Jade Romero: 'Me senti forte por estar grávida de menina e ser responsável por política para mulher'
O Ceará amanhece hoje, Dia das Mães, comandado por uma mulher puérpera, mãe de 3 filhos: Igor, 19 anos; Mateo, 2, e Marcela, com 1 mês de vida. É um marco histórico e simbólico para uma sociedade que, há séculos, subestima as mulheres. A governadora em exercício, Jade Romero (MDB), passará a data comemorativa, durante minutos intervalados, amamentando a primeira filha menina. Vice-governadora ao lado de Elmano de Freitas (PT), a emedebista assumiu interinamente, na sexta-feira (10), o Poder Executivo, até 15 de maio, quando o petista retorna da Holanda.
Embora “muito simbólico”, o fato, na verdade, não foi programado. Acabaram “coincidindo” data e posse, segundo a governadora em exercício, que recebeu a equipe do Diário do Nordeste, na última terça-feira (7), para falar sobre os significados que envolvem a data mais representativa do mês de maio e a sua presença na atual gestão estadual, como vice-governadora e secretária das Mulheres. “É simbólico porque a minha eleição também trouxe esse componente do ser mulher, do ser mãe”, relembrou Jade.
Em vários momento da entrevista, a governadora verbalizou a palavra "força" ao se referir às suas sensações e a relação com a maternidade e o trabalho, sempre numa perspectiva de que os dois aspectos estão em equilíbrio ao longo da vida, pessoal e profissional. Jade também admitiu que tem uma rede de apoio para cuidar da recém-nascida, lembrando que grande parte das mulheres não conta com isso.
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Em plena atividade apenas um mês após o nascimento da filha - Jade recebeu a equipe em seu gabinete, na Vice-Governadoria -, ela falou sobre o porquê de não tirar licença-maternidade, mas garantiu que defende "e exalta" esse direito "conquistado a duras penas" pelas mulheres. "Realmente foi uma escolha pessoal, e eu peço muito que as pessoas respeitem a escolha das mulheres".
Política, saúde mental, educação e segurança também foram temas tratados ao longo da entrevista, quando a gestora revelou que acompanha um a um os casos de feminicídio no Ceará, para tentar buscar mais medidas de segurança; que faz terapia para cuidar da saúde mental e divide as tarefas com o marido, Marcelo Paz. "A licença-paternidade é muito curta, gente!", ainda reclamou a gestora. Para ela, é preciso mudar este modelo de licença e repensar todo o sistema que imputa exclusivamente às mulheres o cuidado do seus e de todos. Dentre outros alertas, Jade cobrou a presença de mulheres na direção dos partidos políticos e reforçou a necessidade de punição para coibir a violência política de gênero.
Confira entrevista completa:
Jéssica Welma - Nossa conversa acontece há poucos dias do Dias das Mães. Na semana em que a sua filha, Marcela, completa o primeiro mês. Você já é mãe de 2 meninos, o Igor, que tem 19 anos, o Mateo, que tem 2 anos. E a Marcela chega justamente nesse cenário da mãe, vice-governadora, secretária de Mulheres no Ceará. É um momento simbólico para você, e se sim, de que forma?
Um simbolismo muito forte. Esses dias, eu estava lembrando: a Marcela, dentro da barriga, foi a minha companheira, desde aquele momento do terremoto, em Marrakech [no Marrocos] — que eu já estava... que foi que foi muito pesado, um momento delicado, no início da gravidez — até a um dos momentos mais representativos que eu considero da minha carreira, principalmente enquanto mulher, enquanto secretária das Mulheres, que foi de compor uma comitiva brasileira da ONU [68ª Sessão da Comissão Sobre a Situação da Mulher] na segunda reunião mais importante para discutir políticas de mulheres com representantes do mundo todo. Então, é muito simbólico por todas essas questões.
É simbólico também porque a minha eleição também trouxe esse componente do ser mulher, do ser mãe. Trouxe uma jurisprudência para todo o país, onde as mulheres que são servidoras não precisam, se tiverem durante o período de amamentação, durante o puerpério, se afastar dos seus cargos para serem consideradas desincompatibilizadas, podem ser candidatas recebendo integralmente o salário. Então, eu acho que todo esse somatório traz um momento. É o reflexo de um momento que o país tem vivido, que o mundo tem vivido, dessa importância da representatividade feminina, no respeito aos momentos que a gente vive.
