Em conformidade com o Código Civil, a Convenção e o Regimento estão entre os principais instrumentos de regulamentação interna
Um dos conceitos de liberdade afirma que ela consiste em "poder fazer tudo que não prejudique o próximo". É o que diz o artigo 4.º da Declaração de direitos do homem e do cidadão, de 1789. Aqueles que elaboraram esse documento histórico em fins do Século XVIII certamente não imaginaram as relações consequentes da vida em condomínio, embora o princípio seja válido em todos os sentidos. Mas o que qualquer um que viva essa realidade moderna pode dizer é: "como são próximos nossos vizinhos".
Daí, com tantas pessoas diferentes vivendo em espaços limitados, é uma consequência natural que haja conflitos. Por isso que, mais que dividir áreas em comum, moradores de condomínioscompartilham direitos e deveres estabelecidos internamente e que também devem estar em consonância com a legislação pátria.
A Convenção e o Regimento Interno estão entre os principais instrumentos que regem tal convivência. Ambos devem se complementar, sobretudo quando houver "lacunas de entendimento".
É o que afirma a advogada Rafaela Ferraro, especialista em Direito Imobiliário, integrante da Comissão de Direito Imobiliário da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE) e coordenadora jurídica da Quepar Incorporações.
Diferença entre Convenção e Regimento Interno
A Convenção, distingue a advogada, "é um documento elaborado pela construtora no momento da constituição do condomínio. Já o Regimento Interno, como o próprio nome diz, serve para regulamentar internamente as questões mais relacionadas à convivência".
Por isso, tanto o Regimento quanto a Convenção tendem a variar de condomínio para condomínio. "Por ser mais detalhado e portar regras de convivência, de acordo com a circunstância do condomínio, o Regimento Interno deverá estar em obediência à Convenção, devidamente registrada em cartório. Ou seja, tem efeito erga omnes, o que significa que está pública e acessível para quem quiser ler". Segundo Ferraro, o Regimento Interno tem preponderância sobre a lei.
Hierarquia
O advogado especialista em Direito Imobiliário, Hebert Reis, concorda ao afirmar que é possível traçar uma sequência hierárquica das leis que regem a convivência em condomínio.
"Fora do condomínio, de forma macro, há o Código Civil. E dentro do condomínio, como forma de legislação interna, tem a Convenção e o Regimento; nessa ordem".
A Convenção, segmenta Reis, está acima do Regimento. Nela constam todas as regras de funcionamento do condomínio, incluindo os direitos e deveres básicos de todos, a forma de administração, até orientações sobre como convocar uma assembleia.
O Regimento Interno, por sua vez, vem complementar a Convenção. Por meio dele, são estabelecidas as regras de convivência, regulamento da área comum, o que todos podem ou não fazer nas dependências do prédio, etc.
“Toda e qualquer decisão, todo e qualquer ato, tem que obedecer a essa hierarquia. Um ato não pode ferir o Regimento, a Convenção, o Código Civil e nem a Constituição”.
Sendo assim, garante ele, é possível que uma decisão seja tomada dentro de um condomínio, tomando como parâmetro a Constituição. “A gente pode ter uma deliberação de assembleia que atinge princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana".
Alterações aprovadas em assembleia
Por serem adaptáveis, a Convenção e o Regimento Interno não são fixos e estão sujeitos a modificações, "a depender das circunstâncias", diz Rafaela Ferraro.
"Ao longo do tempo, os condôminos podem alterar esses instrumentos e adequá-los à realidade de vivência do coletivo de moradores ali existente". No entanto, "tudo isso poderá ser feito somente através de votação em assembleia".
Síndico: o administrador e facilitador da comunicação
Quando se fala em convivência, é importante citar o síndico e o papel central que ele exerce nos condomínios.
Ao mesmo tempo em que tem a obrigação de administrar o condomínio como um todo, o síndico também deve respeitar o direito de propriedade de cada um dos condôminos.
E atuar como um verdadeiro "facilitador da comunicação, prezando sempre pelo respeito, apaziguando eventuais conflitos” para viabilizar uma boa convivência entre todos, acrescenta Ferraro.
Responsabilidade civil e criminal
Conforme o Artigo 1.348 do Código Civil, compete ao síndico "cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da assembleia", bem como "representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns".
Ou seja, o síndico é um representante oficial do condomínio. Por isso, ele "poderá ser responsabilizado civilmente e até criminalmente, caso não cumpra as suas funções de defesa do patrimônio, direitos e deveres do condomínio e condôminos", ressalta Rafaela Ferraro.
Ela lembra que, nessa relação, o coletivo impera em prol dos condôminos. "O síndico deverá sempre prezar e adotar medidas para garantir os três esses: segurança, saúde e sossego de todos".
De acordo com Hebert Reis, as convenções de condomínios costumam “acrescentar algumas atribuições ao síndico. Então, o síndico é aquele que zela pelo interesse coletivo, pela manutenção e conservação da edificação, pela ordem no condomínio, pelo cumprimento dos normativos internos e também tem que obedecer à lei, que também traz algumas imposições. O síndico é o administrador de tudo isso”.
Nem sempre a culpa é do síndico
Apesar de toda a responsabilidade, nem sempre a culpa de todo e qualquer problema registrado no condomínio deve recair, necessariamente, sobre o síndico.
"A depender de cada caso, deverá ser averiguada a responsabilidade do síndico na condução e solução do problema, bem como se houve negligência do mesmo em alguma situação", alerta Ferraro.
Hebert Reis destaca que o síndico não pode, por exemplo, responder por um ato irresponsável de um condômino. Será responsabilizado apenas quando for omisso ou se equivocar perante suas atribuições.
“Se há um ato irresponsável praticado por um condômino contra outro, esse condômino é sim diretamente responsável pelo ato que praticou”.
Canal de comunicação
Seja por meio do tradicional livro de ocorrências, via e-mail ou até mesmo por WhatsApp, toda administração de condomínio deve abrir um canal de comunicação.
É por meio dele que os condôminos vão poder reportar ao síndico e compartilhar com os demais moradores qualquer ilegalidade, irregularidade ou descumprimento de normas verificadas no prédio.