Engenharias que Transformam: como educação e amor moveram a vida do 1º CEO negro da ArcelorMittal
Erick Torres conta como a formação em Engenharia Metalúrgica e o amor da família o transformaram como homem e profissional
Educação e amor são instrumentos, sozinhos, revolucionários. Mas, quando combinados, seus efeitos têm potenciais ilimitados, capazes de transformar vidas. Erick Torres Bispo dos Santos, 48, pode afirmar ser testemunha dessa fusão.
Nascido e crescido no subúrbio do Rio de Janeiro, ele teve a vida transformada pelo estudo, pela profissão escolhida para seguir e pelo amor e cuidado que, desde pequeno, recebe da família.
Esta reportagem compõe uma série multimídia que apresenta as engenharias relacionadas à produção do aço, tendo como personagens funcionários do Grupo ArcelorMittal, no Complexo Industrial e Portuário do Pecém. Os conteúdos visam contribuir para a formação de profissionais qualificados, que poderão ocupar espaços na siderurgia cearense. O projeto “Engenharias que Transformam” é parceria da ArcelorMittal com o Sistema Verdes Mares.
Foram esses fatores que, combinados, permitiram que ele se desenvolvesse pessoalmente e profissionalmente para, hoje, ser CEO da sede da multinacional ArcelorMittal no Pecém, na Região Metropolitana de Fortaleza — cargo que ocupa há um ano.
“Venho de família humilde, sou um homem negro, as coisas não acontecem de uma forma tão simples”, reconhece ele, formado em Engenharia Metalúrgica pela Universidade Federal Fluminense.
“A educação é fundamental e transformadora. Revela ausência de conhecimento, mas, também, sede de conhecer mais, de aprender. É fascinante. Eu tive oportunidade que muitas pessoas que estavam comigo, na infância, não tiveram. E, reforço: o amor e o carinho que meus pais tinham por nós [ele e os irmãos] solidificaram isso numa só direção”, comentou.
Consciente do investimento feito nele ao longo da vida, tanto por familiares como pelos empregadores, e agradecido por isso, Erick quer retribuir encorajando a formação de novas lideranças e depositando nelas o mesmo amor e a mesma confiança que recebeu.
“O carinho, o respeito pelas pessoas, a proximidade, o zelo de conversar e de ouvir, de se permitir ser influenciado, de mudar de opinião, têm a ver com amor. Amo o que faço, tenho paixão. A ArcelorMittal é uma empresa que respeita muito as pessoas, e os valores dela eu enxergo nos meus”, ele diz. E isso tem feito toda a diferença em sua gestão na empresa.
O despertar para a engenharia
Erick soube da existência das engenharias como campo de estudo quando um profissional da área visitou o colégio onde estudava, no Rio de Janeiro, e falou apaixonado sobre a profissão. Ele lembra que era menino ainda e que ficou encantado com a possibilidade de, um dia, trabalhar “resolvendo problemas”.
“Era uma profissão diferente, bem desconectada do meu mundo, mas fiquei fascinado, porque ele [o engenheiro que visitou a escola] falou que era a profissão que resolvia problemas. Isso, para mim, era encantador. A partir daquele momento, para todo mundo que perguntava: ‘o que você vai ser quando crescer?’, eu falava: ‘vou ser engenheiro’”, lembra.
Para Erick, foi a maneira apaixonada com a qual o profissional falou que mais teve impacto na decisão dele e o influenciou a conhecer a Engenharia. “Comecei a pesquisar, a entender a minha curiosidade para montar e desmontar as coisas. [...] Começou a fazer sentido”, diz.
E começou a fazer sentido, também, para um dos irmãos de Erick, Leonardo, que compartilhava com ele o gosto por montagens complexas e pelas ciências exatas. “Meu irmão fez Engenharia Elétrica. E eu acredito que a gente foi influenciando um ao outro. Ele é um ano mais novo do que eu. A gente entrou na escola técnica juntos”, recorda o CEO.
Erick e Leonardo cursaram Eletrotécnica no Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet) do Rio de Janeiro, no Maracanã. Os dois faziam tudo juntos e quase teriam seguido pela mesma área dentro da Engenharia, a Elétrica, se o irmão mais velho não tivesse experimentado trabalhar na siderurgia, num período em que trabalhou para a White Martins.
“Quando me deparei com o alto-forno, foi paixão de primeira. Perguntei: ‘qual a engenharia que trabalha numa siderurgia? Qual a que se adapta melhor?’ E o pessoal falou: ‘Metalúrgica e Química’. E quando descobri que, na Metalurgia, você mudava de cidade, ficava muito próximo a uma empresa e todo o desenvolvimento da prática ocorria dentro indústria, aquilo me fascinou. Foi quando me desconectei um pouco da Elétrica”, explica Erick.
