Um século vivido com paixão

Legenda: Valdemar Caracas exibe a placa em sua homenagem por ocasião dos 60 anos de fundação do PSB
Foto: Daniel Roman

Na próxima sexta-feira, completa um século de existência o fundador do Ferroviário Atlético Clube e do Partido Socialista Brasileiro (PSB), no Ceará, Valdemar Cabral Caracas, que é também o mais antigo previdenciário do nosso Estado. Lúcido e conversador, o homem que chegou a conviver por alguns anos com o cangaço será homenageado em breve com um memorial que levará o seu nome no Estádio Presidente Vargas e com um busto no Estádio Elzir Cabral.

Valdemar Caracas era um menino até certo ponto prodígio. Tanto é verdade que, em 1922, quando não tinha completado ainda 15 anos, ingressou na Rede de Viação Cearense (RVC). Quatro anos depois, um acontecimento insólito. Caracas fez “uma paródia” com o seu chefe. A brincadeira lhe custou a transferência para Missão Velha, onde muitas vezes andava armado — na época, o porte era livre-.

Na ocasião, aconteceu um episódio que jamais esqueceu. “Eu não cheguei a ver, mas estava num outro quarteirão e ouvi os tiros. O cangaceiro Isaías Arruda matou o segundo tenente Fernando Pinto e o sargento José Pereira Nascimento. Foi um acontecimento de grande repercussão na época”. Até hoje, fica exposta na sua estante uma foto sua, tirada na praça da igreja de Missão Velha, quando vinha da casa de um amigo.

Em maio último, Valdemar Caracas retornou à sua cidade natal, Pacoti, onde nasceu no dia 9 de novembro de 1907, para tirar uma foto na companhia de uma neta. “A casa ainda pertence à mesma família. Fica localizada na entrada a cidade, no sítio Pau do Alho, no primeiro quarteirão. Ali, o nosso centenário personagem foi batizado pelas mãos do Monsenhor André Tabosa. Quis o destino que, em 1936, quando era vereador em Fortaleza, Valdemar Caracas enviasse um projeto dando o nome à rua do cemitério de Monsenhor Tabosa. Sobre a 1ªmoradia, Caracas conta que o proprietário, o Silveira, foi atropelado na calçada por um jipe e morreu.

Valdemar Caracas não foi apenas o fundador do Ferroviário e o primeiro cronista esportivo do Estado. Em 1936, foi eleito vereador pelo Partido Republicano Conservador. Mas, faz questão de frisar que “não tinha compromisso partidário com o PRC”.

Socialista

Em 1947, foi um dos principais fundadores do Partido Socialista Brasileiro em nosso Estado. Caracol, como é chamado carinhosamente com os amigos, não esconde a emoção por ter sido homenageado, no último dia 21 de junho, na sede do PSB.

Ele mostra a placa na qual o PSB, “ao celebrar seus 60 anos, reverencia um de seus militantes fundadores, companheiro Valdemar Caracas, pelo pioneirismo de ter criado no Ceará um partido de luta pelos ideais socialistas e pelos princípios de liberdade e justiça social”.

Emoção

“Agradeço muito ao Sérgio Novaes — presidente do PSB— pela homenagem que muito me tocou. De todos que foram lembrados na ocasião, fui o 1º a ser chamado para receber a placa”, confessa. Sobre a política contemporânea, se diz dcepcionado. Não há nem o que comentar com tanta corrupção”.

POLÊMICA - Caracol: Leônidas era melhor do que Pelé

Apesar da idade, Valdemar Caracas continua a assistir aos jogos do Ferroviário, “desde que seja no PV. Vou com o meu neto e fico na tribuna de honra. Mas, o fundador do Ferrão não vê muitos bons valores no futebol atual.

Ele lembra que, em meados do século passado, os craques faziam a diferença. Ao contrário do que pensa a maioria dos desportistas, Caracol não vê Pelé como o maior jogador do mundo. “Não tenho qualquer dúvida em apontar o Leônidas da Silva como o melhor de todos os tempos. Ele era incomparável”. Para tornar mais polêmica ainda a avaliação sobre Pelé, Caracol engrossa o pensamento dos argentinos, segundo o qual Maradona também foi mais jogador do que o Rei do futebol. “O Pelé tinha ao seu lado o Mengálvio, o Coutinho e o Pepe . O Maradona não tinha ninguém. Resolvia tudo sozinho. Daí a explicação para esse meu ponto de vista”.

Outro jogador admirável, segundo o centenário desportista cearense, foi Mané Garrincha. “Era outro que desequilibrava individualmente”.

Valdemar Caracas teve o privilégio de ver em campo aquele que os historiadores apontam como um dos maiores atletas da trajetória do futebol cearense: Humberto Ribeiro, atacante que fez muitos gols nas duas primeiras décadas do século passado e que jogou pelo Fortaleza e Maranguape. Outra declaração polêmica de Caracol envolve um mito do nosso desporto: o goleiro Aloísio Linhares, que brilhou na década de 60 no Ceará.

“Não tenho qualquer dúvida em apontar o Aloísio como um extraordinário goleiro. Porém, melhor do que ele era o seu irmão, o Alfredo Linhares, conhecido como Galo Duro. Esse sim, era fora de série. Defendeu a meta do Ferroviário por vários anos”. Sobre outros atletas que o impressionaram, ele cita Canhoteiro e Simplício não apenas pelo bom futebol que jogavam, mas pela potência do chute de ambos.

Escolinha do Leão

O Fortaleza é na opinião do mais antigo desportista cearense o maior descobridor de jovens atletas do Estado. “Muito se fala da escolinha do Moésio Gomes. No entanto, esse trabalho começou bem antes, na década de 30, através do Valdemar Santos, cujo apelido era Gavião.

Valdemar Cabral Caracas é pai de uma filha, quatro netos e um bisneto. No ano passado, ficou viúvo de dona Anete.