´Já me vejo em 2016 no Aterro do Flamengo´

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* VELEJADORA

Depois da medalha de bronze em Pequim 2008, a velejadora Isabel Swan está dando início a uma nova fase. Ao lado de Martine Grael, ela já mira as Olimpíadas do Rio de Janeiro

Como começou sua paixão pelo mar e pela vela? Teve total influência de seu pai, Robert Swan (velejador)?

Eu comecei bem novinha, com oito anos. Aprendi a velejar em Niterói, muito por incentivo do meu pai. Principalmente porque ele já fez campanha olímpica, sempre velejou. Então ele me incentivou bastante. O pai dele velejava, assim como o pai da minha mãe. Isso tudo influenciou bastante para que eu seguisse no mundo da vela. Mas a paixão mesmo foi despertada aos onze anos de idade, quando eu comecei a competir em Brasília. E eu sou competitiva pra caramba. Passei a sentir o gostinho.

Até que ponto o fato de ser mulher, e ainda por cima bonita, ainda atrapalha no esporte?

Você tem que tomar cuidado, porque às vezes você é julgada só por ser bonita. A gente tem sempre que provar que tem outros atributos que não esse, ou relacionados a isso. Mas por outro lado também ajuda, né? Uma estampa bonita atrai as pessoas, de certa forma. Mas não penso muito nisso. Quanto estou velejando, disputando campeonato, a última coisa em que penso é na parte física. Nunca faço as unhas. Minha mão fica grossa, calejada. O cabelo é como tiver, porque está sempre com água salgada do mar. Acho que é bom ter cuidado para não ser julgada só pela estampa.

Você já foi modelo de passarela. Foi muito difícil a decisão de deixar os desfiles para ingressar no esporte?

Com treze anos, eu media um metro e oitenta e todo mundo dizia que eu tinha que ser modelo. Comecei com quatorze e eu já não cabia dentro de um optimist (barco menor, para iniciantes), só estava correndo algumas regatas com meu pai esporadicamente e aí segui aquilo. Só que me cansava um pouco essa história de cabeleireiro, salão... não é muito o que mais curto. Gosto mesmo é de esporte. E eu vi que para praticá-lo teria que ficar forte. Ficar magrinha não dava. Aí optei pelo esporte, por estudar. E, graças a Deus, consegui conciliar o esporte com o estudo, o que acho muito importante. Atualmente, sou formada, faço MBA em Gestão de Projetos. Tem que manter um plano B, formação intelectual é importante também.

A vela é mesmo um esporte que tem como característica o dom passado de pai para filho?

Tem muito dessa tradição de ser um esporte passado de pai para filho. A família Schmidt, com o Preben Schmidt, que foi o precursor, avô do Torben Grael. Tem a minha família, com a minha madrinha, a Cláudia Swan, que foi a Barcelona em noventa e dois e me inspirou muito. Ela foi e me trouxe brindes da Olimpíada. Aquilo me estimulou demais, marcou muito minha vida. Agora, o filho dela (Caio Swan) foi campeão brasileiro. Então isso é passado de pai para filho. Muito de família para família. Mas também tem pessoas que gostam e estão cada vez mais correndo atrás. É o caso da Fernanda (Oliveira, parceira de Isabel na conquista do bronze em Pequim), cuja família não tem tradição. Tem uma menina do Rio de Janeiro que também está se destacando numa modalidade nova, a match race, a Juliana Mota, que também não vem de família tradicional na vela. Ou seja, há casos e casos. Mas a tradição facilita o caminho.

Descreva a sensação de ganhar uma medalha olímpica.

Na hora foi um misto de felicidade, de um certo alívio, porque foi uma pressão danada lá na Olimpíada. E ao mesmo tempo foi uma sensação de dever cumprido e segurança de que sou capaz de fazer aquilo que me proponho a fazer. Foi essa segurança que ganhei quando pulei dentro da água, quando eu e a Fernanda comemoramos. A conquista da medalha vai permear minha vida para sempre, porque vai me dar mais força para acreditar nos meus sonhos.

Você é bem mais alta que sua parceira em Pequim, a Fernanda Oliveira (ela tem 1,62m e Isabel tem 1,80m). Essa diferença entre as duas atrapalha ou ajuda nas competições?

Essa diferença de altura é importante, porque na minha posição é preciso ter uma alavanca grande. Eu fico pendurada para fora do barco, numa fralda, que a gente chama de cinta de estratégia (Isabel faz a função de proeira). Quanto maior a distância que eu estou do barco, maior o ´momento´. Fisicamente é explicável, porque meu corpo faz mais força em relação à vela. A minha parceira precisa ser menor, pois o lugar onde ela fica (função de timoneira) não pode afundar muito a popa do barco. Tem que ficar ali, equilibrada naquela posição. Então ela é um pouco mais leve, o peso dela não faz tanta diferença.

Por que vocês deram fim à parceria? Qual foi o momento em que a dupla decidiu que era hora de se separar?