Eu acho que a minha grande missão, enquanto vice-governadora, é poder fazer desse lugar, um lugar onde as mulheres se identifiquem e sonhem e queiram chegar, se assim acharem, que faz sentido nas suas vidas, nas carreiras. Independente daquilo que elas vivam.
A Izolda [Cela, ex-governadora do Ceará], uma mulher mais madura, muito serena, uma grande gestora ligada às pautas da educação. Depois vem uma vice-governadora jovem, que foi candidata logo depois da licença-maternidade, grávida, puérpera durante o exercício dessa função. Então, eu acredito que esse mix de representatividade muito forte e que reflete, na verdade, uma bandeira que tem sido levantada mundialmente pela ampliação da participação feminina não só na política, mas em todos os espaços.
Karine Zaranza - Você falou de vários momentos, desde a campanha até agora, mas você notou que houve alguma mudança de olhar, de espaço, para você? Quando você ficou grávida e passou a ser essa mulher, política, gestante e mãe, por exemplo, você sentiu que os espaços foram se adaptando, que o olhar foi diferente?
Lógico que cada mulher vivencia esses momentos de uma forma diferente. Primeiro que eu acho que eu me senti duplamente forte, principalmente por estar grávida de uma menina e ser, nesse momento, a figura central, responsável pelas políticas de mulheres aqui no Estado. Então, do ponto de vista pessoal, lógico, traz um olhar mais sensível. A gente já está trabalhando algumas políticas relacionadas, principalmente, a esse momento do puerpério, da questão da amamentação.
Muito por conta desse momento que eu estou vivendo e lógico que amplia esse esse olhar sensível. E, de uma forma geral, há uma adaptação, talvez, a ter uma figura dentro do governo que é gestante. Mas eu acho que foi muito novo para todo mundo. Algo novo em todos os sentidos. Mas, como eu tive uma gravidez muito ativa. Mesmo naqueles momentos ali que o Elmano teve alguns problemas de saúde, eu tive ali, fiz algumas agendas representando ele.
Então foi um momento de muita força mesmo, sabe? E eu acho que o que é simbólico é a gente mostrar que a gente é capaz, independente daquilo que a gente esteja vivendo. Lógico que não é toda grávida que vai conseguir manter 100% da sua produtividade, porque tem ali questões que são próprias da gravidez. Tem que haver também o respeito do momento que a mulher está vivendo. Seja na gestação ou seja em qualquer outro momento.
E aí vem um pouco de como, culturalmente, as pessoas se estruturaram, de que a mulher está limitada por conta da gestação, está limitada por conta da amamentação, está limitada… Então, assim, são muitos limites impostos, que às vezes vêm disfarçados de cuidado. Lógico que a gente quer ser cuidada, a gente quer ser amada, acolhida, nós precisamos disso, mas a gente não deixa de ter a nossa competência, a nossa força em todos os momentos da nossa vida.
Então, acho que teve essa mistura, de todo mundo saber realmente como é. E foi algo muito simbólico e muito forte, onde eu me senti assim, com muita, muita força, com muita garra para seguir e para fazer ainda mais.
Dahiana Araújo - Você já estava nesses espaços de poder, muitas vezes machistas, até, mas agora como é estar nesses espaços sendo mãe de uma mulher? O que vem de diferente tanto para pensar políticas públicas, como também para se colocar como gestora?
Amplia assim a responsabilidade, o olhar. Primeiro, porque eu acredito que pra gente chegar numa sociedade com equidade de gênero, a gente tem que romper com muito daquilo que nos foi ensinado. E romper com aquilo que nos foi ensinado, muitas vezes é doloroso porque nos foi posto, geralmente, pelas pessoas que nós mais amamos. Então, é sair um pouco dessa bolha, refletir sobre comportamentos, falas que muitas vezes a gente tende a repetir, porque nos foi ensinado. É algo que que precisa, assim, dessa sensibilidade. E me trouxe também um outro olhar, de como, desde a barriga, a gente reforça os papéis de gênero. Um exemplo: a Marcela nasceu um pouquinho menor que o Mateu. E eu escutei muitas vezes: ‘Ah, porque é homem’. A Marcela é mais calma, é mais tranquila, chora menos do que o Mateus chorava. ‘Ah! mas isso acontece porque ela é menina’.
