na iniciativa. Isso porque o projeto teve origem no pacote das 10 medidas de combate à corrupção, apresentado pelo Ministério Público Federal (MPF), na Câmara dos Deputados, em 2016, e que teve mais de 2 milhões de assinaturas.

Naquela época, a Operação Lava Jato estava no auge e, em resposta às investigações que avançavam sobre a classe política, deputados modificaram a proposta de iniciativa popular, incluindo punições para juízes e membros do MP, em casos de abuso de autoridade. Desde então, as mudanças vêm sendo alvo de críticas.

Depois de aprovado na Câmara, o projeto foi enviado ao Senado, e, desde 2017, estava parado, até ganhar força, após o vazamento de mensagens atribuídas ao ex-juiz da Lava Jato, atual ministro da Justiça, Sergio Moro, com integrantes do Ministério Público. Nas conversas divulgadas, o então juiz teria orientado ações da investigação. Ambos negam o conluio.

Punições

Como algumas alterações foram feitas pelos senadores no projeto, ele terá que ser analisado, novamente, pela Câmara. Pelo texto aprovado até agora, terá cometido crime de abuso de autoridade o magistrado que atuar com "motivação político-partidária".

Também poderá ser enquadrado pela Lei, o magistrado que "receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo". Nestes casos, os magistrados poderão pegar pena de seis meses a dois anos, além de multa.

Já para membros do Ministério Público, o projeto prevê detenção para aqueles que promoverem a "instauração de procedimento, civil ou administrativo, em desfavor de alguém, sem que existam indícios mínimos de prática de algum delito".

Para aqueles que atuarem com motivação político-partidária e que receberem "a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas", também poderão ser punidos.

A pena para membros do MP é a mesma estabelecida para juízes. Nos casos em que respondem por crime de abuso de autoridade, o projeto determina que juízes, promotores e procuradores serão processados em ação penal.

A nova norma prevê, ainda, que qualquer pessoa que identificar abuso por parte de uma dessas autoridades poderá entrar com ação. E se o MP não der prosseguimento à denúncia dentro dos prazos legais, a pessoa que se sentir lesada poderá ainda apresentar queixa subsidiária.

Repercussões

Para o presidente da Associação Cearense de Magistrados (ACM), juiz Ricardo Alexandre Costa, o projeto é uma tentativa de "intimidação" das instituições que combatem a corrupção. Ele argumenta que já existe o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para coibir abusos. "A magistratura tem o CNJ para qualquer cidadão que se sentir prejudicado. O juiz poderá responder por ação penal também. A nossa insatisfação é porque um projeto de lei de iniciativa popular é modificado, basicamente, para inserir leis contra os agentes públicos", reclamou.

O magistrado avalia ainda que essas medidas representam uma ameaça à Operação Lava Jato e a outras ações. "Porque elas esbarram em pessoas extremamente poderosas. A atuação do Judiciário incomoda muita gente".

Presidente da Associação Cearense do Ministério Público (ACMP), Aureliano Rebouças vai na mesma linha. Ele avalia que o projeto cria conceitos de tipos penais "vagos". "Deixando o MP e o Judiciário com a espada na cabeça e à mercê de retaliações dos detentores de poder econômico e político".

Aureliano frisa também que existe o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para fiscalizar eventuais excessos e lembra que a Lei número 4.898, de 1965, regula o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa civil e penal, nos casos de abuso de autoridade.

O artigo 4º da Constituição prevê, hoje, de forma mais ampla, que é considerado abuso de autoridade, por exemplo: ordenar ou executar medida privativa de liberdade, sem as formalidades legais ou com abuso de poder e submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado pelo regramento legal.

Cautela

Pós-doutor em Direito Penal, o professor da Universidade de Fortaleza (Unifor), Nestor Santiago, não nega o interesse político que há por trás do projeto de lei. Ele considera, inclusive, que resolver eventuais problemas com atos de juízes, promotores e procuradores por meio da criminalização de prerrogativas, não colabora para o respeito entre as instituições do sistema judiciário.

Por outro lado, Nestor vê um certo "sentimento" corporativista nas instituições que podem inibir eventuais excessos no processo. "Já há instituições (CNJ E CNMP) que têm atribuições para evitar excessos na atuação de juízes e membros do MP. A questão é que o sentimento corporativo, o combate à corrupção e outras mazelas sociais podem ter efeito inibidor sobre as punições advindas das corporações de classe".

Ele não acredita que a medida represente um ataque à Operação Lava Jato. "Há um consenso quanto à consolidação da Lava Jato, embora as divulgações das conversas pouco republicanas entre Sergio Moro e Deltan Dallagnol possam trazer maior prejuízo. Vale ressaltar que o projeto, caso vire lei, não poderá ter efeitos retroativos", destaca. O jurista, porém, admite que o crime de abuso de autoridade poderá inibir outras operações similares.

Anticorrupção

Ao tratar das medidas de combate à corrupção, o projeto torna crime o caixa dois eleitoral, quando o candidato não declara à Justiça a doação de determinado valor para a campanha, e endurece penas para crimes contra a administração pública. O projeto também criminaliza a prática de compra de voto.

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