Edifício Andrea passou por reforma em coluna meses antes do desabamento

Recibo que confirma o serviço foi achado em pasta nos escombros do Edifício Andrea. Enquanto a investigação sobre as causas da queda do condomínio não finda, advogado de engenheiro diz que ele não mexeu na estrutura de concreto

Escrito por Cadu Freitas , carlos.freitas@svm.com.br
Legenda: Recibo comprova reforma realizada em fevereiro de 2019

Um recibo e um orçamento de serviços de recuperação predial encontrados nos escombros do Edifício Andrea - que desabou no dia 15 de outubro deste ano, no bairro Dionísio Torres - confirmam a realização de uma reforma em uma das colunas do condomínio cerca de oito meses antes, em 28 de fevereiro de 2019. O Sistema Verdes Mares teve acesso ao inquérito que apura as responsabilidades do desabamento e o mesmo ainda está sendo finalizado pelos policiais do 4º DP (Pio XII).

Os documentos foram achados em uma pasta e teriam sido entregues pelo dono da empresa responsável pelos procedimentos, José Hamilton Martins, da H. V. Serviços LTDA, à síndica do prédio, Maria das Graças Rodrigues, morta na tragédia. O texto aponta que o "conserto em coluna e tratamento do ferro, próximo ao quadro elétrico" custou R$400. Contudo, Hamilton Martins disse, em depoimento à Polícia Civil, que "às vezes era chamado pela síndica para realizar alguns serviços".

De acordo com o empresário, durante o serviço, "foi retirada uma parte do reboco da referida coluna e feito o tratamento em um dos seus ferros, sendo utilizado para tal um antiferrugem, ou seja, um produto com a marca TF7 (um convertedor de ferrugem para base de pintura)". Hamilton Martins ainda afirmou às autoridades policiais que "chegou a ver outras colunas no Edifício Andrea que estavam precisando de reformas"; acrescentando que Maria das Graças Rodrigues demonstrou preocupação com as colunas, as quais "poderiam comprometer a estrutura do prédio".

Legenda: Serviços prestados foram em uma coluna específica do Andrea

Ao todo, a H. V. Serviços recebeu R$ 1,4 mil pelas atividades no condomínio, que ainda incluíam visita para verificação do quadro de comando; manutenção deste e da bomba de recalque com substituição de duas boias elétricas; conserto e fixação do cano ladrão da caixa d'água; e desentupimento de caixa receptora. O Diário do Nordeste tentou contatar o dono da empresa, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição

Depoimentos

O delegado que preside o inquérito sobre o desabamento do Edifício Andrea, José Munguba Neto, preferiu não comentar o andamento das investigações, mas disse que elas já estão bastante avançadas e aguarda apenas a finalização da perícia do local para concluir as apurações sobre o caso.

Embora o delegado já possua as imagens de monitoramento interno do condomínio no período correspondente às últimas 48 horas antes da tragédia, os depoimentos que constam do inquérito ainda apresentam contradições e, além disto, eles não avançam no que diz respeito à tentativa de entender como tudo aconteceu. O que salta aos olhos nas mais de 300 páginas documentais são as duas versões, muito claras, sobre o dia anterior ao desabamento.

As vítimas alegam que os engenheiros José Andreson Gonzaga dos Santos e Carlos Alberto Loss de Oliveira, juntos com o pedreiro Amauri Pereira de Souza, iniciaram a reforma nas colunas um dia antes do desabamento, em torno de 12h, conforme argumenta o zelador do prédio, Francisco Rodrigues Alves. Os engenheiros, por sua vez, negam qualquer atividade anterior à do dia fatídico e dizem que realizaram apenas a "escovação dos ferros à mostra" na manhã de 15 de outubro, tendo ido ao local um dia antes somente para deixar "materiais e equipamentos para executar o serviço", conforme diz Andreson Gonzaga.

Vídeos referentes aos minutos anteriores à queda do prédio nos quais pode ser visto o pedreiro Amauri de Souza lascando colunas; gravações realizadas por moradores na noite anterior registrando colunas envoltas por um plástico azul, além de depoimentos de vítimas e testemunhas refutam a argumentação dos profissionais vinculados à Alpha Engenharia (empresa responsável pelas obras) e colocam em xeque seus depoimentos.

Legenda: Em depoimentos, moradores do Edifício Andrea relataram que, pelo menos, cinco colunas foram mexidas entre os dias 14 e 15 de outubro
Foto: FOTO: CAMILA LIMA

O zelador do prédio, Francisco Rodrigues Alves, prestou depoimento à Polícia Civil e disse que, durante os 20 anos que trabalhou no Edifício Andrea, houve reforma nas colunas em, pelo menos, duas vezes. Nesta última, porém, ele chegou a presenciar "cinco colunas sendo reformadas, das quais foram retiradas parte do revestimento, ao ponto de ser possível ver as ferragens das mesmas", detalha.

O zelador do condomínio conta ainda que, nas outras reformas em que houve trabalho nas colunas, foram colocadas escoras, mas não nesta. Francisco Rodrigues ressalta que "estranhou o fato de não terem colocado escoras para fazer as reformas nas colunas, mas, como se tratavam de profissionais sabedores do assunto, entendeu que o procedimento poderia estar dentro da normalidade".

Outro lado

Conforme o advogado de Andreson Gonzaga, Brenno Gomes de Almeida, o que se deve extrair do depoimento do seu cliente é que ele quis dizer que "não houve intervenção estrutural". A linha de argumentação é que "eles não chegaram a mexer na estrutura de concreto e, sim, no embolso, naquele reboco que era feito de forma errada, segundo especialistas, para maquiar a estrutura daquela coluna", explica o advogado de defesa.

Legenda: Vídeos das colunas foram gravados no dia anterior por moradores

De acordo com Brenno Gomes de Almeida, "o alto grau de corrosão dos ferros já estava de uma forma a expelir o concreto". Ele antecipa que trabalhará por diversas frentes, caso Andreson Gonzaga seja indiciado pela Polícia: em cima dos depoimentos dos moradores, dos erros estruturais, da empresa que atestou 135 falhas na estrutura do edifício, das omissões dos antigos síndicos, dos próprios moradores e da Defesa Civil.

O criminalista ainda defende que o pedreiro Amauri Pereira de Souza não teria tido tempo hábil de atingir a base estrutural da coluna para que o prédio pudesse cair, uma vez que ele dispunha de um martelo e uma ponteira. "Para se tirar, com as ferramentas que o Amauri se encontrava, 1 m³ de concreto, precisava, no mínimo, de 13 a 14 horas. E isso quem diz é a própria tabela da engenharia, calculistas, peritos que estão sendo acompanhados pela defesa".

Legenda: Circuito interno gravou a intervenção instantes antes do desabamento

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