Então, essa perpetuação, essa repetição de comportamentos que reforçam questões de gênero, como se a mulher fosse menor, mais fraca. Aguentasse mais a dor, por isso que não chora, é mais tranquila… E não, na verdade, todos nós somos seres humanos diferentes. Temos mulheres que são doces, suaves e temos mulheres fortes, determinadas e temos mulheres também unem muito bem essas características, assim como nós temos também os homens.
Eu vivi uma situação com a Lia [Gomes], primeira-dama [do Ceará], em que a gente ficou refletindo. A gente estava participando de uma vacinação no Dia D [de Vacinação], e uma mãe foi vacinar o filho, ele chorou. Então, ele disse: ‘Você é homem, você não pode chorar’. Naquele momento ficamos eu e a Lia.... E com toda delicadeza [fomos] dizer para a mãe para ela tentar não fazer aquilo com o filho. Porque eu acho que a maternidade também traz muito esse papel.
O que é que nós vamos ensinar para os nossos filhos, homens e mulheres, meninos e meninas, sobre aquilo que a gente espera do mundo. Eu vou repetir? Que homem não chora? E tornar essa masculinidade … Como se fosse masculino não chorar, não ter sensibilidade. Não se importar com os sentimentos, o feminino está ligado à doçura? Ou vou respeitar as características, as decisões do meu filho e da minha filha e ensinar que, no mundo, nós devemos tratar todo mundo da mesma forma?
Então, eu acho que essa reflexão se reforça, ela é reforçada com a maternidade, e eu acredito muito que nós, mulheres, que estamos em papéis fundamentais - eu dentro da gestão pública, vocês dentro da imprensa -, eu acho que a gente tem como fazer esse recorte de gênero em tudo que a gente está colocando, pra trazer mesmo essa discussão, fazer com que as pessoas pensem, porque cada um de nós pode ser melhor para nós mesmos, para o mundo. E a gente precisa refletir para não continuar repetindo as desigualdades, as falas machistas, a misoginia que, infelizmente, ainda é tão presente na nossa sociedade.
Jéssica Welma - Você optou por não tirar a licença-maternidade, um direito das mulheres, uma luta de muitas décadas. Mas foi uma opção para você, dentro das suas possibilidades, eu gostaria de saber o porquê?
Primeiro eu quero deixar muito claro que eu defendo demais, exaltar por onde passo esse direito, que foi conquistado a duras penas por nós mulheres. E eu quero, na verdade, aqui no meu papel, fazer não só essa discussão, mas a discussão também da licença paternidade. Porque a licença paternidade é muito curta, gente! Eu estou aqui no Poder Executivo, não tenho como, institucionalmente, fazer, agir nesse sentido, mas [podemos] provocar o Legislativo também sobre essa questão, de como é que os pais participam [dos primeiros meses do bebê]. Porque 6 meses ainda é pouco.
Tem um ditado africano que diz que é preciso uma aldeia para cuidar de uma criança, e isso não é à toa. Isso é a sabedoria milenar, porque, realmente, principalmente os primeiros dias, os primeiros meses, são muito desafiadores.
Você precisa de uma rede de apoio. Só mãe, ali, sozinha é muito difícil de dar conta, mas essa é a realidade da maioria das mães. E como é que a gente coloca o pai também? Como é que a gente insere o pai, ou outras pessoas da família, nesse contexto para para participar mesmo dessa formação. As pesquisas mostram que os primeiros 1.000 dias de uma criança são fundamentais para a formação da personalidade, do desenvolvimento psíquico e da sinapse dos neurônios. Então, é um momento muito especial. Eu me dei ao luxo - que num é nem luxo -, digamos assim… eu fiz uma escolha pensando não só em mim, mas muito na responsabilidade. É a responsabilidade de tocar essa política de mulheres. Eu tenho uma rede de apoio.
