Após ter câncer e perder uma perna, paratleta pensou que todas as suas chances estariam perdidas. Redescobriu-se no basquete em cadeira de rodas e retomou o caminho até o sonho de infância: estar na Seleção
O futebol com os irmãos era a brincadeira preferida de Oara Uchôa. Entre dribles e gols no campo improvisado, a menina desejava ser a próxima Marta, ostentar a amarelinha. Cheia de energia, a garota de 11 anos não tinha medo de brincar, se sujar e cair. E justamente uma queda de bicicleta e um ferimento na perna, que não sarava, trouxeram o diagnóstico de osteossarcoma. “A população infantil é acometida por alguns tipos de câncer. O osteossarcoma vai acometer pacientes que variam de 3 a 22 anos, mas a maioria é no início da adolescência, mais ou menos aos 12 ou 13. A maioria acomete o fêmur. Quase 85% vão acontecer na perna”, explica a especialista em onco-hematologia, Paola Tôrres.
Oara passou por cinco médicos até chegar ao diagnóstico final. Buscou o tratamento cirúrgico, removendo o tumor e passando por sessões de quimioterapia. Com seis meses, o câncer retornou, e a jovem teve que tomar uma escolha difícil. “Minha perna inchou, o ferimento não cicatrizou e precisaria tirar a perna. Não queria, porque desejava ser jogadora de futebol. O médico disse que teria que escolher. Precisaria tirar se quisesse viver”.
Escolheu viver. O baque veio assim que saiu do hospital, aos 13 anos. Oara se sentia diferente e muito incomodada com os olhares de piedade. Para se esconder, preferia ficar em casa, isolada e até deixou de frequentar a escola. “Para mim, a vida acabou ali. Entrei no hospital de um jeito e saí de outro. Foi muito difícil voltar a viver com normalidade”, conta.
Em casa, o apoio da família foi fundamental no período em que Oara ainda se adaptava à nova condição. Segundo a psicóloga Ana Frota, a família é um dos pilares fundamentais nessa fase que Oara passou. “A família tem que entender a perda. Viver um tempo de luto para oferecer às pessoas um espaço. Que a família não seja mais uma a julgar”.
Um recomeço
No fim do tratamento do câncer, a quimioterapia pode gerar atrofia muscular, que ocorre quando há perda de massa muscular e o paciente sente muita dor ao fazer qualquer tipo de movimento.
“O exercício pode ser útil também nesse caso. A atividade deve ser mais frequente que intensa. Caminhar, dançar, andar de bicicleta, fazer yoga, pilates são alguns dos exemplos. Mas é de extrema importância respeitar os limites do corpo”, aconselha o cirurgião oncológico, Diego Bezerra.
A busca por uma readaptação levou a menina à natação. As piscinas foram a porta de entrada para o esporte adaptado na vida de Oara Uchôa. Os exercícios na água colaboravam na socialização e no equilíbrio, mas não traziam muito prazer. “Fazia natação, mas sem amor ou vontade. Durante a natação, me filiei a Adesul (Associação D’eficiência Superando Limites) e nela tinha o basquete. Fui convidada por um amigo. Conheci o basquete e depois migrei paro o handebol, mas nunca deixei o basquete”, conta.
Oara chegou a participar de algumas competições no handebol e até chegou a ser convocada para a pré-seleção, mas o grande amor no esporte acabou sendo mesmo o basquete adaptado.
“Eu me senti mais forte depois que comecei a praticar o esporte, porque eu era meio sedentária, fiquei deficiente aos 13 anos. Então, conheci o basquete com 19. Para mim, ele trouxe uma mudança radical na minha vida, foi a melhor coisa que me aconteceu. O basquete me trouxe para a vida. Não abandonei mais e é amor para o resto da vida”.
A psicóloga Ana Frota diz que o corpo humano funciona como um conjunto. Quando trabalhamos o corpo, psicologicamente nos sentimos melhor. As atividades físicas são fontes de adrenalina e serotonina, aumentam o prazer e a alegria. “A atividade física pode liberar emoções e sentimentos, desbloqueando partes do corpo que ficam bloqueadas. É um processo muito importante. A atividade física é capaz de dar aquele sentimento de que é capaz. Uma sensação de ‘sou capaz, sou diferente, mas não sou desigual’”.
Desejo de infância
Além do prazer, o basquete em cadeiras de rodas proporcionou muitas vitórias a Oara. Entre elas, estar na sonhada Seleção Brasileira. Aos 24 anos, a esportista está na Seleção Paralímpica de Basquete em cadeira de rodas e está a caminho de Lima, para a disputa do Parapan, brigando por uma vaga na Olimpíada de Tóquio 2020.
“O caso de Oara é muito especial. Ela está no esporte há quatro, cinco anos, e na primeira vez que ela pisou na quadra falou: ‘Professor, eu quero ir para a seleção’. Na hora, me assustou por uma atleta daqui já almejar seleção, mas claro que não disse nada, pelo contrário. Disse que ela ia conseguir. A prova está aí”, revela Lídio Andrade, treinador da atleta e coordenador do basquete na Adesul.
Assim como Oara, outros atletas da Associação D’eficiência Superando Limites também buscam o esporte de alto rendimento. “Um dos principais pontos do esporte é a autoestima. Hoje, a gente trabalha com o esporte de rendimento, porque o próprio atleta busca isso, mas o foco do esporte é resgatar. Tirar de casa, da ociosidade e mostrar que a vida continua”, explica o treinador.
Atualmente, Oara tem se dedicado a treinos intensos na preparação para o Parapan, entre 23 de agosto e 1º de setembro. Apesar das mudanças de trajeto durante o caminho, a atleta conseguiu realizar o desejo de defender a seleção do Brasil e foca na próxima conquista: medalha de ouro e classificação para a Olimpíada de 2020. Não virou uma Marta, mas é a Oara de muitas vitórias para comemorar.