Assédio no varejo: caminhos para construir uma cultura ética
As pressões diárias e inerentes do segmento de varejo já são mais do que conhecidas. A concorrência é acirrada, conquistar novos clientes e manter os já cativos é desafiador. Na maioria das vezes, as metas são arrojadas agressivas e renovam-se mês a mês.
Infelizmente esse ambiente desafiador pode acabar se tornando um espaço fértil para a ocorrência do assédio, resultando em cenários de desmotivação, afastamentos por adoecimento psíquico como burnout, crises de ansiedade e depressão, aumento do turnover e um possível aumento de erros ocasionados pela estafa mental.
Além dos impactos diretos aos profissionais, como um comportamento agressivo de um líder “desesperado” para cumprir metas, humilhando e ameaçando equipes, situações de assédio no varejo também geram grandes consequências de imagem, percorrendo as redes sociais na velocidade da luz e, muitas vezes, com pré-julgamentos que nem sempre refletem a realidade, já que os consumidores normalmente não analisam ou acompanham os detalhes de um caso de assédio que vai à mídia.
O cancelamento por parte dos consumidores acontece de forma quase imediata assim que uma situação ética com a qual eles não concordam chega ao conhecimento deles. Em uma pesquisa realizada pelo LinkedIn em 2020, mais de 85% dos respondentes alegaram que deixariam de consumir um produto se não concordassem com o posicionamento ético da marca.
Ou seja, todo o esforço que a empresa colocou para conquistar e cativar consumidores, em questão de dias ou horas, pode ser destruído por uma postagem que mostre, ou apenas sugira, uma ação antiética como uma discriminação por raça, gênero e afins. O que fazer para fugir dessas armadilhas?
Quando falamos de assédio, o melhor caminho sempre será o de prevenção, pois a apuração de um caso que já tenha ocorrido pode não ser suficiente para reverter uma imagem negativa ou uma equipe desgastada com uma situação de assédio.
Muitos casos que chegam ao Canal de Denúncia claramente poderiam ter sido evitados se tivesse ocorrido um trabalho adequado de desenvolvimento dos novos líderes. Muitas vezes, os líderes e supervisores de lojas aprendem e reproduzem uma gestão agressiva sob a bandeira da “resiliência”, criando um ciclo vicioso e uma cultura informal de “aceitação ao assédio”.
Em um ambiente tão capilarizado como o do varejo, destaca-se aquele que garante uma cultura ética em todas as suas unidades e equipes. Para tal, é fundamental que cada gestor de loja esteja preparado para lidar com o tema e seja “o guardião” do combate ao assédio em sua cultura local, além de treinar e desenvolver novos líderes para que reproduzam uma gestão saudável tendo como base uma comunicação clara, assertiva, gentil e respeitosa. Ele ainda deve estar preparado para atuar diante de possíveis agressões que venham do público em geral.
O tema “combate ao assédio” deve estar na rotina das equipes, lembrando-os de que metas são importantes, mas devem caminhar junto com um ambiente eticamente seguro e respeitoso. A comunicação deve ser direcionada e adequada para os diferentes públicos. Não há mais espaço para exposições humilhantes como “os piores dos rankings de vendas” e situações similares. É importante que líderes se sintam seguros e o RH deve apoiar nessa jornada, afinal de contas, não pode existir o medo de cobrar, mas é preciso saber como fazê-lo de forma adequada. Assim como, um liderado não deve se sentir agredido por ter recebido um feedback negativo.
Para que isso aconteça, o trabalho deve ir além do treinamento obrigatório que ocorre uma vez ao ano. É fundamental a interação com espaço de trocas como workshop e rodas de conversa, aliadas a uma comunicação cotidiana com pílulas de linguagem adequada para cada público-alvo, em refeitórios, corredores, salas de descanso, reuniões operacionais rotineiras e, por que não, nos banheiros?
E, assim, reforçando o trabalho preventivo, constrói-se ambientes mais éticos gerando benefícios diretos aos profissionais da ponta, além de fortalecer a imagem da empresa e garantir a sustentabilidade do negócio.
Juliana Godinho é gerente Forensic & Integrity