Moro vizinho à Vice-Governadoria. Quando a Marcela me chama, que está querendo mamar, eu saio daqui e em um minuto, literalmente, eu estou em casa. Então, eu consegui ter, com essa justa divisão também dos papéis, dividindo as atribuições também com o Marcelo, com a rede de apoio, eu consigo, hoje, ter a condição de voltar às atividades, ainda não plenamente, impossível por conta da amamentação, mas de estar aqui tocando essas políticas, porque eu acho que a população elegeu ao Elmano [de Freitas] e a mim com essa missão.
O Elmano me deu essa missão de tocar as políticas, e eu me sinto muito responsável por essa pauta. Então, é para garantia mesmo da continuidade das políticas, dos direitos... O trabalho para mim é a forma como eu me sinto… não vou dizer mais plena porque mais plena é a maternidade. Mas é como eu tenho muita força. O trabalho para a maternidade e a maternidade para o trabalho. Então, realmente foi uma escolha pessoal, e eu peço muito, assim, que as pessoas respeitem a escolha das mulheres.
A minha escolha foi essa. E eu quero, na verdade, trabalhar, porque eu sonho com uma sociedade onde as mulheres tenham o direito de escolher e tenham o direito de escolher porque conseguem ter uma justa divisão das suas atividades. Porque é importante também para minha carreira, o meu trabalho, para mostrar que é plenamente possível conciliar, desde que haja uma divisão justa das atividades. E uma mãe só para uma criança é pouco.
Karine Zaranza - E eu queria saber de você, como é que você percebe a participação feminina na política? A gente ainda vê que é um ambiente não tão confortável para as mulheres. O que houve de avanço?
Jade: Desses 14 anos de militância partidária e 20 e alguma coisa de militância em movimento estudantil, eu acho que a gente avançou bastante. Nós tínhamos, alguns anos atrás, uma violência de gênero que era repetida, era reverberada e não era percebida. Na verdade, muitas vezes ela era multiplicada pelas pessoas. Hoje a gente ainda vive num ambiente hostil. A violência política de gênero ainda é sim uma realidade diária para nós mulheres na política. Porque ela é reflexo da violência na sociedade contra as mulheres. Mas eu acho que a gente já está com a capacidade de fazer um diagnóstico maior, de perceber, de sensibilizar, de não reverberar, de não compactuar, de se indignar. Porque até bem pouco tempo atrás as mulheres eram atacadas e aquilo era varrido para debaixo do tapete. Se fazia de conta que não estava se vendo ou que aquilo não era violência. E a imprensa tem sido uma grande parceira.
A gente tem visto aí imprensa de uma forma geral, trazendo esse recorte de gênero dentro das matérias, fazendo uma análise crítica, trazendo artigos de opinião, fazendo editoriais que falam sobre essas questões. E isso ajuda a ampliar o olhar da sociedade para que a gente não repita. Como eu disse agora há pouco, para que a gente não repita aquilo, porque é o que está posto. A gente pode fazer algo melhor, mas a gente ainda tem um longo caminho pela frente. Temos algumas vitórias, né? Tivemos aí a primeira condenação pela prática da violência política de gênero. Então é algo que também traz uma reflexão para homens e mulheres. Como é que a gente não replica, né? Estar, na verdade, do lado das mulheres para que isso não aconteça. E esse é o único caminho, combater a violência política de gênero. Não vou dizer o único, mas é um dos caminhos para ampliar a participação feminina na política.
'Muito provavelmente há subnotificação dos casos de violência doméstica'
Dahiana Araújo - O Ceará, em 2023, teve o maior número de assassinatos dos últimos 6 anos, assim como no Brasil também aumentou. Ano passado, foram 43 mulheres assassinadas por serem mulheres. Existem muitas políticas, muitas medidas que são de acolhimento físico, acolhimento de saúde mental, e que sim, são necessários demais. Mas a gente queria muito que as mulheres parassem de serem assassinadas. Como vice-governadora, como secretária das Mulheres, o que tem sido, na prática, para fazer com que as mulheres parem de ser assassinadas?
