Legislativo Judiciário Executivo

Ainda estudante, Célia Marinho não compreendia o motivo para o então distrito de Chorozinho, na Região Metropolitana de Fortaleza, ser ligado a Pacajus. O dia a dia da escola, as autorizações para realizar jogos e outras movimentações, tudo precisava passar pela localidade vizinha. 

O movimento dos “mais antigos” em busca da emancipação foi acompanhado por ela e por amigos, cuja contribuição “talvez não fosse tanta”, mas era movida pelo sentimento de que “queriam participar também”. O resultado foi a elevação de Chorozinho a município, em 1987, por meio de decreto estadual. “Eu conheço e sei contar a história, sem ter sido só contada por alguém. Eu vivenciei também”, destaca.

Quase quatro décadas depois da emancipação, Célia Marinho foi eleita, em 2024, para a Prefeitura de Chorozinho, cidade da Região Metropolitana de Fortaleza. A segunda mulher na história do município a assumir o comando do Executivo municipal. Ou, como ela mesma define, Célia Marinho passou a ser “instrumento” para contribuir com o crescimento da cidade. “Eu me vejo como um instrumento desse crescimento. Está lá minha mão”, destaca.

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Legenda: Célia Marinho atuou como vereadora, secretária municipal e foi eleita prefeita de Chorozinho em 2024
Foto: Fabiane de Paula

O caminho para chegar ao comando da Prefeitura teve uma “escala em cargos de gestão”. Formada em Pedagogia, ela atuou como professora “do chão de sala de aula” e também como servidora de secretarias estaduais. Depois, assumiu a diretoria em escolas de Fortaleza e de Chorozinho. 

Na política, foi eleita vereadora para quatro mandatos — o primeiro deles iniciou em 2005. Exerceu dois deles, mas, nos seguintes, se afastou do Poder Legislativo para assumir a Secretaria de Educação de Chorozinho durante a gestão do antecessor, o ex-prefeito Júnior Castro, cargo no qual permaneceu por seis anos.

Então, voltou à Câmara Municipal de Chorozinho para assumir a presidência da Casa, cargo no qual ficou por dois anos, até 2024, quando foi escolhida candidata à Prefeitura. “Foi um aprendizado e eu fui crescendo nessa questão mesmo da liderança e da gestão”.   

Veja vídeo:

Esta reportagem integra a série “Prefeitas do Ceará”, em que o PontoPoder narra a trajetória política de mulheres que alcançaram a chefia do Executivo municipal em cidades cearenses. A série mostra a rotina como gestora municipal, os desafios enfrentados no caminho e o legado que pretendem deixar como prefeitas — muitas delas tendo sido a primeira mulher a alcançar o cargo.

‘Será que vai dar conta?’

O envolvimento de Célia Marinho com a política começa ainda na juventude. Em Chorozinho, participou de movimentos para a emancipação do então distrito — “mesmo que só em número” —, mas também estava presente em outras movimentações, como limpeza da cidade e mesmo em defesa de animais de rua.

Essa  “atitude de cuidar”, como define, ela herdou dos pais. “Eles tinham uma história de luta aqui, mas não como políticos candidatos”, explica. O envolvimento era ‘indireto’, com a própria casa sendo ponte entre os políticos e quem precisasse de ajuda. 

A ida para Fortaleza para cursar Pedagogia na Universidade Estadual do Ceará (Uece) trouxe novos capítulos: “Eu participava do diretório, participava dos movimentos, ia pra rua também quando era preciso", conta. “Não só por gostar, eu entendia a necessidade de estar lutando. (...) Eu volto aqui, para o município, e também sigo a mesma linha”. 

“Mas a minha ideia não seria da (participação) política como candidata, até porque eu tinha um preconceito com a questão, (achava) que o político não prestava”, pontua.  A decisão para ser candidata pela primeira vez, para uma cadeira na Câmara Municipal de Chorozinho, veio por incentivo externo e acabou dando certo: são duas décadas de mandatos eletivos — quatro como vereadora eleita, um como suplente de vereador e, agora, o de prefeita. 