À época, outro caminho que chamou a atenção do então universitário foi o acadêmico. Tanto que ele chegou a concluir um mestrado em Engenharia de Materiais pela Universidade Federal de Ouro Preto, em Minas Gerais. “Eu queria ser pesquisador, estudei na direção de ser”, disse. Mas, atuar na siderurgia atraiu tanto Erick que ele decidiu continuar na indústria.
O primeiro emprego, de fato, do carioca, foi conquistado em 2002, na ArcelorMittal Tubarão, no Espírito Santo, como engenheiro trainee. Ele ficou no cargo até 2008. Na mesma empresa, passou pelas gerências de Alto-Forno, Controle de Processo de Produção de Gusa e Energia, Produção de Aços e Placas, Produção de Aço, Placas, Bobinas e Acabamento de Produto.
Até que, em 2019, chegou ao cargo de COO (Chief Operating Officer) — um dos mais altos da administração da empresa — de Aços Planos da América do Sul, e, em 2023, mais recentemente, assumiu o posto de CEO (Chief Executive Officer) da ArcelorMittal Pecém.
Quando entrou para o programa de trainee da antiga Companhia Siderúrgica Tubarão, no Espírito Santo, atual ArcelorMittal, Erick era o único que se identificava como negro numa turma de 25 pessoas. Ele também é o primeiro negro a chegar a uma posição de diretoria no Grupo ArcelorMittal no Brasil.
A experiência com gestão
Erick costuma brincar que sua carreira é feita de “módulos de projetos”. E o primeiro que executou foi quando decidiu estudar Engenharia. Ele sabia que, para ser o melhor na área, teria de investir em educação. Por isso, cursou técnico, graduação, pós-graduação, mestrado.
Vendo o exemplo dos filhos, o pai de Erick, Gilmar, decidiu cursar ensino superior e se formou advogado pouco antes de o primogênito concluir Engenharia Metalúrgica. Depois dele, os irmãos e tios de Erick também decidiram entrar para a universidade. Uma tia de Erick, inclusive, concluiu o mestrado.
“Disseram que, para eu ser um bom engenheiro, eu tinha de passar na escola técnica. Então, qual era meu primeiro objetivo? Entrar numa escola técnica e me formar como técnico. Etapas por etapas. Nunca tive um projeto gigante de estar como CEO”, admite o gestor.
No entanto, a preparação para ocupar um cargo alto de gestão veio organicamente, com a prática do trabalho. “Me vi como técnico em Eletrotécnica, depois me vi como supervisor. Eu queria ser o melhor engenheiro possível. E isso me fez trabalhar com muita tranquilidade e certeza de que as coisas dariam certo, porque estava em mim o desenvolvimento, não em outra pessoa, não era uma expectativa que eu estava colocando no outro”, ensina.
Quando chegou o primeiro convite para ser gestor de uma equipe na ArcelorMittal, Erick lembra que não aceitou. Ele dizia que se via num papel mais técnico, mas entendeu esse chamado como um novo “módulo de projeto” e decidiu, então, se preparar.
“A gente percebe rapidamente que as coisas são feitas em conjunto. A gente não consegue fazer sozinho, a gente precisa um do outro, e eu percebi que gostava de estar com as pessoas, que os projetos saíam melhores quando a gente ouvia o outro, quando se permitia mudar de opinião mediante uma visão melhor, mais adequada da resolução do problema”, reconheceu.
A capacidade de respeitar e de levar adiante opiniões diferentes se tornou, assim, um dos pontos fortes da gestão de Erick. “A gente, às vezes, fica muito preocupado em não criar sucessores, não criar líderes, mas a gente tem a obrigação de fazer isso. A pessoa que tiver, no futuro, na posição em que eu estou, tem que ser melhor do que eu. Significa que eu tive a competência de criar uma liderança. Se todo mundo pensar assim, só vai ter evolução”.
Compromisso com o despertar de jovens para a Engenharia
Uma das principais formas de entrar para a ArcelorMittal Pecém é pelo Jovem Aprendiz, uma política pública que busca incluir jovens entre 14 e 24 anos no mercado de trabalho, proporcionando a eles o desenvolvimento de competências práticas e teóricas.
Erick faz questão de recepcionar as turmas que iniciam na empresa pelo programa. “Não abro mão. É o momento que o jovem vai ter contato com a indústria, com pessoas com experiências similares. [...] Temos diversos gerentes que foram aprendizes, técnicos”, cita.
