Nos últimos anos tem se fortalecido associações pejorativas à alcunha feminista. O processo não é de todo novidade. Historicamente o feminismo foi tratado com desprezo e depreciação pelos mais diversos seguimentos da nossa sociedade. Desse modo, mesmo pessoas engajadas em discursos e atitudes importantes para a emancipação feminina hesitam afirmar que são feministas. Diante dessa constatação, o questionamento que nos cabe fazer é: sabemos realmente do que se trata o feminismo?
Em primeiro lugar, o ideal seria se referir à feminismos e não feminismo. Isso porque engloba perspectivas e iniciativas que adensam uma grande pluralidade de ideias, com posicionamentos políticos que nem sempre convergem. Todavia, existem elos que representam essa categoria: o reconhecimento da desigualdade de gênero e a luta pela equidade de direitos são alguns deles. Desse modo, a titularidade feminista não pode ser reduzida à uma identidade, não é apenas uma perspectiva, mas sim representa modos de perceber o mundo, que envolvem consciência acerca das ações misóginas de um sistema que é estruturalmente patriarcal, profundamente hierarquizado, violento e excludente para as mulheres. Ser feminista portanto é, no mínimo, reconhecer essa desigualdade e admitir que é crucial modificá-la.
Tal desigualdade pode ser facilmente atestada em muitos dados disponibilizados por pesquisas e estudos, como por exemplo pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) através do Mapa da Violência (2021). O relatório aponta que a cada minuto oito mulheres são agredidas no Brasil; uma em cada quatro mulheres sofreu algum tipo de violência em 2020; e as mulheres correspondem a 89% das vítimas de violência sexual.
De acordo ainda com outra pesquisa, intitulada Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil (IBGE, 2017), as mulheres ocupam apenas 39% dos cargos gerenciais no país, mesmo sendo mais escolarizadas. Ainda que contratadas em atividade laboral fora de casa, mulheres dedicam oito horas a mais do que os homens em trabalhos domésticos. No senado as mulheres estão ocupando apenas 16% dos cargos; entre os deputados federais apenas 10%. Isto posto, ser feminista é questão de reconhecimento, resistência, equidade e especialmente sobrevivência.
Priscila Nottingham é doutoranda em Políticas Públicas e pesquisadora do Observatório de Violência contra a Mulher (OBSERVEM) pela Uece