Caso Gaia: 10 anos depois, assassino de italiana em Jericoacoara não foi identificado e investigação está parada

Apesar de a Polícia dizer em nota que a investigação segue em andamento, na prática, não há diligências sendo feitas e não há movimentação no inquérito há mais de um ano

Escrito por
Emerson Rodrigues emerson.silva@svm.com.br
Gaia Molinari
Legenda: A italiana chegou ao Brasil em 2014. Ela chegou ao Ceará em dezembro de 2014, de onde só saiu morta.
Foto: Arquivo Pessoal

Passavam poucos minutos das 13 horas do dia 25 de dezembro de 2014 quando um casal de turistas de São Paulo caminhava pela trilha que dá acesso ao ponto turístico conhecido como Pedra Furada, na Vila de Jericoacoara, no litoral oeste do Ceará. Nesse local, é proibido o tráfego de veículos. Ao se afastar um pouco do caminho feito usualmente, o casal avista um corpo caído perto de uns arbustos.

Eles imaginavam que estavam diante de alguém passando mal, mas ao se aproximarem, presenciaram o que ninguém gostaria de ver, principalmente no dia de Natal. A pessoa caída com o rosto na areia estava morta: era a turista italiana Gaia Barbara Molinari, de 29 anos.

Começava ali um dos casos mais rumorosos, polêmicos e misteriosos já registrados na Polícia do Ceará. A frase "Quem matou Gaia" passou a ser ouvida em muitos lugares. No início, a repercussão internacional aumentou a pressão por respostas. No entanto, depois de 10 anos, ainda não há solução e o assassino de Gaia nunca foi identificado.

Para contar a história de Gaia Molinari e das pessoas envolvidas direta ou indiretamente, a editoria de Segurança do Diário do Nordeste lançou a 2ª temporada do podcast Sigilo Quebrado. O programa, intitulado Caso Gaia: 10 anos sem respostas, já tem três episódios no ar em todas as plataformas de áudio e no YouTube do DN. 

Mais dois serão lançados nos próximos dias. O 4º episódio nesta terça-feira (24) e o 5º e último da temporada, no início de 2025. 

RELATÓRIO 

Duas pessoas foram presas e, soltas posteriormente, por falta de provas. Dezenas de interrogatórios foram realizados, assim como foram coletadas amostras de DNA de mais de 20 pessoas. Nada conclusivo. 

A Polícia Civil do Ceará trabalhou no caso Gaia? Respondo sem medo de errar: trabalhou e muito. Esse trabalho foi feito corretamente? Nem sempre. 

No último relatório do caso, feito em 2017 pela Polícia Civil do Ceará, a delegada Patrícia Bezerra assina o documento. Ela diz que "tecnicamente, nada mais há a fazer, de modo que continuar as investigações redundaria em injustificável desperdício de tempo e recursos que poderão ser canalizados para outros Inquéritos mais recentes e com melhores possibilidades investigatórias".

Contudo, nem todas as pessoas que participaram do caso se conformaram com o resultado. Muitos pensam diariamente sobre detalhes, recebem dicas e sonham com o desfecho ideal da investigação: o indiciamento, denúncia e condenação do verdadeiro culpado pelo crime. Se isso vai acontecer dependerá de como as autoridades vão atuar nos próximos dias, meses, anos, e do empenho de cada um. 

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Acredito que as forças policiais do Ceará avançaram em técnicas investigativas nos últimos 10 anos. Por isso, casos antigos ainda não esclarecidos não podem simplesmente serem deixados de lado.

Sei que convivemos com uma média de 250 homicídios por mês no Estado. Isso é uma rotina massacrante para os investigadores do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e das delegacias espalhadas pelo Ceará, mas os parentes das vítimas dos casos antigos merecem respostas.

Os policiais convivem com baixo efetivo e condições nem sempre ideais de trabalho, a despeito das medidas anunciadas pelo Governo do Estado de aumentar o número de policiais civis e melhorar a infraestrutura do órgão.

A investigação dos casos atuais e dos antigos é essencial para evitar a impunidade. Falo do Caso Gaia e de outros, que receberam mais ou menos atenção da Polícia. Para citar um, lembro da morte a tiros do jovem arte-educador Danilo Pinheiro de Araújo. Assassinado em 2009, até hoje ninguém foi identificado pelo crime.

O QUE DIZ A POLÍCIA

Em nota (confira íntegra no fim da reportagem), a Polícia Civil disse que o Caso Gaia continua sendo investigado, cita as falhas nas câmeras de segurança em Jericoacoara nos dias que antecederam ao crime, ressalta exames periciais feitos, depoimentos e disponibiliza números para denúncias serem feitas.