Primeiro que tem uma questão aí que é preciso que a gente faça uma reflexão, porque a maior parte dos feminicídios, que são os assassinatos de mulheres por serem mulheres, são crimes de ódio. Uma reflexão que precisa fazer é que boa parte desses crimes, seja dos feminicídios, seja os crimes da lei Maria da Penha, acontecem dentro do lar.
Ou seja, quando a gente fala lar, casa, teoricamente era o lugar onde nós mulheres, onde as crianças, deveriam se sentir mais protegidos, mais acolhidos. A gente não está falando de violência urbana. Nós estamos falando de um crime que começa numa relação que teoricamente foi construído por uma relação de amor e termina de forma trágica por meio de um assassinato. O estado do Ceará, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, tem a menor taxa de feminicídio do Brasil por 100.000 habitantes.
Apesar de nós termos tido o crescimento, a gente utiliza esse critério porque muitas vezes aparece, por exemplo, municípios pequenos que têm um baixo índice de denúncias de violência doméstica, mas tem o feminicídio. Então, muito provavelmente há subnotificação dos casos de violência doméstica. Mas mesmo tendo essa menor taxa dos 100.000 habitantes, o governador Elmano e eu, temos o objetivo que não tenha nenhum feminicídio. Que nenhuma mulher morra porque decidiu acabar um relacionamento. Que nenhuma mulher morra porque estava com uma determinada roupa. É inadmissível enquanto sociedade.
Essa indignação não pode ser só do poder público, ela tem que ser uma indignação da sociedade. Essa pauta, ela não pode ser só das mulheres, ela tem que ser uma pauta dos homens e das mulheres. Porque uma parte também desses crimes, os vizinhos escutaram brigas, gritos e não ligaram para o 190. Eu acompanho os feminicídios um a um. Acompanho junto com o secretário de segurança para que a gente possa dar a resposta para esses casos. E é impressionante como se normalizou aquele ditado de que briga de marido e mulher ninguém mete a colher. Então uma simples ligação de 190 poderia salvar uma vida. A gente precisa se mobilizar enquanto sociedade.
O Governo do Estado tem alguns programas, a gente tem, junto com o Tribunal de Justiça, Ministério Público, Defensoria Pública, o Tempo de Justiça Mulher pra levar em até 400 dias a júri os feminicídios, consumados e os tentados. Inclusive já temos aí, se não me engano, 8 júris, 4 que já aconteceram, 4 que já vão acontecer agora nos próximos meses em menos de 400 dias. Tivemos um em tempo recorde, se não me engano, com menos 83 dias que foi aquele caso do Luciano Cavalcanti, foi levada a júri em em em tempo recorde, para que não haja a sensação de impunidade. Estamos fazendo as entregas das Casas da Mulher Cearense e das Casas Municipais, das viaturas. A patrulha Maria da Penha, concessão de medida protetiva de urgência pela internet.
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Karine Zaranza - Você está à frente da Secretaria das Mulheres, que toca o programa de articulação Ceará por Elas. Esse programa é dividido em três eixos estratégicos que visam a implantação e ampliação de políticas públicas para o público feminino nos municípios. Queria que você falasse o que vocês já conseguiram realizar, na prática, em cada um dos eixos, o Mulher Empreendedora, o Mulher Protagonista e o Mulher Segura.
O programa Ceará por Elas é uma articulação do Governo do Estado com os municípios, para ampliação da política de mulheres no Ceará. Já temos hoje 123 municípios dos 184 que aderiram ao programa e, como resultado, a gente tem a ampliação do número de Casas municipais, que são iniciativas das prefeituras, fazendo essas Casas para o acolhimento de mulheres vítimas de violência, mas também ministrando cursos, fazendo atendimento na área da saúde, atenção também ao microcrédito, são espaços plurais de acolhimento das mulheres, focando tanto na questão da proteção como da autonomia econômica, da saúde da mulher... Esse mês, a gente deve inaugurar cerca de mais cinco equipamentos, chegar a 15 equipamentos municipais.