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Legenda: Mesmo com experiência política, inclusive como presidente do Legislativo, Célia enfrentou desafios
Foto: (1) Reprodução/ (2) Reprodução/ (3) Fabiane de Paula

Ela lembra  que, lá no início, o cenário para mulher na política “era bem pior”. “Evolui muito”, reforça a gestora municipal. O que não significa que, agora, 20 anos depois, Célia não tenha enfrentado obstáculos na campanha para o Executivo municipal, e mesmo depois de sentar na cadeira de prefeita.

“Na minha campanha, a dificuldade maior foi provar a capacidade”, diz. “O fato de ser mulher gera um pouco de desconfiança. ‘Será que vai dar conta?’ Será que vai conseguir levar o município?'”, cita a prefeita, relembrando inclusive que havia comparativos diretos com o antecessor.  

“Um senhor idoso olhou para mim e perguntou ‘a senhora tem certeza que a senhora vai substituir o Dr. Júnior?’. Como quem diz assim: ‘você vai ter condição?’ Essa pergunta dele é muito o que as pessoas não têm coragem de dizer, mas é o que elas pensam”, diz. 

Como prefeita, houve episódios em que era a única mulher presente nos ambientes — seja em reuniões, seja na visita a obras, exemplifica. “Mas eu faço que eu não estou ouvindo e não estou entendendo. E eu vou para cima do jeito que eu entendo (ser o melhor)”, afirma.  

“Eu fico feliz quando me vejo no papel de liderança, quando me vejo como gestora. E digo muito isso, não é o fato da gestora, de ser a prefeita, que coloco o salto... Não existe isso. Mas o que acho importante é que outras mulheres possam se olhar para mim e dizer: ‘Rapaz, a Célia consegue, por que que eu também não consigo?’ E vai para cima”.

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A vitrine na Educação

Apesar de relatar os desafios enfrentados ainda hoje por ser uma mulher na política, assim como a “descrença” que percebeu durante a campanha para a Prefeitura, Célia Marinho considera que conseguiu vencer “muito” desse problema. “Eu superei muito já, porque me viram como a figura de uma gestora, que eu fui, e que deu resultados”, diz. 

Ela referencia o período em que presidiu a Câmara de Vereadores e, principalmente, os anos à frente da pasta de Educação de Chorozinho. “Como secretária, eu tive o olhar de gestora, porque eu acabei me envolvendo muito e a gente deu um salto muito grande na Educação. A gente virou referência na época em que eu fui secretária”, afirma.

A Educação foi inclusive o foco da primeira agenda externa de Célia Marinho no dia em que o PontoPoder visitou Chorozinho para acompanhar um pouco da rotina da prefeita, no mês de dezembro. Ela participou do encerramento de uma das turmas do Centro de Formação Especializada de Educação do município — quando foi apresentada como a “prefeita da Educação”. 

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Legenda: A Educação é uma das pautas prioritárias de Célia Marinho, chamada de 'prefeita da Educação'
Foto: Fabiane de Paula

“É a pauta do meu coração”, revela Célia Marinho. Ela fala do “orgulho” de ter feito “história junto” com a equipe responsável pela Educação na cidade e comemora os resultados alcançados ainda como secretária municipal. “Foi um período em que a Educação do Chorozinho ficou referência para o estado. Nós chegamos a ser escola nota 10, nós chegamos a ser a melhor escola da região. (...) Tivemos um crescimento que todo mundo ficou olhando Chorozinho de forma diferente”, conta. 

Como prefeita, a Educação continua sendo prioritária, inclusive com a realização de reformas em escolas municipais, com o desejo de estruturar as escolas da zona rural, entregando-as “totalmente revitalizadas” para a comunidade, assim como de implementar o Centro de Educação Especializada, voltado ao atendimento de crianças neuro divergentes e suas famílias.

