Criança autista cria o próprio álbum da Copa do Mundo no interior do Ceará

Arthur Victor é da cidade de Apuiarés, distante 118 km de Fortaleza

Legenda: Arthur Victor desenhou o próprio álbum da Copa do Mundo.
Foto: Arquivo Pessoal

Numa folha qualquer, Arthur Victor desenhou o álbum de figurinhas da Copa do Mundo do Catar. A imagem dourada do Neymar, a legend, também feita por ele, é a preferida. A mãe, Thaís Silva, explica que em Apuiarés, cidade distante 188 km de Fortaleza, onde moram, o produto não é vendido e o desejo de também possuir o álbum motivou a criança a fazer o próprio.

“Queria ganhar o álbum da Copa, o mais simplesinho. O capa dura é mais caro”, disse o menino. Com lápis de cor e canetas, Arthur tem se dedicado à arte. As cores favoritas dele são o róseo, verde e azul. Ele diz ter reproduzido o álbum da Panini em 50 minutos. Depois, juntou as páginas e amarrou com um barbante azul. Além do futebol, tem desenhos da Mulher Maravilha, Senninha e outros personagens. 

Imagem mostra álbum da copa feito por uma criança
Legenda: Arthur Victor desenhou o próprio álbum da Copa do Mundo.
Foto: Arquivo Pessoal

'O Arthur Victor queria muito um álbum da Copa e ele resolveu fazer um do jeito dele. Ele é autista diagnosticado com síndrome de Asperger. Ele também tem TDAH e, com a pandemia, vieram as crises de ansiedade. Teve momento que ele quis ser o Chaves, o Batman, já quis ser caça-fantasma, músico. Sempre deixei ele aproveitar. Ele começou a pedir tinta para fazer rabisco, pegou um caderno de 10 matérias e acabou só em desenho”, contou a mãe.

Imagem mostra menino segurando um papel
Legenda: Goku foi o primeiro desenho feito pelo Arthur.
Foto: Arquivo Pessoal

O primeiro desenho foi o Goku. ‘Ela compra o caderno e eu arranco tudo’, revelou. O aluno do 5º ano guarda cerca de 300 imagens na cômoda do quarto. Alguns aparecem embaixo da cama, às vezes espalhados, mas ele cuida de todos. Por isso, não mostra aos amigos pois tem medo que algum seja rasgado. Assim, surgiu a ideia de criar o próprio álbum. Thais relembra o momento.

“Fui nos comércios ver se tinha o álbum para comprar, mas aqui não tem. Pesquisei os preços e não é muito acessível. Pedi a ele um pouco de paciência, que eu ia me organizar para comprar o original. Ele quer muito ter esse álbum, eu disse a ele que ia dar certo. Só que como a gente mora aqui, nem tem o álbum e nem tem as figurinhas. Pelo menos pela internet a gente vê um preço que seja acessível, né?”, lembrou Thaís.

“Ele disse que é o mais raro e que precisava muito ter esse (a figurinha do Neymar). Mas agora não dá. Aí ele pegou caneta, lápis, se deitou no chão e foi procurar a figura no Google. Achou e reproduziu”. Thais registrou o momento.

AUTISMO NO BRASIL

O autismo tem origem neurológica e aparece já na primeira infância. A ONU explica que a condição* é marcada 'principalmente por interações sociais unidas, formas de aprendizado fora dos padrões e interesse particular em temas específicos. (...) Além disso, existe uma tendência para a rotina, desafios e formas de comunicação e maneiras particulares de processar as informações sensoriais."

Pela primeira vez na história do censo brasileiro, os recenseadores vão abordar o autismo nas perguntas. A busca por dados estatísticos sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é necessária para a obtenção de números oficiais sobre o tema no Brasil. 

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Até então, as estimativas são feitas com dados de organizações internacionais, como o CDC (Center of Deseases Control and Prevention), órgão dos Estados Unidos. Assim, considera-se que a cada 44 nascimentos 1 é de um autista, o que representaria uma população em torno de 2 milhões de autistas no Brasil. Esses dados vão servir para nortear mais políticas públicas inclusivas para esses brasileiros. 

"A gente espera que seja bem mais preciso. a gente sabe que é uma população muito grande e que com o aumento do diagnóstico e da própria informação, mais pessoas estão sendo diagnosticadas ou se percebendo autistas. O que tá aumentando mesmo é o diagnóstico e a compreensão do que é o autismo", disse Emerson Damasceno, presidente da Comissão de Defesa da Pessoa Autista (OAB) nacional e Presidente da Comissão PCD (OAB-CE)

Uma vez por semana, Arthur Victor e a mãe saem 5h20 da manhã de Apuiarés, em transporte da prefeitura, e vão até a cidade de Caucaia, onde há profissionais para atendê-lo. São 117.6 km de distância. Ele faz acompanhamento com psicólogo e terapeuta ocupacional. Em dias de consulta, papel, lápis de cor e muita criatividade vão junto. É também um jeito de passar o tempo.

Imagem mostra menino com camisa do Flamengo
Legenda: Arthur vestiu uniforme do Flamengo no desfile cívico.
Foto: Arquivo Pessoal

FIGURINHA DO NEYMAR, GABIGOL E FLAMENGO

‘Olha aqui o Neymar amarelo, Neymar dourado’, disse o menino enquanto mostrava a figurinha feita por ele. Mas, quando não está envolto no colorido das imagens, brinca de futebol na rua e claro que tem medo de bolada no dente.

Perguntado sobre os jogadores favoritos, ele não titubeia: “Neymar, Pedro e Gabigol. Gosto muito dele (Gabigol), mas não consigo fazer desenho realista”, concluiu. Thais e o filho brincam de fazer campeonato de desenho. Ele, claro, sempre ri da falta de jeito da mãe. 

“Ele é um menino muito esperto, muito inteligente. Eu fico muito encantada dele conseguir reproduzir. Toda mãe é coruja, mas quando olho os desenhos dele, acho incrível. Para ele é muito fácil, natural. O Arthur nunca fez curso dessas coisas de cartunistas. Tudo é ele que pensa”, afirmou Thaís.

Arthur apresentou o quarto, mostrou os segredos de quem colore a rotina de imaginação. Depois, abraçou a mãe, deu-lhe um beijo demorado no rosto e soltou um ‘te amo’. Então, generoso, olhou para mim e perguntou: ‘quer que eu te ensine a desenhar?’

Imagem mostra desenho
Legenda: Arthur desenhou a figurinha de Neymar.
Foto: Arquivo Pessoal

Imagem mostra o verso de uma figurinha da Copa
Legenda: Verso de figurinha do álbum da Copa do Mundo.
Foto: Arquivo Pessoal

Imagem mostra desenho
Legenda: Michael Jackson é um dos cantores preferidos do Arthur.
Foto: Arquivo Pessoal