Tem muitos outros municípios que estão construindo o seu (espaço de atendimento), cada um recebeu a viatura da (Patrulha) Maria da Penha, o sistema integrado com nosso sistema estadual… A gente tem ampliado também a questão da participação. Ontem mesmo teve prefeito me dizendo que já tem secretariado com paridade de gênero ou com maioria de mulheres. Os secretariados municipais tendo também essa transformação, criando o número de mulheres líderes dentro dos municípios, a ampliação dos conselhos municipais, a criação de organismos de políticas para as mulheres municipais, porque muitos não tinham coordenadoria, não tinham secretaria de mulheres e estão sendo criados a partir do programa. A gente também ampliou o Ceará Credi Mulher (programa de microcrédito produtivo), que é um programa estadual. Fomos de R$ 20 milhões para R$ 40 milhões para mulheres que chefiam os seus negócios, e os municípios também têm recebido as oficinas, nos auxiliado também a chegar nas cooperativas, nas mulheres que mais precisam, porque nosso crédito é aquele primeiro crédito, ele está antes de qualquer outro.
A maior parte do nosso público alvo é de pessoas beneficiárias de programas de transferência de renda, que não perdem o benefício, ao contrário, ali empreendem, inovam e trazem um complemento de renda para as suas casas. A gente tem visto, nesses três eixos, os municípios se engajando para ampliar. Essa diretriz vem desde o Governo Federal, mas a gente criou o programa aqui para poder estar muito bem alinhado, estado e municípios, dentro do objetivo daquilo que a gente quer atingir, das políticas que a gente quer construir, juntando governo e municípios.
Jéssica Welma - Como está a elaboração do Plano Estadual de Políticas para as Mulheres?
O Plano foi construído no ano passado, com recurso do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), um plano preliminar, que é uma parte mais conceitual, mais teórica de estudo, e houve também uma contribuição do nosso PPA Participativo (Plano Plurianual). Fizemos 14 assembleias, todas tiveram a participação do Elmano e minha, a gente se dividiu nessa missão, a gente ouviu, e tinha um eixo de política de mulheres. A gente trouxe essas contribuições para dentro do Plano Estadual que agora está sendo validado nas regiões do Estado — que eu não vou lembrar por onde já passou e por onde vai passar (risos). Já passou pelo Cariri, percorreu algumas regiões. Depois de passar por todas as macrorregiões do Estado, a gente vai disponibilizar para contribuições da população de forma aberta, na internet.
Esse plano está sendo validado para ser uma diretriz, para os próximos anos, na construção da política de mulheres. Sempre digo, principalmente durante o meu encontro com prefeitos e prefeitas na assinatura do Ceará por Elas, que a gente passa, nós, gestores, nós passamos, somos eleitos para quatro anos; se a população entender, para mais quatro, mas passa, acaba, tem começo, tem meio e tem fim. No Executivo, tem. Então os planos são fundamentais para que a vontade da população permaneça e construa uma política que seja uma política pública de fato, e não uma política de um gestor a ou b. O plano vem para consolidar esses anseios da população feminina cearense, com o objetivo de construir, ao longo dos anos, independentemente das gestões.
Dahiana Araújo - Em 2023, transtornos depressivos, ansiosos, bipolares e outros ligados à saúde mental afastaram uma média de 547 cearenses do trabalho por mês, e a gente sabe que grande parte desse público são as mulheres. Como você cuida da sua saúde mental e o que você, como gestora pública, pode propor/fazer pela saúde mental das mães e das mulheres do Ceará, principalmente aquelas que vivem em situação de vulnerabilidade?
Muito antes de ser vice-governadora, considero fundamental essa pauta, tenho todo o cuidado em fazer terapia, fazer o acompanhamento, primordial para que a gente consiga lidar com muitas demandas. Na Vice-Governadoria e na Secretaria das Mulheres, faço acompanhamento dos casos de feminicídios, recebo muitas demandas, é preciso ter essa válvula que, na verdade, não é uma válvula de escape; ter esse acompanhamento, que é sério, é importante.