Desafios e as ferramentas para uma boa gestão

A perspectiva de aumentar o número de obras realizadas durante a gestão à frente da Prefeitura não é restrita à Educação. Célia cita, por exemplo, o lançamento do programa “Avança Chorozinho”, com dez projetos a serem implementados, que passam pela construção de escolas, quadras, garagens, dentre outras estruturas. 

O acompanhamento dessas realizações acontece semanalmente, com a equipe de engenharia da Prefeitura. Em um quadro, a prefeita aponta o que está em andamento, o que ainda precisa de recursos para ser iniciado e aquilo que está pronto para ser entregue à população. 

No dia da visita da reportagem, esse foi o primeiro compromisso da prefeita, que aproveitou a ida para o prédio da Prefeitura para apresentar a equipe que compõe a gestão. Ainda durante a visita da reportagem ao município, a prefeita visitou algumas obras, como o novo local da Secretaria de Cultura de Chorozinho e a garagem municipal. 

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Legenda: A rotina da prefeita incluiu reunião com engenheiros e arquitetos, além da visita a obras
Foto: Fabiane de Paula

O “Avança Chorozinho” é destacado por Célia como um programa nascido neste primeiro ano de mandato na Prefeitura. Mas, continua a gestora, muitos projetos e ações são uma continuidade daquilo iniciado durante a gestão do antecessor e aliado Júnior Castro – o que tem vantagens e desvantagens. 

Ela relembra que foi a “candidata natural” do grupo político e admite as facilidades encontradas ao suceder a gestão do ex-prefeito, da qual inclusive fez parte como secretária municipal. “O ganho é encontrar arrumado. Quando está desarrumado, é muito complicado. Porém, para o prefeito que entra e está desarrumado, tem mais visibilidade, porque se tá tudo desarrumado e você arruma, é bom demais”, explica. 

Para a prefeita, o desafio ao dar seguimento é que as ações passam a ser vistas como “naturais” para a população, o que pode impactar na forma como a atual gestão é vista. “O cuidado que, para mim, é super importante, às vezes não tem, para o olhar da pessoa, a mesma importância”, argumenta. 

Essa preocupação, no entanto, não impede que Célia siga no intento de ser “um instrumento do crescimento” de Chorozinho, como dito por ela no início desta reportagem. E as ferramentas para efetivar essa vontade foram adquiridas por ela durante as diversas vivências que teve ao longo da trajetória, tanto a política como a profissional. 

A experiência como vereadora, que permitiu o conhecimento da legislação municipal, mas também a proximidade com a população — “o vereador é onde bate primeiro o problema” — contribui com a atuação no Executivo municipal. 

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Somado a isso, a vivência e também a formação na gestão. “Eu fui estudar mais nessa área. Tenho curso de especialização em gestão, fiz curso na UFC (Universidade Federal do Ceará). Desde quando eu fui ser diretora, eu fui trabalhar mais esse foco na gestão”, pontua. “E hoje, como prefeita, isso me ajuda muito”.

“Para mim, o maior ensinamento desse meu percurso é conseguir trabalhar em equipe com muitas mãos, porque sozinho você não consegue realizar o projeto”, acrescenta. Ela reforça que, “independe de ser a mulher ou o homem”, é preciso saber justamente “dar as mãos” em prol de um objetivo comum. Para ela, essa meta é “seguir avançando cada dia mais no município”.

“E eu hoje tenho essa felicidade… É um orgulho, não enquanto pessoa, enquanto orgulho pessoal, mas é um orgulho de cidadão mesmo chorozinhense que está vendo o Chorozinho crescer", diz.

"Eu, mulher, filha de Chorozinho, fazendo parte desse crescimento. E eu não tenho nenhuma dúvida: Chorozinho vai avançar muito ainda. Já avançou e vai avançar muito com a força de mulheres como eu e como muitas outras que nós temos aqui”.