Em momento delicado, Guarani de Juazeiro completa hoje 80 anos de fundação

Segundo time mais antigo do interior do Estado, o "Leão do Mercado" amarga um dos momentos mais difíceis de sua história na terceirona cearense

Legenda: Guarani campeão de 1962. Em Pé: Chiute, Valdir, Pitaguari, Mormaço, Borracha, Gonçalo. Agachados: Tetéu, Índio, Alexandre, Anduiá, Chagas e Daniel.
Foto: Arquivo Pessoal/Wilton Bezerra

O relógio marcava 31 minutos do segundo tempo com o Guarani de Juazeiro vencendo o Iguatu por 1 a 0, no Estádio Inaldão, em Barbalha. O resultado levava o rubro-negro à terceira colocação da primeira fase do Campeonato Cearense da Série B. porém, no minuto seguinte, o atacante Otacílio Neto aplica a chamada “lei do ex” e empata a partida.

Resultado final: 1 a 1. Com a surpreendente vitória do União por 1 a 0 sobre o seu grande rival, o Icasa, o time juazeirense saiu do grupo de classificados para a última colocação, sendo rebaixado para a terceirona estadual de 2021. É neste contexto, em um dos momentos mais difíceis de sua história, que o Leão do Mercado completa, hoje (10), 80 anos de fundação — o time mais antigo em atividade da região do Cariri.  

“Essa queda foi brutal para quem ama o Guarani”, define o comentarista esportivo e colunista do Diário do Nordeste, Wilton Bezerra, que nutre paixão pelo Leão do Mercado. Wilton teve seu primeiro contato com o rubro-negro ainda quando trabalhava como operador de som, nos serviços de publicidade dos auto-falantes do Centro de Crato, no início da década de 1960.

Admiração

Um timaço do Guarani entrou em campo no antigo campo do Wilson Gonçalves, em Crato, e como o comentarista descreve “foi admiração à primeira vista”.

Aquele time de Veludo, Gonçalo, Chiute, Pitaguari, Índio, Vicentinho. Depois vieram jogadores como Azul, Cirineu, Dequinha. Continuei torcendo pelo Guarani, como profissional, não deixei de lado”.
Wilton Bezerra
Comentarista esportivo

O rebaixamento representa um dos momentos mais difíceis, desde a queda no Campeonato Cearense de 1997 que, consequentemente, gerou a paralisação das atividades no ano seguinte, retornando em 2000.

“Com Guarani teve altos e baixos como todo time tem. Caímos para a terceira divisão. Não era isso que esperávamos, mas compreendemos que as coisas ficaram difíceis no futebol. O futebol ficou caro, precisa de expertise, experiência e estrutura. O Guarani foi perdendo, digamos assim, a participação de um número maior de pessoas no clube”, acredita Wilton.

Wilton Bezerra ao lado do time do Guarani
Legenda: Wilton Bezerra ao lado do time do Guarani
Foto: Arquivo pessoal/Wilton Bezerra

Palavra do presidente

Assim como Wilton, o atual presidente do Leão do Mercado, o fisioterapeuta Rommel Caldas, sempre foi torcedor. Desde 2009, vive o cotidiano do clube quando começou a estagiar nele. Depois, ganhou oportunidade trabalhando em sua área. Entre idas e vindas, foi eleito para a gestão do clube no triênio de 2020 a 2022. “Já vivi tudo no Guarani. Foi campeão do interior, vice-campeão cearense”, ressalta.  

Na sua gestão, amargou o primeiro rebaixamento do Guarani à terceira divisão. “Acho que trabalhei mais pela emoção que pela razão”, admite o presidente. Ele acredita que um dos erros foi acreditar no apoio financeiro prometido por torcedores e empresários.

“Aí quando a bola rolou, me deixaram só. Muitos me deixaram na mão. Na hora, não tive condições de mudar treinador e tive que acreditar até o final”.
Rommel Caldas
Presidente do Guarani

O Leão terminou a competição com 10 pontos, o mesmo número de outros três times do certame, mas foi rebaixado pela quantidade menor vitórias, apenas duas em nove partidas.  

Além dos problemas dentro de campo, o Guarani viveu problemas fora dele. Há duas semanas, um restaurante que mantém dentro do seu centro de treinamento teve sua porta arrombada e sofreu um furto. Foram levadas 16 caixas de cerveja e dois botijões de gás. “É uma das nossas poucas fontes de renda, porque alugamos para treinamentos, jogos e mantém esse barzinho”, conta Rommel. 

Guarani de Juazeiro
Legenda: Guarani campeão de 1964. Último título municipal do Leão do Mercado
Foto: Arquivo Pessoal/Pitaguari

Futuro  

O Guarani vê no seu CT, inaugurado há pouco mais de dois anos, uma esperança para o futuro. “A estrutura hoje é muito boa, mas não depende só do clube”, ressalta o presidente. Desde o rebaixamento, Rommel reforça que já foi iniciado o planejamento para a temporada 2021.

