Engenharias que Transformam: como mais mulheres na área potencializam a indústria e estimulam jovens
Hana Coelho conta como foi cursar Engenharia Metalúrgica e enfrentar o mercado de trabalho numa época em que a área era predominantemente ocupada por homens
Dos 22,8 mil engenheiros registrados atualmente no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Ceará (Crea-CE), 80,4% são homens e 19,5% são mulheres.
Devido à discrepância excessiva entre os gêneros, a luta por inclusão e igualdade de tratamento e oportunidades ainda é uma dura realidade enfrentada pelas profissionais. No entanto, cada vez mais, elas têm visto umas às outras ocupando cargos e posições de confiança no mercado.
Esta reportagem compõe uma série multimídia que apresenta as engenharias relacionadas à produção do aço, tendo como personagens funcionários do Grupo ArcelorMittal, no Complexo Industrial e Portuário do Pecém. Os conteúdos visam contribuir para a formação de profissionais qualificados, que poderão ocupar espaços na siderurgia cearense. O projeto “Engenharias que Transformam” é parceria da ArcelorMittal com o Sistema Verdes Mares.
Por sorte, ou “por criação”, como acredita, a engenheira metalúrgica Hana Lívia Frota Coelho, 28, não sofreu tanto preconceito de gênero durante a formação acadêmica e na trajetória profissional — ou não se sentia incomodada por estar em espaços majoritariamente ocupados por homens. Mas, ela sabe que essa não é a regra, que sua experiência é exceção.
“Tem que ter espelho. A gente precisa de espelho. É muito difícil começar uma coisa sabendo que não tem ninguém como você lá”, entende a profissional.
Há seis anos, quando se formou na Universidade Federal do Ceará (UFC) e entrou para a antiga Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP) — adquirida em 2023 pela ArcelorMittal —, Hana não via outras mulheres nos corredores para trocar ideias e ter em quem se espelhar.
“Comecei como analista 1. Fui a primeira engenheira metalurgista da UFC que entrou aqui”, lembra.
Os espelhos
Com o passar dos anos, outras engenheiras foram chegando à empresa, e Hana passou a se sentir menos pressionada por ser minoria. Tanto que, hoje, ela comemora que metade da sua equipe, no setor de Metalurgia e Qualidade da indústria, é composta por mulheres.
“Mas a gente ainda tem um número reduzido, internamente. Dentro da nossa gerência, por exemplo, não tem mulher operacional, na inspeção”, conta.
Com a aquisição da CSP pelo Grupo ArcelorMittal, Hana acredita que as mulheres têm, finalmente, “espelhos” em cargos de liderança. “Quando você vê um espelho, alguém igual a você lá, fazendo, fica mais fácil. Chegar num negócio pensando: ‘poxa, sou a primeira?’. Você fica com ansiedade. Pensa: ‘será que vou dar conta? Sou o único perfil naquela situação. Se eu falhar, vão me generalizar’. Porque não vão dizer que foi meu CPF que fez errado, vão dizer que foi mulher”, desabafou a engenheira.
Por isso, ela diz que quer trabalhar para evitar que suas sucessoras enfrentem a mesma pressão. “Tenho que fazer o que faço muito bem para ser exemplo e abrir portas. [...] Até a entrada da ArcelorMittal, a gente não tinha nenhuma gerente geral mulher. Quando entrou o grupo, entraram gerentes gerais mulheres. Hoje, a gente tem duas, e é sensacional. É o espelho. Alguém semelhante a mim está lá. E, se ela está, eu posso estar também”.
É a meta declarada e sustentada publicamente da ArcelorMittal de mulheres em cargos de liderança até 2030. Atualmente, a unidade Pecém está em 15,1%.
Desafios da formação
A família de Hana é feita de empresários. O pai tem uma oficina, os tios trabalham com transportes. Por isso, desde pequena, o sonho dela era aprender mecânica industrial.
Tanto que, adolescente, ela decidiu cursar o ensino médio ao mesmo tempo em que estudava o técnico na área no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE).
“Quando você entra fazendo o curso técnico e o ensino médio no IFCE, entra com pessoas da sua idade. Eu entrei fazendo o ensino médio em uma escola e, o técnico, à noite. Então, eu era a mais nova da turma, só tinha homem de 30 anos, e eu lá, com 17”, lembra.
Contudo, a ausência de mulheres na turma do curso técnico não intimidou Hana. “Isso, para mim, sempre foi muito tranquilo. De coração, mesmo. Nunca me senti, numa sala só com homem, constrangida. Acredito que por criação. Meu pai nunca deixou de levar minha opinião em consideração por eu ser mulher, ou meus tios”, garante a engenheira.
O único obstáculo que separava Hana de seguir a profissão escolhida era o desejo da família de que ela estudasse Administração. “A primeira graduação que cursei foi Administração, na Uece [Universidade Estadual do Ceará]. Fiz um semestre, mas aprendi que não queria. Falei para o meu pai: ‘Tentei. Você viu que eu passei [no vestibular], mas não dá para mim’”.
A ideia de seguir a carreira de engenheira metalúrgica surgiu para Hana no curso técnico. “Comecei a ver disciplinas de ensaios não destrutivos para análise de ultrassom, raio-x, solda, material. Eu adorava. Muito mais do que a parte de manutenção. Aí, eu já tinha visto alguns cursos na UFC, pensei em escolher Engenharia Mecânica, mas decidi entrar em Metalúrgica, porque gostei muito mais. Entrei no curso a desgosto do meu pai, mas entrei”.
