Tuno fez uma crônica em imagens de várias gerações de jornalistas enquanto contava a história recente de sua cidade, seu estado e seu país. Conheça o homem que olhou e guardou o que ninguém mais via
Antônio Carlos Vieira, o Tuno, abraçou durante a vida a missão de registrar o mundo. Fotojornalista por décadas, contou o Ceará e Fortaleza pelas lentes de sua robusta câmera fotográfica. Nada lhe escapava do olhar. Registrava tudo, inclusive o que nós, repórteres, não costumávamos olhar nem guardar em imagens: a nossa rotina e os nossos percalços enquanto contávamos às pessoas o que acontecia a elas com nosso jornalismo.
Tuno sempre viu além. Foi ele quem fez a simbólica fotografia do fundador deste jornal, Edson Queiroz, corrigindo a primeira edição impressa do Diário do Nordeste. E, como tratava de chefes a jornalistas experientes e estagiários com a mesma régua, também coube a ele contar a nossa história fazendo jornalismo.
Com suas lentes atentas e o sorriso largo com o qual cobria do discurso do governador a mais um buraco ou problema urbano nos bairros da cidade, contou no Facebook a história de várias gerações de jornalistas, imersos em guardar a história recente cearense.
Está tudo lá, em inúmeros álbuns intitulados “Repórteres em Ação”. Há corridas de fotógrafos com suas câmeras em punho para fotografar os momentos mais marcantes das autoridades cearenses, colegas no topo de prédios, na beira da praia, no caos do trânsito, nos espaços de poder da cidade.
Há repórteres posando para as edições da madrugada, como quando o Nordeste viveu um apagão elétrico em 2012. Há fotos de colegas após um pequeno intervalo na edição das matérias para amamentar o filho bebê, numa visita inusitada. Nossos prêmios estão ali: rostos apreensivos e satisfeitos com os resultados.
Penso no Tuno, que faleceu neste Natal, e agradeço o presente que é a crônica que ele escreveu dos jornalistas cearenses em imagens, com tanta discrição que mal notávamos quando sua câmera apontava para nós. Ele não deixava escapar nem mesmo os momentos mais corriqueiros, como um pãozinho antes do plantão do fim de semana ou um bolo para celebrar a sexta-feira.
Tuno cuidava de gente, olhava para as pessoas insistentemente. E registrava tudo. Fazia isso enquanto narrava em imagens grandes histórias: das reviravoltas do poder aos preparativos da Copa do Mundo em Fortaleza, das visitas presidenciais às reivindicações de bairro. Registrava incansavelmente.
Experiente, foi bússola para estagiários e recém-formados. Foi assim comigo, de 2009 para 2010, quando nos conhecemos. Vou cobrir a posse do prefeito ou do governador? Tensão, não conheço todos os aliados. O fotógrafo é o Tuno? Ufa, vai dar tudo certo. Ele conhece todo mundo. E assim era o fotojornalista e amigo: generoso nas pautas, na vida e nas lutas sindicais.
Tuno fez muitas vezes o jornalismo parecer mais cool do que realmente é. Faz tempo. Muitos passaralhos, golpes e toda a sorte e azar de notícias depois, o vimos partir. Antônio Carlos, o homem que olhava até para onde ninguém mais se interessava em olhar, vai fazer muita falta neste mundo.