“A gente conta com apoio de algumas pessoas, fizemos venda de rifas, A gente teve que dar um passo para trás para dar dois para frente. Agora sabemos quem quer ajudar o clube. Vamos trabalhar para arrecadar dinheiro e trabalhar com que realmente tem e não com o prometem”, completa.  

Com a pandemia, o clube não pode realizar nenhum evento comemorativo aos seus 80 anos de fundação, mas está vendendo uma camisa comemorativa para angariar recursos. Seu custo é R$ 100. A encomenda pode ser feita através do Instagram do clube ou pelo telefone (88) 99911-8694.  

Com o peso da camisa de ser o segundo clube do interior mais antigo, atrás apenas do seu xará, o Guarany de Sobral, que nasceu três anos antes, Rommel tem um objetivo em mente: “Vamos voltar para segunda divisão e, depois, para a primeira divisão, local que nunca deveria ter saído. O Guarani tem história, tem torcida e merece”, garante. 

Wilton Bezerra acredita numa reestruturação do clube, a quem também ajudou fora de campo nas décadas de 1960 e 1970, a partir da modernização de seu CT. “Ele representa uma semente que vai florescer e fazer o Guarani ressurgir. O Guarani é como um velho poema: toda vez que a gente o lê, ele se renova, ele renasce. E o que desejo é isso. O amor do torcedor não morre, não desaparece e continuamos amando o Guarani”. 

História 

Guarani
Legenda: Guarani de Juazeiro faz 80 anos e atravessa crise
Foto: Antônio Rodrigues

Fundado em 10 de abril de 1941 pelo comerciante Emicles Barreto, o Guarany Esporte Clube, fincou suas raízes no mercado público de Juazeiro do Norte. Suas primeiras cores foram o preto e o branco, com listras verticais. No ano de seu surgimento, foi responsável, junto com o América, Ateniense, Treze e Maguary, pela organização do futebol amador de Juazeiro do Norte e a criação da Liga Desportiva Juazeirense (LDJ).  

Na época, as partidas aconteciam em um terreno na Rua do Seminário, que acabou sendo desapropriado para a construção de uma indústria. A solução encontrada pelos jogadores foi ocupar o quadro de São Francisco, onde atualmente está erguido o Santuário de São Francisco das Chagas, conhecida como Igreja dos Franciscanos. Em 1942, cercado de palha e arames, deu início ao primeiro campo “oficial” de Juazeiro do Norte: o Estádio Getúlio Vargas. Ao seu redor só havia plantações, muito mato e a linha do trem. 

Naquela década, o Leão do Mercado chegou a paralisar suas atividades, mas retornou a partir do surgimento do Estádio dos Bandeirantes, como era chamado o campo de terra da LDJ, no bairro São Miguel. Com apoio dos comerciantes do Mercado Central, voltou a disputar partidas oficiais em 1951, tendo como presidente e treinador Luiz Bezerra de Sousa.

Flamenguista, o dirigente resolveu adotar novas cores: preto e vermelho. Agora rubro-negro, o clube optou por substituir a letra “Y” pelo “I”, no final de seu nome. O time passou a ser chamado de “Guarani”. “Como nasceu no mercado público por inspiração de comerciantes, sempre foi e é um time popular. Time dos trabalhadores. Daquela massa torcedora”, define Wilton Bezerra. 

Crescimento e profissionalização

O fim do América Futebol Clube, o segundo grande time de Juazeiro do Norte, ajudou na ascensão do Guarani, que passou a rivalizar com o Treze, principal clube da terra do Padre Cícero até o final da década de 1950. Revelando bons jogadores, como Gilson, Vavá, Lino e Joãozinho, o rubro-negro começou a conquistar os torcedores americanos.  

Em 1960, 1961 e 1962 conquista o tricampeonato da LDJ. Em 1963 vê o recém-criado Icasa conquistar o título da cidade. Em 1964, volta a ser campeão local. Último título antes do crescimento meteórico daquele que seria seu grande rival, o Verdão do Cariri, que foi octacampeão entre 1965 e 1972.  

Com o Icasa, que se tornou seu maior rival principalmente após o fim do Treze, se profissionalizando em 1973, filiado à Federação Cearense de Futebol (FCF), o Guarani teve o mesmo destino no ano seguinte, disputado o Campeonato Cearense pela primeira vez em 1974. Desde então, teve como maior destaque o vice-campeonato estadual em 2011, time comandado pelos meias Jerson e os atacantes Netinho e Niel.  

O Leão do Mercado também foi campeão da Série B duas vezes, em 2004 e 2006. Ainda venceu a Taça Padre Cícero, título dado ao melhor time do interior do Estado, em 2011, 2016 e 2017. Além disso, é bicampeão da Taça Fares Lopes pelos anos de 2012 e 2016, consequentemente, disputando a Copa do Brasil. Já o título de melhor time de Juazeiro do Norte, organizado pela LDJ, venceu oito vezes.