Na universidade, Hana descobriu as múltiplas oportunidades que as Engenharias proporcionam e ficou deslumbrada. E, como já tinha experiência na área, devido ao curso técnico no IFCE, ela conta que saiu “na frente” dos colegas de classe e conseguiu, mais cedo do que eles, experimentar coisas diferentes.
No entanto, na busca por uma oportunidade em um laboratório específico de ensaios não destrutivos, como era seu desejo, ela acabou “caindo” na empresa júnior do curso de Engenharia Metalúrgica da UFC, a Metal Soluções, e lá ficando por um tempo, até conhecer um colega que a indicou para uma bolsa em um laboratório de caracterização de materiais.
“Foi uma experiência muito boa. Consegui trabalhar com mestrandos, doutorandos, publicar artigos. E me deu gosto, também, para a parte acadêmica. Participei de congresso, um monte de coisa. Ao mesmo tempo que a gente prestava serviço para a indústria”, lembrou.
Carreira acadêmica
A aptidão para a carreira acadêmica surpreendeu Hana. Porque, quando ela decidiu cursar Engenharia Metalúrgica, imaginou várias possibilidades de atuação, mas nenhuma envolvia cursar um mestrado ou um doutorado na área. “Com três anos e meio de curso, comecei a me candidatar para disciplina de mestrado, como aluna especial. Tinha até professor orientador. Não era minha ideia inicial, mas gostei muito”, disse.
A universitária decidiu, então, adiantar as disciplinas do curso para, no último semestre, se dedicar a estudar outro idioma e se preparar para a prova do mestrado. Os planos mudaram quando surgiu uma primeira oportunidade para estagiar na siderurgia.
“Foi minha primeira experiência na indústria. Lembro que falei para o meu professor orientador: ‘vou fazer só para botar na conta’. E não sei se é porque sou muito empolgada, mas adorei a indústria também”, ela brinca.
Na indústria, Hana conheceu outros “mentores” que ajudaram a direcionar sua trilha profissional. Uma dessas pessoas foi seu ex-chefe, que deixou a empresa, à época, para assumir um cargo de gestão na antiga CSP, e decidiu levar com ele sua pupila.
“Eu estava muito na cabeça de ir para a área acadêmica, mas, todo tempo, a vida foi me levando para outro canto. [...] Então, o que pensei? Já tinha uma boa bagagem acadêmica. Se eu quisesse, depois, concorrer a um mestrado, doutorado, tinha bala na agulha. Agora, para a indústria, não. Eu ainda não tinha bagagem. Então, essa foi uma porta que decidi abrir para construir um caminho. Não gostei? Tchau e benção”, relatou.
Com experiência na academia e na indústria, e já tendo passado por rotinas extenuantes de trabalho e estudo, Hana decidiu: “quero fazer mestrado, mas sem sair da indústria. Vou tentar conciliar e espero conseguir”.
A experiência na ArcelorMittal
Quando começou a trabalhar na CSP, Hana foi alocada em uma gerência de “projetos especiais” que servia de berçário para novos engenheiros na siderurgia.
“Essa gerência não existe mais. Mas, naquela época, a gente estava alinhado a diversos projetos dentro da usina e foi oportunidade para ter uma visão ampla dos diversos setores. Apesar de ter a formação da universidade, é muito diferente quando você tem a oportunidade de vivenciar a indústria”, compara ela.
A estrutura curricular dos cursos de Engenharia, embora tenha especificidades, costuma preparar os profissionais para aplicação de cálculos mais gerais. No fim das contas, como em várias outras carreiras, é no exercício do trabalho que se aprende como o mercado opera.
“Tem aprendizados que, infelizmente, a gente não ganha na universidade, só vai ter aqui [na indústria]. Como em todas as profissões, é diferente. Quando você entra na empresa, é como se estivesse entrando em Nárnia”, brinca Hana.
Hoje, ela trabalha com consultas metalúrgicas e controle de índices de qualidade. “A gente tem um cliente que quer comprar um aço nosso. Ele entra com a composição, o design, e a gente faz a avaliação de capacidade de produção interna. [...] São mais de 600 especificações de aço que temos cadastrados aqui”, exemplifica a engenheira.
Engenharia como ferramenta transformadora
Quando decidiu construir sua carreira na Engenharia Metalúrgica, Hana foi na contramão do que desejava a família, que preferia que ela estudasse Administração, e encarou com resiliência uma das graduações menos simpáticas à presença de mulheres — ainda hoje.
Mas, ela não se arrepende. Pelo contrário. Porque foi por meio dessa escolha que ela conseguiu trabalhar com o que gosta, conquistar independência financeira e conhecer pessoas que pretende levar para a vida inteira.
“A Engenharia me fez conhecer muita gente, muito amigo, muitas experiências boas. Ter um bom emprego, independência financeira. Sou muito feliz por poder ter conseguido tudo isso dentro do meu Estado, perto da minha família”, agradece a profissional.
O que faz um engenheiro metalúrgico?
Essas pessoas estudam os metais e suas aplicações na indústria e têm competência para projetar e desenvolver novas peças, máquinas e materiais metálicos. Conforme a Universidade Federal do Ceará (UFC), estão presentes desde o momento da extração do minério até o tratamento e o refino para a obtenção do metal.
- Extração, tratamento, redução e refino de minérios;
- Supervisão de processos de fusão ou fundição;
- Desenvolvimento, produção e aplicação de metais e ligas na indústria;
- Desenvolvimento de novos materiais e novas estruturas;
- Administração, gestão de recursos humanos e gestão financeira em indústrias;
- Indústrias automobilísticas, de extração mineral, mecânicas, navais, nucleares, metalúrgicas, aeronáuticas e petroquímicas;
- Laboratórios.