O CEO quer, dessa forma, despertar nos adolescentes a mesma chama que o levou a escolher a Engenharia, pouco mais de 20 anos atrás. Por isso, ele também defende a importância de a indústria estar próxima a diferentes instituições de ensino — não apenas a universidade.
Um dos filhos de Erick decidiu que quer estudar Engenharia Metalúrgica.
“Essa, para mim, é a primeira linha de conexão. A gente tem que ir a escolas especializadas, técnicas, universidades, para, de lá, trazer quem está iniciando um curso técnico ou Engenharia. [...] Estar próximo a essas instituições é fundamental porque fomenta o que despertou em mim, lá atrás. Eu me sinto, como indivíduo, na obrigação de também gerar essa oportunidade de reflexão”, compartilha Erick, relembrando os tempos de escola.
Além disso, ele reforça o compromisso da empresa com a formação acadêmica. “Fazemos trainee, estágio. A gente quer fazer pesquisa com a universidade, desenvolver soluções, pegar os problemas que temos aqui e resolver junto. [...] É dessa forma que a gente faz diferença. Por meio das universidades, a gente pode verificar os potenciais e tentar captar esses potenciais. Se não, que a gente deixe um legado para que eles [universitários] possam evoluir. As empresas têm essa responsabilidade, não podem abrir mão disso”, afirma.
E quando jovens o questionam sobre qual Engenharia devem escolher para trabalhar na siderurgia, ele é taxativo: “a que você mais gosta”. Porque, “fazendo o que você mais gosta, você vai ser muito bom, e a gente quer ter pessoas muito boas”, garante o CEO, que entende a indústria como um “parque de diversões” para engenheiros.
Na ArcelorMittal, por exemplo, trabalham engenheiros metalúrgicos, mecânicos, químicos, civis, eletricistas, de produção e muitos outros. “E a Engenharia é possível, não é distante, não é um bicho-de-sete-cabeças”, frisa Erick.
Gênero e diversidade
Para Erick, que é um homem negro, criado no subúrbio e formado na escola pública, é muito representativo ocupar, hoje, um cargo de CEO em uma multinacional. Por isso, ele entende a necessidade e a importância de pavimentar trilhas de progressão na empresa para garantir que o acesso ao mercado e a ascensão profissional sejam justos.
Erick é filho de pai negro e mãe descendente direta de indígenas. Embora sua pele seja a mais clara dentre seus familiares, ele se entende como um homem negro e nunca questionou sua identidade racial. No entanto, sempre soube que, por isso, a sociedade exigiria mais dele.
“A ArcelorMittal tem um programa de diversidade e inclusão muito importante, que traz o entendimento de como fazer”, explica o gestor. Ele cita, por exemplo, estatísticas internas que atestam que os resultados da empresa são melhores quando há mulheres no quadro de profissionais.
“E tanto é verdade que a gente tem mulheres responsáveis por áreas muito importantes”, ele diz. Nesse sentido, a empresa tem incentivado que mais jovens escolham cursar Engenharia, até para diminuir a ainda significativa diferença entre o número de homens e mulheres que se formam na área e são disponibilizados ao mercado de trabalho.O Programa de Diversidade & Inclusão existe na ArcelorMittal Brasil desde 2009 e contempla Diversidade Racial, Equidade de Gênero, LGBTI+ e Pessoa com Deficiência.
Desenvolvimento da indústria cearense
A ArcelorMittal Pecém é uma das unidades da multinacional no Brasil que, segundo Erick, têm mais potencial para desenvolver energias renováveis. Por isso, além de querer estar próximo das instituições de ensino para captar profissionais atualizados com as inovações do mercado para a indústria, o CEO quer ajudar a contribuir para o crescimento da região.
Ele afirma que vê no Estado um “potencial grandioso”, tanto em termos de qualificação profissional como de produção de energias. “Há um potencial de energia renovável gigantesco. O Ceará tem capacidade de ter energia solar combinada com eólica, e isso conversa muito com a descarbonização que a siderurgia, em especial, a ArcelorMittal, tem como compromisso neutralizar até 2050”, comenta.
Outros fatores que, para o carioca, tornam o Estado atrativo para a indústria é a proximidade com mercados como o europeu e o dos Estados Unidos e do Canadá. “Entendo a educação aqui [no Ceará] fazendo uma transformação. E acho que a gente tem que aproveitar esse momento. [...] Que a gente consiga trazer para o Ceará oportunidades para que as pessoas se desenvolvam aqui”, projeta o CEO.