Elas no Esporte: Érika Coimbra lembra quando teve de provar que era mulher para jogar voleibol; ouça

Ex-atleta da seleção brasileira feminina descobriu durante exame que possuía síndrome rara.

Legenda: Érika Coimbra foi uma das presenças marcantes na seleção brasileira
Foto: Divulgação

“Os homens não precisam provar que são homens pra jogar”. O discurso forte foi vivenciado pela a ex-jogadora de vôlei, Érika Coimbra. Em 1997, a atleta passou por um dos piores momentos da vida: provar que é mulher. Esse é o assunto do episódio 19 do podcast 'Elas no Esporte', que conversou com a a medalhista olímpica. 

A situação acendeu um debate sobre os constrangimentos que algumas mulheres sofrem antes dos Jogos Olímpicos, ao serem submetidas ao "teste de gênero". O procedimento já foi motivo de terror para as jogadoras, que eram obrigadas a permitir que um comitê de médicos inspecionasse seus órgãos genitais.

Érika Coimbra nem imaginaria que, durante o Campeonato Mundial Juvenil, aos 17 anos, também descobriria, no exame, que era portadora de uma síndrome, na qual pessoas nascem com caráter sexual que não corresponde à noção binária de gênero.

Ouça a entrevista completa

“Na verdade esse teste gênero da mulher provar que é mulher para praticar esse tipo de esporte, desde sempre, a gente sofre, porque os homens não precisam provar que são homens para jogar, enfim... Num desses testes, eu acabei não passando, porque eu tinha uma taxa hormonal maior que as meninas, mas nasci mulher. Acabei tendo a notícia que era portadora da Síndrome de Morris”. Afirmou Érika.

Érika Coimbra passou por constrangimento ao ser submetida a teste de gênero
Legenda: Érika Coimbra passou por constrangimento ao ser submetida a teste de gênero
Foto: Divulgação

Síndrome de Morris

A Síndrome de Morris ou Síndrome de insensibilidade androgênica (AIS em inglês) é uma condição intersexo caracterizada pela incapacidade parcial ou total da célula para responder aos andrógenos, como a testoterona.

Após o diagnóstico, a família da Érika procurou especialistas para tratar da doença. Na época, a atleta foi submetida a uma cirurgia para correção de disfunção hormonal

“O lado bom de todo constrangimento que eu passei foi que graças ao esporte, eu descobri isso. E assim, eu pude fazer todas as correções, pois é uma doença que pode causar algo mais sério, como até tumores. Foi difícil, mas me recuperei muito rápido. Apesar do procedimento feito comigo, para descobrir a doença, foi errado, eu consegui passar rápido por essa situação”, concluiu Érika.

Na época, atleta não foi convocada para a Seleção Brasileira que disputa a Copa Montreux Volley Masters (ex- BCV Cup), por conta da cirurgia. A confirmação foi feita pelo técnico Bernardinho, comandava na época a Seleção Brasileira.

“Alguns países não fazem mais esses testes e estão evoluindo com isso, até porque o trans não precisa provar que é mulher e a mulher precisa provar que é, mas infelizmente até hoje tem", disse.

"Por isso, eu resolvi “quebrar o silêncio”, depois de 23 anos, para ajudar também uma atleta do Togo que está sendo ameaçada de morte, porque no país dela não é permitido essa síndrome. Ela teve que pedir asilo em outro país, mas ela quer participar das Olímpiadas defendendo o país dela. Ela não quer fazer a cirurgia e nós estamos lutando para que essas mulheres tenham o direito de participar sem passar por esse constrangimento”, acrescentou Érika.

Érika Coimbra teve grande carreira como jogadora de vôlei
Legenda: Érika Coimbra teve grande carreira como jogadora de vôlei
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Carteira Rosa

No início do século 20, as federações internacionais e o Comitê Olímipico Internacional (COI) tomavam o direito de escolher quais mulheres deveriam se submeter aos testes de feminilidade.

A partir dos Jogos do México, em 1968, os testes passaram a ser obrigatórios e, aos poucos, se tornaram menos invasivos, com amostras de saliva e sangue.

Com o passar do tempo, as mulheres testadas e aprovadas recebiam uma carteirinha, chamada de “carteira rosa”, o documento era a prova que as atletas eram mulheres.

“Muita gente achava que eu me dopava, porque eu sempre fui bem menininha, então eu tinha que provar em outras oportunidades que eu era mulher, eu tive que ir para Lyon, na França, para fazer um teste para ganhar a “carta rosa”, não adiantava só a minha certidão de nascimento. Eu fui até lá, passei pelo teste e passei por muito constrangimento também.

De acordo com o COI, era necessário fazer esse teste, pois de acordo com a Instituição, homens estariam infiltrados nas categorias femininas.

Situação de alívio

Depois de 23 anos, Érika Coimbra decidiu falar para ajudar as mulheres que sofreram e as que ainda sofrem por conta do teste de gênero, de acordo a com a ex-atleta, ela tem agora uma missão. “Essa minha doença, me fez porta-voz, depois que eu decidi falar, recebi muitas mensagens de mães que as filhas têm a síndrome. Estou com um grupo grande de apoio para essas meninas”, ressaltou ex-atleta.

Hoje, a medalhista olímpica, aos 40 anos deseja ser mãe em breve. “Eu vim ao mundo com má formação do útero, então a gente pensa em adotar uma criança. Em vez de eu ter essa tristeza daquela menina que perdeu a esperança de poder ser mãe naturalmente, eu ganhei uma outra esperança. Porque eu sei que uma vida precisa de mim”, finalizou.

Podcast Elas no Esporte

Desde janeiro de 2020, o podcast 'Elas no Esporte' traz a história de mulheres que se destacam no futebol, vôlei, basquete, atletismo e em várias outras modalidades esportivas. 

Serviço

Podcast: Elas no Esporte

Onde ouvir: site da Verdinha, Spotify, Deezer, iTunes e outras plataformas de streaming

Jornalistas: Denise Santiago

Contato: denise.santiago@svm.com.br