Pesquisadoras da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) desenvolveram protocolo para a impressão em três dimensões (3D) de células neurais. A chamada biotinta é composta de polímeros naturais que permitem aos astrócitos, um tipo de célula, sobreviver por pelo menos 14 dias em laboratório após passar por uma máquina de impressão tridimensional.
A expectativa das pesquisadoras é que o estudo sirva para testar novos fármacos, identificar genes expressos durante o desenvolvimento do cérebro e modelar doenças.
O procedimento resulta em um modelo mais parecido com o tecido neural do que os obtidos pelos protocolos atuais, em que as células são cultivadas em duas dimensões. O estudo, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foi publicado no Journal of Visualized Experiments (JoVE).
Assista:
No organismo, as células são tridimensionais. Mas quando cultivadas em laboratório têm plástico embaixo e meio de cultura em cima [conjunto de substâncias que permitem a sobrevivência e a proliferação celular]. Isso é muito distante da organização natural do tecido ou do órgão, em que elas estão arranjadas de maneira tridimensional. A biotinta que desenvolvemos tenta reproduzir a relação da célula com o microambiente e com outras células
Na prática
O procedimento padronizado pelas pesquisadoras da universidade pública pode ser adaptado para estudar outros tipos celulares e atualmente está sendo aplicado pelo grupo para analisar astrócitos e neurônios infectados com o vírus SARS-CoV-2, causador da Covid-19, no âmbito de outro projeto financiado pela Fapesp.
“Estamos testando diferentes biomateriais que sejam compatíveis com células do tecido neural, não apenas astrócitos, mas neurônios e células-tronco neurais. A bioimpressão é uma técnica bastante recente na engenharia de tecidos e, ainda mais os neurais, compostos por células mais sensíveis”, destaca Bruna Alice Gomes de Melo, primeira autora do trabalho.
O protocolo foi desenvolvido com células de camundongos, mas usa materiais biocompatíveis que podem ser adaptados para o estudo de células humanas. Além de estudar doenças do sistema nervoso central num formato mais próximo ao do cérebro, o grupo liderado por Porcionatto busca materiais que futuramente possam recuperar áreas cerebrais lesionadas por traumatismo cranioencefálico ou acidente vascular cerebral (AVC).
Do que é composta a biotinta?
A biotinta é composta de insumos disponíveis no mercado, como a laminina, extraída de bovinos, um componente da matriz extracelular (moléculas que se localizam entre as células). A receita inclui ainda fatores de crescimento para as células, compostos que permitem que sobrevivam em cultura.
Também conta com um produto conhecido como gelatina metacrilada. O insumo é vendido comercialmente no exterior, mas as pesquisadoras o produzem no laboratório a um custo muito inferior ao do importado.
“Em outras composições, uma boa parte das células sobrevivia ao estresse da impressão em 3D e até se tornavam viáveis por um tempo, mas a morfologia dos astrócitos não condizia com a que é vista no tecido vivo. A gelatina metacrilada e a laminina foram essenciais”, diz a pesquisadora Bruna Alice Gomes de Melo.
Após passar pelo bico ejetor da impressora, a biotinta, que tem aspecto de um gel, é disposta em camadas. Em poucos dias, os astrócitos começam a se replicar e têm um comportamento similar ao que apresentam no tecido nervoso.
O objetivo agora é aumentar a complexidade do protocolo. Além dos astrócitos, o estudo com SARS-CoV-2 usou uma biotinta com neurônios e uma terceira que combina os dois tipos celulares. Em breve, as pesquisadoras devem incluir na mistura células-tronco neurais.