O caso do empresário que morreu durante um procedimento de peeling de fenol em uma clínica de estética de São Paulo, no começo de junho, está envolto em irregularidades: a dona do lugar, a influenciadora digital Natália Becker, por exemplo, nem sequer tinha capacitação profissional para executar o procedimento.

Além disso, o estabelecimento acabou sendo fechado pela vigilância sanitária por atuar "em desacordo com a legislação", uma vez que a aplicação de peeling de fenol é considerada um ato médico.

De maneira geral, a fiscalização de clínicas de estética é orientada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No entanto, o órgão não é responsável por regulamentar procedimentos de saúde e/ou estéticos ou mesmo os profissionais que atuam na área — todos esses são normatizados por sociedades médicas e conselhos profissionais. Cabe à agência regular apenas os produtos para uso em saúde, como equipamentos, cosméticos e medicamentos utilizados nesses procedimentos.

Em reportagem publicada nessa quarta-feira (3), o Diário do Nordeste mostrou que, embora esteja regulamentada em lei, a profissão de Estética e Cosmetologia ainda aguarda a criação do Conselho de Classe para serem definidos os limites, as penalidades e a devida fiscalização da atuação.

Esse atraso, somado ao fato de que as vigilâncias sanitárias se concentram apenas em averiguar questões mais burocráticas, como validade de produto e licença para funcionar, favorece o ambiente para clínicas clandestinas e profissionais desqualificados para os procedimentos que se propõem a fazer.

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No caso do peeling de fenol, por exemplo, a morte do empresário Henrique Chagas levou a Anvisa a proibir, no Brasil, o uso e a venda de produtos à base de fenol em procedimentos estéticos ou de saúde, por não haver registro de dados que comprovem a eficácia e a segurança do uso do ácido.

Contudo, chamou a atenção da Associação Nacional dos Esteticistas e Cosmetólogos (Anesco) a facilidade de acesso ao produto que tiveram os alunos do curso online feito por Natália Becker sobre o assunto.

"O fenol é um ácido muito potente e tóxico, e, por isso, tem venda controlada. Somente médicos podiam prescrever. Os alunos desse curso [que foi ministrado por uma profissional da Farmácia] tinham acesso à compra desse produto, livremente, sem restrição alguma. Então, a falta de conhecimentos básicos dela [Becker] e o livre acesso a uma substância controlada culminaram na tragédia com o empresário", resumiu a presidente da Anesco, Márcia Larica. 

Denúncias à Anvisa devem ser feitas pela plataforma Fala.BR, do Governo Federal. O prazo de resposta é de até 30 dias.

À época da morte do empresário, a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) publicou, inclusive, uma nota, para alertar a população sobre os riscos da aplicação de fenol em procedimentos estéticos.

"É possível que ocorram complicações, como dor intensa, cicatrizes, alterações na coloração da pele, infecções e até mesmo problemas cardíacos imprevisíveis, independentemente da concentração, do método de aplicação e da profundidade atingida na pele", citou o comunicado.

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Riscos de complicações

É na prevenção dessas complicações citadas pela SBD que deve agir a fiscalização — tanto de produtos e equipamentos como de profissionais. Em nota técnica divulgada em maio deste ano, a Anvisa alerta que, embora muitos procedimentos estéticos possam ser interpretados erroneamente como isentos de riscos à saúde, "diante da ampla gama de procedimentos atualmente oferecidos no mercado, os usuários desses serviços podem estar sujeitos a complicações de saúde". 

Essas complicações vão desde hipersensibilidade a reações inflamatórias ao produto ou à tecnologia utilizada e falha humana. "A depender do procedimento estético realizado, podem ocorrer, também, complicações mais graves, como infecções que podem levar ao adoecimento, à incapacidade e até mesmo à morte", disse o órgão.

Profissional faz depilação a laser em axila de mulher branca que está de sutiã preto. O fundo da imagem é rosa
Legenda: Os profissionais que executam os procedimentos estéticos devem ser fiscalizados pelo Conselho de Classe
Foto: Shutterstock

Enquanto o Conselho de Classe não sai do papel, cabe somente à vigilância sanitária de cada cidade inspecionar os estabelecimentos de estética para garantir que sejam cumpridas as normas e, assim, promover segurança, qualidade e conformidade dos produtos utilizados e dos serviços prestados com as legislações vigentes.

'Sofri por dois anos', desabafa jovem que teve queimaduras na pele por depilação a laser

O médico veterinário Alex Costa, 31, tem peregrinado por clínicas de estética de uma mesma rede presente em Fortaleza desde 2022, quando decidiu se submeter a sessões de depilação a laser no corpo inteiro. Ele desembolsou cerca de R$ 3,6 mil por dez sessões.

"Desde o início, sofri diversas queimaduras pelo corpo, inclusive, no rosto, nos braços e na região íntima. Me mudaram de unidade diversas vezes, sempre alegando que o laser era compatível com meu tom de pele, porém, havia erro humano na execução, e, com isso, estariam me transferindo para uma profissional mais habilitada. As queimaduras diminuíram até não ocorrerem mais, porém, os pelos nunca caíram", compartilhou o médico veterinário.