É um dos nossos objetivos também, queremos implementar esse ano, o cuidado com a saúde mental também dos nossos cuidadores nas Casas. Temos vários psicólogos que atendem nas Casas da Mulher Cearense, na Casa da Mulher Brasileira, que lidam diariamente com situações de violência, então essas pessoas também precisam de cuidado. Aquela pergunta: ‘quem cuida do cuidador?’. É fundamental que a gente traga esse olhar também para a gestão pública, de cuidar dos nossos servidores que estão lá na ponta, dando essa atenção para as mulheres vítimas de violência que fazem toda a anamnese, o acompanhamento durante o tempo que for necessário dessas mulheres.
A gente está ampliando (o atendimento) também de forma móvel. Fizemos a entrega, no mês de março, de três Casas da Mulher Cearense móvel, que também vão atuar com equipe de psicólogos e advogadas, de forma itinerante, fazendo esse atendimento às mulheres. (Como) outra forma de trazer perspectivas da sobreposição de jornadas, de como é extenuante, cansativo, mentalmente também para as mulheres, a gente tem trazido essa questão da pauta da economia do cuidado, de tirar um pouco da sobrecarga das mulheres com essas jornadas.
A gente recentemente venceu um edital do Governo Federal (Em abril, os estados de Ceará e Paraíba foram contemplados com recursos da União, que podem chegar a R$ 250 mil, segundo o Governo Federal, para estruturar fisicamente as Secretarias de Mulheres e fortalecer suas ações). Vamos construir um projeto-piloto, em Fortaleza, de uma lavanderia — mas não é lavanderia ‘na mão’, porque na mão ninguém quer, não — com máquina de lavar e tal para ajudar nessas tarefas do cuidado, dividir com as mulheres também essas tarefas que trazem o burnout, as licenças, que levam as mulheres ao limite das suas jornadas, e para isso também seguir ampliando investimento em saúde, interiorização, regionalização, isso é fundamental para que a gente possa, com os municípios, que são os responsáveis também pelos Caps (Centros de Atenção Psicossocial), ter esse atendimento pleno.
Por outro lado, a gente precisa também da ampliação — que a gente tem feito —, da interiorização dos cursos de Medicina, de outros cursos, de psicologia, terapia ocupacional, porque nós temos mudado um pouco essa demanda relacionada à saúde, a gente precisa também da retaguarda da formação de profissionais. Infelizmente muitas vezes tem município que não consegue contratar profissional especializados para cuidar da saúde mental e também das famílias neurodiversas, que precisam, cada um, dentro do seu desafio, também ter esse acompanhamento, não só das crianças e adolescentes, mas também dos cuidadores que, muitas vezes, são levados a cargas extenuantes, lidando com cuidados, e são geralmente as mulheres.
Karine Zaranza - Um relatório do Ministério do Trabalho publicado este ano mostrou que as mulheres recebem cerca de 30% a menos do que homens desempenhando as mesmas funções e no mesmo cargo. O Brasil já tem uma lei da igualdade salarial entre homens e mulheres que prevê fiscalização e punição para empresas que descumpram essa norma. O que você acha que é possível fazer para tentar diminuir essas desigualdades?
Primeiro, ressaltar que o governador Elmano, a primeira ação afirmativa, foi ter um governo com paridade de gênero. É uma ação que traz essa questão das mulheres aos cargos de liderança como um valor. Em seguida, fomos o primeiro estado a construir o primeiro orçamento sensível à raça e a gênero, onde todas as nossas políticas têm indicadores, marcadores para serem avaliados, ao término da gestão, do quanto impactou em relação à população negra e às mulheres. Mas essas ações não podem estar só no poder público.
Temos a maior parte do orçamento público na mão das mulheres no Ceará, mas a gente precisa também conclamar o setor produtivo, o empresariado, os pequenos empresários, responsáveis por maior parte da geração de emprego no Ceará, para que nós tenhamos mais mulheres dentro desse mercado formal, respeitado, (para que) seja respeitada a questão das licenças, da licença-maternidade, o acolhimento no momento da amamentação. Que a gente possa também ter objetivos, como nós temos tido, principalmente as grandes empresas, que têm aí nos seus planos de ESG (sigla que se refere a questões ambientais, sociais e de governança corporativa) a meta de ter mais mulheres nos cargos de liderança.
