Em momento delicado, Guarani de Juazeiro completa hoje 80 anos de fundação
Segundo time mais antigo do interior do Estado, o "Leão do Mercado" amarga um dos momentos mais difíceis de sua história na terceirona cearense
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O relógio marcava 31 minutos do segundo tempo com o Guarani de Juazeiro vencendo o Iguatu por 1 a 0, no Estádio Inaldão, em Barbalha. O resultado levava o rubro-negro à terceira colocação da primeira fase do Campeonato Cearense da Série B. porém, no minuto seguinte, o atacante Otacílio Neto aplica a chamada “lei do ex” e empata a partida.
Resultado final: 1 a 1. Com a surpreendente vitória do União por 1 a 0 sobre o seu grande rival, o Icasa, o time juazeirense saiu do grupo de classificados para a última colocação, sendo rebaixado para a terceirona estadual de 2021. É neste contexto, em um dos momentos mais difíceis de sua história, que o Leão do Mercado completa, hoje (10), 80 anos de fundação — o time mais antigo em atividade da região do Cariri.
“Essa queda foi brutal para quem ama o Guarani”, define o comentarista esportivo e colunista do Diário do Nordeste, Wilton Bezerra, que nutre paixão pelo Leão do Mercado. Wilton teve seu primeiro contato com o rubro-negro ainda quando trabalhava como operador de som, nos serviços de publicidade dos auto-falantes do Centro de Crato, no início da década de 1960.
Admiração
Um timaço do Guarani entrou em campo no antigo campo do Wilson Gonçalves, em Crato, e como o comentarista descreve “foi admiração à primeira vista”.
Aquele time de Veludo, Gonçalo, Chiute, Pitaguari, Índio, Vicentinho. Depois vieram jogadores como Azul, Cirineu, Dequinha. Continuei torcendo pelo Guarani, como profissional, não deixei de lado”.
O rebaixamento representa um dos momentos mais difíceis, desde a queda no Campeonato Cearense de 1997 que, consequentemente, gerou a paralisação das atividades no ano seguinte, retornando em 2000.
“Com Guarani teve altos e baixos como todo time tem. Caímos para a terceira divisão. Não era isso que esperávamos, mas compreendemos que as coisas ficaram difíceis no futebol. O futebol ficou caro, precisa de expertise, experiência e estrutura. O Guarani foi perdendo, digamos assim, a participação de um número maior de pessoas no clube”, acredita Wilton.

Palavra do presidente
Assim como Wilton, o atual presidente do Leão do Mercado, o fisioterapeuta Rommel Caldas, sempre foi torcedor. Desde 2009, vive o cotidiano do clube quando começou a estagiar nele. Depois, ganhou oportunidade trabalhando em sua área. Entre idas e vindas, foi eleito para a gestão do clube no triênio de 2020 a 2022. “Já vivi tudo no Guarani. Foi campeão do interior, vice-campeão cearense”, ressalta.
Na sua gestão, amargou o primeiro rebaixamento do Guarani à terceira divisão. “Acho que trabalhei mais pela emoção que pela razão”, admite o presidente. Ele acredita que um dos erros foi acreditar no apoio financeiro prometido por torcedores e empresários.
“Aí quando a bola rolou, me deixaram só. Muitos me deixaram na mão. Na hora, não tive condições de mudar treinador e tive que acreditar até o final”.
O Leão terminou a competição com 10 pontos, o mesmo número de outros três times do certame, mas foi rebaixado pela quantidade menor vitórias, apenas duas em nove partidas.
Além dos problemas dentro de campo, o Guarani viveu problemas fora dele. Há duas semanas, um restaurante que mantém dentro do seu centro de treinamento teve sua porta arrombada e sofreu um furto. Foram levadas 16 caixas de cerveja e dois botijões de gás. “É uma das nossas poucas fontes de renda, porque alugamos para treinamentos, jogos e mantém esse barzinho”, conta Rommel.

