Ano Novo chegando, e Belchior começa a pipocar, de Nordeste a Sudeste, nas redes sociais dos brasileiros. “Ano passado eu morri, mas este ano eu não morro”, repetimos de 12 em 12 meses, com a cabeça imersa em meia dúzia de rituais para garantir sorte no ano que entra, metas pessoais e, quem sabe, algum dinheiro no bolso.
Se os rituais de fim de ano funcionam ou não, deixo com vocês. Mas eu não abro mão do banho de manjericão para me dar tranquilidade nem da famigerada lista de intenções, com 20 a 30 itens do que espero conquistar no ano. E daí que aquele curso de inglês avançado figura nas minhas listas desde 2007? O importante é jogar pro universo!
“Sigo há anos usando calcinha amarela para chamar dinheiro”, me contou uma amiga. Força, gata! Tem que acreditar que uma hora vem. Já tentou soprar canela da porta de casa alguma vez? Há quem diga que o Brasil chegou a este ponto de crise porque Paulo Guedes esqueceu a tradição para garantir bonança e prosperidade. Será?
Veja também
Tenho uma prima que, em noite de réveillon, não come nada que cisca ou anda pra trás. Não vai arriscar um revestrés do destino. Uma tia preparava uma chuva de pipoca para trazer prosperidade. Na casa do vovô, quando o relógio dava meia-noite, comíamos uvas e guardávamos as sementes na carteira para garantir estabilidade financeira.
Talvez por isso eu tenha me sentido apta a tentar comer uma uva em cada uma das doze badaladas do relógio da Nochevieja de la Puerta de Sol, em Madri. Eu me engasguei na velocidade da tradição espanhola. Será que foi por isso que não ganhei na loteria? Ou faltou lentilha para comer nos primeiros minutos do ano e garantir sorte?
Eu amo rituais de réveillon, especialmente os que desafiam a lógica. Era 2019. Uma amiga baiana resolveu virar o ano num templo budista para atrair paz. “Passei a virada meditando, mentalizando coisas boas. Resultado: veio a pandemia de covid-19”, conta.
Outra amiga paulista fez esta mesma peregrinação budista: subiu uma montanha, acendeu um incenso e tocou um sino para enfim fazer o pedido de ano novo. Tinha acabado de se separar, então mentalizou: “Buda, quero aprender a viver bem sozinha”. Deixa comigo, deve ter pensado Buda, antes de vir uma quarentena que fez não só ela, mas o mundo inteiro aprender a viver mais só.
Deve ter sido tudo coincidência. Ora, ora. Todos sabemos que ritual de Ano Novo é coisa séria no mundo todo. No Uruguai, se queima os calendários velhos para dar espaço ao novo. O Equador queima o ano velho como nós queimamos nosso Judas aqui no Brasil: haja fogo em bonecos de anônimos ou famosos representando o tempo que já foi. Tem lugar em que se queima o que aconteceu de ruim no ano que se despede, cuidadosamente escrito num pedaço de papel.
Não é preciso, assim, de um manual para garantir, já nos primeiros minutos do dia primeiro de janeiro, um ano próspero. É preciso fé e disposição. Pra mim, o Ano Novo só começa depois de um banho de mar, ainda que eu não pule as sete ondas na virada. Leva, Iemanjá, tudo que for ruim. Lava minha alma. Oxalá! Banho de manjericão ok. Lista de intenções ok. Em 2023, vou soprar canela da porta para dentro de casa só pra garantir.
E você? Preparado para ver o ano começar primeiro na Austrália? É daqueles que só vira o ano de roupa nova? Ih, esse costume a crise me levou faz tempo. Só sei de uma coisa: meia noite de 31 de dezembro, e eu estarei com uma roupa branca qualquer, mentalizando coisas boas. Abraçarei as pessoas que amo, agradecerei que estamos juntos. E, como todo brasileiro meio cult-bacaninha meio cringe, repetirei mais uma vez Belchior: “Ano passado eu morri, mas este ano eu não morro”. Tenho certeza que vai dar bom. Feliz 2023!