Foi quando retornei da Olimpíada, senti que o ciclo foi fechado. Eu já estava morando sozinha em Porto Alegre havia quatro anos, sentia saudades do Rio de Janeiro, dos amigos e da família. Fiz grandes amigos no Sul, foi ótimo. Mas a volta foi pelo fato de ter a família longe, de querer voltar para casa e fazer uma campanha olímpica sozinha. Comecei a fazer de (classe) laser radial (barco individual). Mas como era ano de crise, não consegui patrocínio. E, além disso, o caminho seria mais longo. É como se na natação eu mudasse de nado crawl para costas. Então optei por fazer uma outra campanha com uma nova dupla, um novo expoente da vela, que é a Martine Grael. Ela vem com a vitalidade e eu com a experiência. As duas somam muito. Eu, por ter essa segurança, por já ter passado por uma campanha olímpica de sucesso, e poder fazer a gestão desse projeto. E a Martine, por trazer uma vontade muito grande de aprender, uma facilidade, uma entrega ao nosso projeto, só pode mesmo somar.

Espera estar competindo ainda em 2016? Afinal, para alguém que nasceu no Estado do Rio de Janeiro, a disputa teria um gostinho especial, não?

Todo dia que passo ali na Praia do Flamengo, no Aterro, eu imagino, porque ali vai ter uma arquibancada para dez mil pessoas com um telão para passar a medal race. Eu penso: ´nossa, já pensou eu aqui, correndo, defendendo o Brasil debaixo do Pão de Açúcar em 2016?´ Se Deus quiser, vou trabalhar para que isso aconteça.

Na sua visão de atleta, o que ocorreu nos Jogos Pan-americanos em 2007 que não pode voltar a ocorrer em 2016 no Rio de Janeiro?

Acho que o legado do Pan foi mal utilizado, mal aproveitado. Foi gasta muita verba em cima da hora, em função de atrasos. De repente o planejamento é que não foi dos melhores. Mas acredito que o Pan foi uma lição para os gestores e provavelmente a Olimpíada vai ser melhor em função desse acúmulo de experiência que o Pan ofereceu. Acho que o importante é que todos tenham acesso à Olimpíada. Porque ter que comprar ingresso caro é complicado. Tem que haver um critério de seleção para que o evento seja democrático e projetos que utilizem os centros de treinamento. Têm que ser aproveitados após a Olimpíada, tem que já montar programas para aproveitar esse legado a partir de agora. Assim, à medida em que se vai construindo uma piscina, uma quadra, um estádio novo, vai se planejando, criando um projeto para a utilização disso no pós-Jogos.

Na sua opinião, como seria possível fazer da vela, um esporte visto como elitizado, uma atividade mais popular no País?

É possível. Mas na minha opinião é um trabalho que tem de ser feito a médio, longo prazo. Primeiro, tornando a construção de um barco algo mais barato, mais popular no Brasil. Para barcos olímpicos isso demanda uma licença, algumas burocracias que são mais demoradas. Mas há projetos como o Grael, que utiliza barcos mais antigos e que ensina as crianças a velejarem, mexerem com fibra, com motor, com tudo relacionado ao mar. Esse projeto tem formado juízes de regata, pessoas para trabalhar com a Confederação de Vela. Coisas para tornar essas crianças profissionais do meio marítimo. Acho que isso é um caminho. Nem todos vão ser atletas de elite. É complicado. Mas iniciativas que unam a inclusão social com o lazer são as mais benéficas, porque podem atingir um maior número de pessoas.

Em que momento você acha que deve se encerrar a obrigação governamental no apoio ao esporte e começar a parte da iniciativa privada?

Acho que os dois têm de trabalhar em conjunto. A iniciativa pública primeiro fomentar, se envolver, e depois a iniciativa privada investir, patrocinar, por que não? Marketing esportivo e a responsabilidade social estão muito agregados ao desenvolvimento desses programas. As empresas do Brasil tem que dar mais atenção ao esporte, investir mais, porque o valor que elas agregam, colocando a marca, fazendo trabalhos bonitos, sociais, faz toda a diferença.

E ainda produz filmes relatando as competições? Como anda esse trabalho?

Ainda estou fazendo. Tem uma amiga minha francesa que está me acompanhando. Esteve comigo na campanha em Pequim. Vai vir agora ao Brasil para fazer uma gravação com a Martine nesse início de campanha para Londres. Ela acompanhou também a escolha do Rio para sede olímpica. E a ideia é lançar esse documentário em 2016.

Fique por dentro
Preparação

Isabel Swan está treinando junto com a jovem Martine Grael, filha do medalhista de ouro olímpico Torben Grael, há mais de cinco meses.

Neste final de semana, a dupla está competindo pelo Campeonato Brasileiro da Classe 470, disputado desde a última quinta-feira na represa de Guarapiranga, em São Paulo/SP.

No final do mês de fevereiro, o desafio passa a ser o Pré-Olímpico da Classe 470, em Brasília/DF, que vale vaga na equipe que vai se preparar para as Olimpíadas de Londres em 2012. Mas antes, a dupla participa de uma competição importante no calendário da vela, a Miami Olympic Classes Regatta, no fim de janeiro, nos EUA.

Em dezembro último, Isabel esteve em Quixadá, para participar do programa "Esporte na Minha Cidade", da Secretaria do Esporte do Estado (Sesporte). A velejadora ofereceu uma palestra a estudantes da rede de ensino público do município, e revelou um pouco mais de sua trajetória esportiva à plateia. A reportagem acompanhou a atleta na viagem para Quixadá, e, no voo de volta, ela concedeu esta entrevista com muita simpatia, apesar de ter se sentido um pouco enjoada, devido às turbulências enfrentadas pelo avião.

PERY NEGREIROS
REPÓRTER