Isso precisa ser algo que permeia do pequeno ao grande, do poder público ao privado, ao terceiro setor, para que a gente possa das oportunidades a esses talentos. Temos mulheres competentíssimas em todas as áreas. Essa busca por equidade de gênero se retroalimenta. É algo básico, desde a premissa constitucional, é algo que está posto, estabelecido, não há nenhuma justificativa uma mulher ganhar cerca de 20% a 30% menos, às vezes até com mais tempo de escolaridade, ganhar menos do que o homem executando o mesmo papel, é surreal. E ainda tem gente que tenta justificar.
Jéssica Welma - Estamos em ano de eleição municipal e, pelo cenário que se desenha nessa pré-campanha, teremos a primeira disputa pela Prefeitura de Fortaleza sem nenhuma mulher como cabeça de chapa desde 2012. Como você avalia o desempenho dos partidos no Ceará em promover mulheres como lideranças políticas?
A gente tem um desafio muito grande dentro dos partidos. Se nós olharmos para a direção dos partidos aqui, no Ceará, temos somente a Adelita? Nem sei. (Jade se refere à secretária da Juventude, Adelita Monteiro, filiada ao Psol e pré-candidata a governadora em 2022. Ela, porém, não é dirigente partidária. Apenas dois partidos têm mulheres dirigentes estaduais no Ceará, Rede e PMB). Se a gente não tem mulheres dirigentes partidárias, dificilmente nós teremos mulheres pelo menos pré-candidatas. Esse é o primeiro passo. O partido político não pode também viver da teoria, do dizer que é muito bonito ter mulheres candidatas. Não estou falando só de prefeitura, estou falando de prefeitura, de vereança — se não tiver investimento de fato, enquanto a gente enfrentar candidaturas ‘laranjas’, como a gente viu no Ceará, na eleição passada; falta de apoio com fundo partidário para as candidaturas femininas, a gente não vai ter representatividade.
O partido político é um alicerce da democracia, mas ele precisa refletir aquilo que a sociedade almeja. Isso não quer dizer que nós vamos ter só candidatas mulheres. A gente não está buscando a ‘guerra dos sexos’, ao contrário, a gente quer homens e mulheres atuando, representando, de forma diversa, plural, cada um com suas pautas, mas sendo respeitado nessa pluralidade. O primeiro exercício tem que acontecer dentro do partido político. Vamos ver como vai se consolidar realmente, de nós não termos mulheres candidatas à Prefeitura (de Fortaleza), mas nós temos a oportunidade de elegermos mais mulheres para a Câmara de Vereadores, e os partidos têm que dar essa retaguarda para as candidaturas femininas.
Dar retaguarda é amplia voz, ampliar participação em tempo de TV, garantir os recursos, o fundo partidário, e não permitir que mulheres que sejam candidatas não tenham legenda. A gente sabe que acontece também, nas chapas proporcionais, às vezes tem uma candidata que tem potencial maior e não é dada a legenda por causa da forma como estão organizadas essas chapas proporcionais (em Fortaleza, cada partido pode lançar até 44 nomes, por exemplo, dos quais pelo menos 30% deve corresponder a um dos gêneros). Temos uma grande oportunidade, não só aqui, em Fortaleza, temos muitas candidatas também no Interior, a prefeitas, a vice-prefeitas, a vereadoras.
Então, que a gente possa conclamar os partidos políticos para efetivarem o seu papel, darem esse apoio às mulheres, para que a gente possa ampliar no Ceará essa participação feminina, tanto nas chapas proporcionais como na majoritária, esse é um desejo, um anseio que tem permeado a sociedade.
O partido tem um papel fundamental nessa estratégia e, obviamente, também em combater a violência política de gênero dentro dos partidos e dentro do ambiente político. O embate político democrático, de forma saudável, no campo das ideias, vai acontecer e ele é necessário, agora o embate que parte para a vida pessoal, que diminui a mulher, que quer calar a mulher na vida pública, tem que ser rechaçado.