Conversei com fontes da Polícia Civil e li o ofício do delegado que está, atualmente, responsável pelo caso. Sobre o que disseram as fontes, o caso está parado. Não há diligências sendo feitas, nenhuma pessoa ouvida recentemente, análise de inteligência, nada. 

Gaia Barbara Molinari
Legenda: O inquérito sobre a investigação da morte da italiana Gaia Molinari tem quase 38 mil páginas
Foto: Arquivo Pessoal

O delegado que assumiu a investigação destacou, em setembro de 2023, que: 

Após passar por diversos órgãos da Polícia Civil, o inquérito aportou à 10ª delegacia do DHPP, quase 9 (nove) anos após o fato, sob o fundamento de que este departamento teria mais condições de evoluir na investigação, mesmo sendo distribuído a autoridade policial que jamais teve acesso ao conteúdo da investigação de quase quarenta mil folhas; Pelo exposto, determino ao senhor escrivão o envio do presente despacho, via E-saj, com a documentação que o acompanha, para fins de ciência do órgão ministerial de que este delegado de polícia estudará o conteúdo do inquérito para, em seguida, adotar diligências destinadas à sua conclusão, sem possibilidade de estimar um prazo, diante das quase quatro dezenas de milhares de folhas que precisam ser analisadas.

Passados mais de um ano, nenhuma nova movimentação no inquérito, nem busca por provas ou suspeitos. Que essa realidade mude, neste caso, e em outros que ainda carecem de um desfecho da Polícia Judiciária. 

Confira nota na íntegra da Polícia Civil e da Perícia Forense

A Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) informa que continua investigando o homicídio de uma turista italiana, de 29 anos, em dezembro de 2014, no município de Jijoca de Jericoacoara - Área Integrada de Segurança (AIS 17) do Estado. O caso encontra-se em aberto e está a cargo da 10ª Delegacia do Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP). Logo após o crime, a Polícia Civil empregou uma grande força-tarefa que contou com apoio de delegacias da região, do DHPP, da Delegacia de Proteção ao Turista (Deprotur) e da Polícia Militar do Ceará (PMCE). Foram realizadas diligências ininterruptas por vários dias na região. 

Durante os trabalhos policiais, 26 pessoas foram ouvidas pela PCCE. À época, uma mulher e um homem foram presos temporariamente durante o período das diligências, e posteriormente, foram soltos pelo Poder Judiciário. A PCCE concluiu que ambos não estavam na companhia da vítima.

À época, uma falha em um circuito de câmeras de segurança instaladas no caminho que leva ao Serrote, local onde a vítima foi encontrada, comprometeu os trabalhos policiais. Um pico de energia na área comprometeu as câmeras, que ficaram sem funcionamento no percurso por onde a vítima passou.

Dezenas de laudos técnicos foram solicitados para chegar à autoria do crime. A Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce), por meio da Coordenadoria de Perícia Criminal (Copec), produziu e entregou cinco laudos, sendo três de informática, um de local de crime e um de documentoscopia. Já a Coordenadoria de Análises Laboratoriais Forenses (Calf) produziu 39 laudos no total, sendo 35 do Núcleo de DNA Forense (dez laudos com vestígios coletados de local de crime e 25 laudos de investigação de crime sexual) e dois laudos do Núcleo de Bioquímica e Biologia Forense (pesquisa de sêmen), que concluíram que não houve estupro; e dois laudos do Núcleo de Toxicologia Forense (pesquisa de álcool e drogas em sangue). A Coordenadoria de Medicina Legal (Comel) da Pefoce produziu o laudo cadavérico da vítima. 

Por fim, a Polícia Civil informa que mesmo com todos os esforços empregados para elucidação do caso, as diligências e perícias realizadas até o momento, ainda não foi possível identificar o autor do crime. Os trabalhos policiais seguem em andamento pela 10ª Delegacia do DHPP, com o intuito de descobrir novos fatos que possam contribuir para a elucidação e motivação do crime.

Denúncias 

A população pode contribuir com as investigações repassando informações que auxiliem os trabalhos policiais. As informações podem ser direcionadas para o número 181, o Disque-Denúncia da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), ou para o (85)3101-0181, que é o número de WhatsApp, pelo qual podem ser feitas denúncias via mensagem, áudio, vídeo e fotografia ou ainda via “e-denúncia”, o site do serviço 181, por meio do endereço eletrônico: https://disquedenuncia181.sspds.ce.gov.br/.

As informações também podem ser encaminhadas para o telefone (85) 3257-4807, do DHPP, que também é o WhatsApp do Departamento. O sigilo e o anonimato são garantidos. 

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