Congresso Nacional vai debater se governadores perderão poder sobre Polícia

Projeto de Lei que pretende dar mais autonomia às PMs acirra debate entre políticos da situação e da oposição sobre os riscos de poder paralelo e expõe disputa entre Jair Bolsonaro e governadores pelo comando das forças policiais

Escrito por Flávio Rovere , flavio.rovere@svm.com.br
Legenda: O projeto de lei deve ser pauta na Câmara dos Deputados em fevereiro
Foto: Najara Araújo/Câmara dos Deputados

A proposta de limitar a ingerência dos governadores sobre as polícias militares é um dos temas mais polêmicos discutidos atualmente nos bastidores do Congresso, em Brasília. O avanço do projeto, porém, não depende só do resultado das eleições do comando da Câmara dos Deputados, no retorno dos trabalhos em fevereiro.

A mudança não é unanimidade nem entre parlamentares ligados à corporação e com afinidades junto ao Governo Bolsonaro quando o assunto é segurança pública. Entre os temores de críticos da matéria, está o do agravamento da crise institucional entre governos estaduais e federal.

Na Casa, a matéria vem sofrendo transformações desde que foi apresentada em 2001 pelo Executivo, como proposta de lei orgânica para unificar as normas das corporações, que variam entre os estados. O projeto atual é do deputado José Nelto (Podemos-GO), que reapresentou texto arquivado do ex-deputado cearense Cabo Sabino, cujo objetivo alegado era reduzir a influência política nas PMs.

Os governadores, que hoje gozam de livre escolha entre os coronéis dos seus estados para o comando-geral, teriam que optar por um nome oriundo de lista tríplice apresentada pelos oficiais, com mandato de dois anos. A destituição do comando também precisaria ser justificada e passar por crivo do Legislativo ou Judiciário.

A proposta ganhou força no fim do ano passado, em meio a negociações da bancada da bala, coordenada pelo deputado Capitão Augusto (PL-SP), relator da matéria, com o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Segundo ele, lideranças assinaram requerimento de urgência para que o texto seja votado ainda neste semestre. Sua inclusão em pauta vai depender da eleição à presidência da Casa. Polarizando a corrida, Arthur Lira (PP-AL), apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), e Baleia Rossi (MDB-SP), candidato de Rodrigo Maia, têm posições distintas sobre a matéria. Lira já afirmou que pretende pautá-la. Baleia a considera "inoportuna".

Cautela

O projeto, porém, encontra resistência até por parte de deputados ligados à categoria, como o PM da reserva Capitão Wagner (Pros). "Eu acho que cada instituição ter sua lei orgânica é importante, mas a gente tem que ter bastante cautela no que a gente vai colocar nessa lei", pondera. Segundo ele, deve-se tomar cuidado com possíveis "distorções" de objetivo. "O projeto talvez não apresente na sua integralidade uma ideia que possa melhorar a segurança pública". O deputado afirma ter ouvido do próprio presidente Bolsonaro que talvez não fosse o "momento oportuno" para discutir a mudança.

Heitor Freire (PSL) defende a "independência" das polícias, mas também adota discurso cauteloso, ponderado. "O projeto que será discutido no Congresso é bastante polêmico e necessita de muito debate entre os parlamentares. Entre os pontos que defendo, está a discussão de um piso salarial unificado para as polícias, aliado à estruturação da carreira em âmbito nacional. Creio que chegaremos a um denominador comum, que valorize a categoria e dê a autonomia para as nossas polícias", argumenta.

Opositores

Entre os opositores de Jair Bolsonaro, a discussão da proposta gera temor sobre a criação de um poder paralelo, desvinculado dos governos estaduais. É o alerta que faz o líder da oposição, André Figueiredo (PDT). "Nós não temos a menor condição de sequer discutir um projeto com esse teor. Nós vemos que é um grande retrocesso, é uma questão talvez da vontade que o presidente da República hoje tem de comandar as polícias militares, centralizando esse poder no Governo Federal", protesta. Segundo ele, o argumento de despolitizar a polícia é falacioso. "É justamente o contrário", diz.

José Guimarães (PT) também é veemente ao criticar o projeto. "Era só o que faltava o Bolsonaro fazer. O Bolsonaro quer implantar nos estados verdadeiras milícias dentro das polícias militares, é disso que se trata. E o Congresso não pode aceitar e muito menos pactuar com a quebra e a autonomia dos estados", afirmou.

A proposta traz, ainda, outros pontos polêmicos, como a possibilidade de que militares indiciados em inquéritos policiais ou réus em processos judiciais ou administrativos possam ser promovidos, assim como a ampliação de atribuições das PMs, que passariam a poder credenciar e fiscalizar empresas de segurança privada, função hoje exclusiva da Polícia Federal.

Tensões institucionais

Pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará (UFC), Luiz Fábio Paiva atenta para o fato de que as polícias já são uma peça-chave no desgaste entre Bolsonaro e os governadores.

"Muitos políticos bolsonaristas que fazem parte do atual Governo são oriundos das categorias policiais, e há nitidamente nesse Governo, como ficou muito claro durante o período de pandemia, uma tentativa de desqualificar e deslegitimar os governos estaduais", pontua o pesquisador.

Outro problema é que, segundo o sociólogo da UFC, Bolsonaro está em campanha pela sua reeleição na disputa presidencial de 2022 e dando sinais de que não deve aceitar eventual derrota. "O Trump efetivamente não conseguiu dar o golpe nos Estados Unidos porque todo o aparato de segurança não comprou a ideia", analisa.

"Ter a possibilidade de retirar as forças militares policias do controle dos governos, possibilitando que ele tenha maior agência sobre essas forças, sem sombra de dúvida isso é um risco terrível para a nossa democracia", concluiu.

 

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