Futuro
O Guarani vê no seu CT, inaugurado há pouco mais de dois anos, uma esperança para o futuro. “A estrutura hoje é muito boa, mas não depende só do clube”, ressalta o presidente. Desde o rebaixamento, Rommel reforça que já foi iniciado o planejamento para a temporada 2021.
“A gente conta com apoio de algumas pessoas, fizemos venda de rifas, A gente teve que dar um passo para trás para dar dois para frente. Agora sabemos quem quer ajudar o clube. Vamos trabalhar para arrecadar dinheiro e trabalhar com que realmente tem e não com o prometem”, completa.
Com a pandemia, o clube não pode realizar nenhum evento comemorativo aos seus 80 anos de fundação, mas está vendendo uma camisa comemorativa para angariar recursos. Seu custo é R$ 100. A encomenda pode ser feita através do Instagram do clube ou pelo telefone (88) 99911-8694.
Com o peso da camisa de ser o segundo clube do interior mais antigo, atrás apenas do seu xará, o Guarany de Sobral, que nasceu três anos antes, Rommel tem um objetivo em mente: “Vamos voltar para segunda divisão e, depois, para a primeira divisão, local que nunca deveria ter saído. O Guarani tem história, tem torcida e merece”, garante.
Wilton Bezerra acredita numa reestruturação do clube, a quem também ajudou fora de campo nas décadas de 1960 e 1970, a partir da modernização de seu CT. “Ele representa uma semente que vai florescer e fazer o Guarani ressurgir. O Guarani é como um velho poema: toda vez que a gente o lê, ele se renova, ele renasce. E o que desejo é isso. O amor do torcedor não morre, não desaparece e continuamos amando o Guarani”.
História

Fundado em 10 de abril de 1941 pelo comerciante Emicles Barreto, o Guarany Esporte Clube, fincou suas raízes no mercado público de Juazeiro do Norte. Suas primeiras cores foram o preto e o branco, com listras verticais. No ano de seu surgimento, foi responsável, junto com o América, Ateniense, Treze e Maguary, pela organização do futebol amador de Juazeiro do Norte e a criação da Liga Desportiva Juazeirense (LDJ).
Na época, as partidas aconteciam em um terreno na Rua do Seminário, que acabou sendo desapropriado para a construção de uma indústria. A solução encontrada pelos jogadores foi ocupar o quadro de São Francisco, onde atualmente está erguido o Santuário de São Francisco das Chagas, conhecida como Igreja dos Franciscanos. Em 1942, cercado de palha e arames, deu início ao primeiro campo “oficial” de Juazeiro do Norte: o Estádio Getúlio Vargas. Ao seu redor só havia plantações, muito mato e a linha do trem.
Naquela década, o Leão do Mercado chegou a paralisar suas atividades, mas retornou a partir do surgimento do Estádio dos Bandeirantes, como era chamado o campo de terra da LDJ, no bairro São Miguel. Com apoio dos comerciantes do Mercado Central, voltou a disputar partidas oficiais em 1951, tendo como presidente e treinador Luiz Bezerra de Sousa.
Flamenguista, o dirigente resolveu adotar novas cores: preto e vermelho. Agora rubro-negro, o clube optou por substituir a letra “Y” pelo “I”, no final de seu nome. O time passou a ser chamado de “Guarani”. “Como nasceu no mercado público por inspiração de comerciantes, sempre foi e é um time popular. Time dos trabalhadores. Daquela massa torcedora”, define Wilton Bezerra.
Crescimento e profissionalização
O fim do América Futebol Clube, o segundo grande time de Juazeiro do Norte, ajudou na ascensão do Guarani, que passou a rivalizar com o Treze, principal clube da terra do Padre Cícero até o final da década de 1950. Revelando bons jogadores, como Gilson, Vavá, Lino e Joãozinho, o rubro-negro começou a conquistar os torcedores americanos.
Em 1960, 1961 e 1962 conquista o tricampeonato da LDJ. Em 1963 vê o recém-criado Icasa conquistar o título da cidade. Em 1964, volta a ser campeão local. Último título antes do crescimento meteórico daquele que seria seu grande rival, o Verdão do Cariri, que foi octacampeão entre 1965 e 1972.
Com o Icasa, que se tornou seu maior rival principalmente após o fim do Treze, se profissionalizando em 1973, filiado à Federação Cearense de Futebol (FCF), o Guarani teve o mesmo destino no ano seguinte, disputado o Campeonato Cearense pela primeira vez em 1974. Desde então, teve como maior destaque o vice-campeonato estadual em 2011, time comandado pelos meias Jerson e os atacantes Netinho e Niel.
O Leão do Mercado também foi campeão da Série B duas vezes, em 2004 e 2006. Ainda venceu a Taça Padre Cícero, título dado ao melhor time do interior do Estado, em 2011, 2016 e 2017. Além disso, é bicampeão da Taça Fares Lopes pelos anos de 2012 e 2016, consequentemente, disputando a Copa do Brasil. Já o título de melhor time de Juazeiro do Norte, organizado pela LDJ, venceu oito vezes.