Montagem de fotos mostra Alex de rosto à esquerda e uma parte de sua pele queimada à direita
Legenda: Alex Costa sofreu diversas queimaduras pelo corpo devido a procedimento de depilação a laser em clínica de estética em Fortaleza
Foto: Arquivo Pessoal

Ele lembra que, na venda do pacote, a clínica prometeu que o procedimento faria com que mais de 90% dos pelos do corpo caíssem. No entanto, vendo que o cliente não obtinha resultado, o estabelecimento teria baixado esse percentual para "apenas 50%". 

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"Primeiro, ficaram dizendo que era a potência [do laser] que estava sendo aplicada de maneira errada e, por isso, as queimaduras. Depois, disseram que estavam colocando [a potência] baixo demais e teriam que ir aumentando gradativamente. Depois, disseram que era problema hormonal, mas fiz exames e deu tudo ok. Agora, dizem que é meu corpo, e que o laser não é definitivo, sendo que prometem depilação a laser sem dor e definitiva. Era para ser dez sessões, mas já dura mais de dois anos", critica o veterinário.

Denúncias a respeito de clínicas de estética irregulares devem ser feitas à Agência de Fiscalização (Agefis), em Fortaleza, pelo aplicativo Fiscalize Fortaleza (disponível para Android e iOS), pelo telefone 156 ou pelo site "Denúncia Agefis".

Alex fará uma reclamação formal contra a clínica de estética nos órgãos de defesa do consumidor, mas lamenta ter perdido tempo, dinheiro, e ainda ter sofrido danos na própria pele — cujo tratamento foi custeado por ele mesmo e cada pomada custou cerca de R$ 90.

"Sofri por dois anos. Já faz um tempo que não tenho queimadura, mas não tive resultado, também. Detalhe: se recusam a devolver o dinheiro e continuam me oferecendo planos mentirosos", reclamou o cliente.

'Estética e Embelezamento' concentra 54,5% das denúncias que chegam à Anvisa

O relatório mais recente das denúncias que chegam à Anvisa relacionadas a serviços de interesse para saúde — categoria que engloba hotéis, salões de beleza, estúdios de tatuagem, clínicas de estética, creches, comunidades terapêuticas e outros —, publicado em 2023, aponta que "Estética e Embelezamento" é a categoria de serviço com o maior número de problemas, representando 54,5% das denúncias.

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Em Fortaleza, o serviço é monitorado pela Agefis. Segundo o órgão, no ano passado, foram conduzidas 58 fiscalizações em estabelecimentos de estética e lavrados 45 documentos fiscais, entre autos de infração e notificações. Nesse período, os fiscais ainda interditaram quatro clínicas por descumprimento das normas.

Neste ano, em apenas seis meses, a Agefis já registrou 48 fiscalizações, lavrou 47 documentos fiscais e fechou um estabelecimento do tipo na Capital. O órgão municipal explicou que, nas inspeções, observa apenas:

  • Se o local está de acordo com as normas e padrões higiênico-sanitários;
  • Se os profissionais atuantes estão legalmente habilitados junto ao Conselho de Classe;
  • Se há estrutura adequada, validade dos insumos e regularização dos produtos e equipamentos;
  • Se o estabelecimento utiliza materiais descartáveis quando necessários;
  • Se o estabelecimento garante a qualidade da desinfecção e esterilização para aqueles que podem ser reprocessados.

Além disso, são verificadas as documentações necessárias, como:

  • Licença Sanitária;
  • Alvará de Funcionamento;
  • Plano de Gerenciamento de Resíduos dos Serviços de Saúde (PGRSS);
  • Certidão de Regularidade Técnica;
  • Procedimentos Operacionais Padronizados.

A Associação Nacional dos Esteticistas e Cosmetólogos (Anesco) recomenda que os profissionais mantenham expostos seus diplomas de formação em instituição de ensino credenciada pelo Ministério da Educação (graduação ou curso técnico) para facilitar a identificação aos clientes. O profissional deve ter registrada a sua capacitação, por meio de diplomas válidos e reconhecidos e/ou através da carteira funcional, geralmente fornecida pela Anesco ou outra entidade de classe equivalente, como sindicatos.

O que observar ao buscar atendimento em uma clínica estética?

O cliente interessado em se submeter a qualquer procedimento estético deve, além de verificar a qualificação do profissional que executará o procedimento, seguir uma série de orientações para saber se o estabelecimento é adequado, como:

  • Verificar se o estabelecimento está devidamente regularizado perante a Vigilância Sanitária;
  • Observar a limpeza do ambiente (higienização, desinfecção e esterilização de materiais, utensílios e equipamentos);
  • Entrar em contato com a vigilância sanitária do município para tirar dúvidas sobre a regularização do estabelecimento;
  • Solicitar ao profissional a comprovação de capacitação para o procedimento que será executado;
  • Consultar no site da Anvisa se determinado produto, equipamento ou acessório utilizado é regularizado pelo órgão.