Como conciliar as ações de telemarketing e a proteção de dados pessoais?

Escrito por Grupo de Estudos da Comissão de LGPD da OAB/CE ,
Telemarketing
Foto: Shutterstock

Não é de hoje que sociedades empresariais se utilizam de ações de telemarketing para promoção de vendas e serviços aos seus clientes ou potenciais clientes (prospects).

Com o avanço da tecnologia, notadamente nas áreas de big data e analytics, o setor da publicidade criou diversos tipos de anúncio, cada vez mais personalizados, a partir dos interesses e preferências dos consumidores.

A publicidade personalizada, ou publicidade comportamental, pode trazer alguns benefícios tanto para o consumidor quanto para as empresas. Do ponto de vista do consumidor, a publicidade personalizada contribui com o conhecimento de produtos e serviços de seu interesse, auxilia na comparação de produtos e serviços de diversos concorrentes e aumenta o poder de escolha e negociação de preço. Da perspectiva das empresas, a publicidade comportamental cria conexões com grupos de consumidores específicos e otimiza os investimentos em anúncios mais assertivos.

O problema surge quando essas ações de telemarketing não respeitam os direitos e garantias assegurados aos consumidores pela legislação brasileira. A problemática vem sendo debatida por diversas entidades dos setores público e privado, com algumas iniciativas já implementadas, tais como a proibição de ligações realizadas por robôs, bloqueio dos números de empresas que extrapolam o limite de cem mil chamadas por dia, uso do código 0303 pelas operadoras de telemarketing e implantação do “Não Me Perturbe”.

Ocorre que as referidas iniciativas não foram suficientes para resolver o problema, razão pela qual se verificam inúmeras reclamações dos consumidores em todo o Brasil, relacionadas a ações de telemarketing ativo – muitas vezes abusivo - que causam transtornos e aflições passíveis de reparação judicial.

Diversas decisões judiciais reconhecem que a realização de múltiplas ligações, diárias, ofertando de produtos e serviços, ultrapassa a esfera do mero aborrecimento, configurando dano moral que deve ser indenizado ao consumidor.

Apoiada neste entendimento, a Secretaria Nacional do Consumidor - SENACON, vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, em julho deste ano notificou entidades de diversos setores para cumprimento de medida cautelar, deferida nos autos de procedimento administrativo, que determina a suspensão dos serviços de telemarketing ativo abusivo em todo o Território Nacional, consubstanciado  naquele que visa o contato com o cliente para oferta de produtos ou serviços sem o prévio consentimento do consumidor, que somente poderá ser abordado por telefone se expressamente tiver manifestado interesse neste sentido.

Referida medida cautelar busca fundamento nos princípios e diretrizes do Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei nº 8.078/1990) e da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD (Lei nº 13.709/2018). 

Neste particular, a medida cautelar da SENACON tem sido objeto de críticas, uma vez que restringe as ações de telemarketing somente para as situações em que o consumidor consentir previamente.

De acordo com a LGPD, o consentimento é uma de várias hipóteses que autorizam o tratamento dos dados pessoais. Assim, a depender da natureza dos serviços, do objeto do contrato e das legítimas expectativas do consumidor - titular dos dados pessoais - as ações de telemarketing poderiam ter por fundamento outras bases legais previstas na LGPD, a exemplo da “execução de contrato’’ ou “legítimo interesse”.

Nada obstante o debate sobre a base legal apropriada, as ações de telemarketing precisam respeitar os consumidores, devendo as empresas adotarem todas as medidas técnicas, de segurança e administrativas aptas a proteger os dados pessoais do seu titular, com o objetivo de assegurar os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade do cidadão.

Por último, vale lembrar que em caso de descumprimento da lei geral de proteção de dados, pode o ofendido buscar a Autoridade Nacional de Proteção de Dados e peticionar, eletronicamente, formalizando sua reclamação no canal de atendimento do órgão.

Esse artigo foi produzido pelo Grupo de Estudos da Comissão da Lei Geral de Proteção de Dados da OAB/CE.