Legislativo Judiciário Executivo

Quando Selma Barbosa começou a trabalhar com brinquedos, há 12 anos, ela não imaginava que, tempos depois, montaria a sua loja na cidade de Maracanaú, na Região Metropolitana de Fortaleza, e, assim, sustentaria integralmente a família. Com R$ 400 emprestados por uma irmã, ela começou a comprar e vender a mercadoria de modo intuitivo, mas hoje, junto ao marido, Luciano Ferreira, recorre a meios institucionalizados de suporte.

Com uma estrutura mais firme para empreender, eles conseguem fazer projeções otimistas para o negócio. “A gente fica sonhando, tem que ter objetivo, né? Tem que trabalhar em cima de objetivo, é ele que nos impulsiona a correr atrás”, compartilha Luciano.

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Não é para menos: nos próximos anos, os pequenos negócios devem assumir maior relevância na economia dos municípios. O mérito é, em parte, da Reforma Tributária, promulgada em 2023. 

A partir de 2026, começa o período de teste da reforma sobre o consumo. Até 2028, serão mensurados os impactos reais das mudanças que começarão a valer de maneira escalonada em 2029. Isso vai repercutir nas esferas federal, estaduais e municipais, e exigirá intensa cooperação de entidades do Sistema Nacional de Fomento (SNF), como o Sebrae e o Banco do Nordeste (BNB). 

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Para além de marcos regulatórios federais e medidas econômicas de escala macro, é nas cidades que a atividade econômica se manifesta e que o dinheiro gerado pelos pequenos negócios se movimenta. Por isso, é importante trazer as prefeituras para o debate.

“Os municípios são o elo mais próximo da população – é onde o pequeno negócio abre as portas, onde o cliente compra, onde se gera emprego e renda. Ao fortalecer o ambiente de negócios local, estamos estimulando o desenvolvimento regional, reduzindo desigualdades e gerando oportunidades onde as pessoas vivem”, avalia Alci Porto, diretor técnico do Sebrae.

Imagem mostra Alci, um homem de meia-idade, usando óculos e camisa xadrez azul, sentado em ambiente interno, gesticulando com a mão direita. Ao fundo, há prateleiras com cestos de palha e artesanatos, além de um quadro com camiseta laranja emoldurada. Este é o seu escritório no Sebrae/CE.
Legenda: Alci Porto é economista pela UFC e possui especialização em “Políticas Públicas para as Micro e Pequenas Empresas”, pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e “Formação de Consultores em Gestão Empresarial – Foco na Pequena e Média Empresa”, pela Associação Brasileira de Instituições Financeiras de Desenvolvimento (ABDE).
Foto: Thiago Gadelha

A cooperação com diferentes atores é um ponto-chave nesse objetivo, como indica Eliane Brasil, superintendente estadual do Banco do Nordeste. Entre outras funções, a instituição intermedia a oferta de crédito entre o Governo Federal e os agentes econômicos locais. 

“Como nós temos programas que permeiam todos os municípios do Nordeste, estabelecer a parceria para que o banco tenha espaço nas ações da prefeitura, para que o CrediAmigo e o Agroamigo possam atuar junto da sociedade, aumentando a facilidade desse crédito, é fundamental”, cita a superintendente.

Assim, esses atores ajudam a pulverizar fontes de receita e diminuir a incidência do fenômeno da “economia sem produção” em municípios menores. Isso ocorre quando a atividade econômica e a renda da população são majoritariamente provenientes da administração pública, baseada em pagamentos a servidores, aposentados, pensionistas e em transferências das prefeituras, em vez da produção e movimentação de negócios.

A geração de emprego nos municípios

A expansão do emprego público não é um fenômeno negativo, considerando que ocorre, geralmente, em sintonia com a ampliação das funções do Estado e a universalização dos serviços basilares para a população.

Por outro lado, mesmo que a relação entre emprego público e estoque geral de empregos no Brasil seja menor que em países da Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE), a folha salarial é, inegavelmente, uma das despesas mais significativas nas prefeituras. 

Informação retirada do estudo "Emprego público no Brasil: bases atuais da coesão federativa e do desenvolvimento territorial – da Constituição Federal de 1988 ao presente", reunido em coletânea do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 2023.

Em 2023 e 2024, pelo menos 17 prefeituras cearenses extrapolaram os gastos com pessoal – chegando a mais de R$ 1 bilhão – e descumpriram a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). São cidades com baixa arrecadação de impostos, que comprometeram mais de 54% da receita corrente líquida somente com o pagamento de funcionários, segundo dados do Tribunal de Contas do Ceará (TCE-CE).

“O banco quer ser o preferido no trânsito de recursos do Governo Federal porque esse dinheiro fica aqui e acaba sendo utilizado, de uma forma ou de outra, para financiar mais e mais investimentos. [...] Nós temos tido um trabalho muito consequente de proximidade com prefeitos e prefeitas para que essa relação e essa oportunidade de crédito possam chegar em cada um dos interessados nos municípios e nos distritos”, pontua Eliane Brasil. 

Os gestores municipais também podem fomentar seus mercados locais com ações próprias. Estas devem estar alinhadas às demandas de cada localidade.

Como criar cidades empreendedoras

O Sebrae atua em uma frente ampla de apoio à gestão municipal para fortalecer o ambiente econômico local, elaborando guias e orientações para gestores experientes e novatos. O trabalho inclui a implementação da Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, com foco em desburocratização, formalização de empreendedores, educação empreendedora e melhoria do ambiente de negócios. 

Na própria governança da administração pública, também é possível fortalecer o empreendedorismo. A realização de diagnósticos, elaboração de planos estratégicos, atualização de marcos legais e a atualização da política de Compras Públicas são essenciais nesse contexto. 

“Outras ações envolvem capacitações de servidores públicos, apoio à criação de Salas do Empreendedor, estímulo a compras governamentais dos pequenos negócios locais, e fomento à inovação e inclusão produtiva”, complementa Alci Porto.

A Sala do Empreendedor funciona como um "hub de soluções", integrando serviços de diversas instituições para facilitar e viabilizar os negócios dos empreendedores. As parcerias incluem órgãos como o Sebrae, o BNB, o Sistema Nacional de Emprego (Sine) e outros.

A atuação integrada também possibilita a capilaridade de projetos externos à administração pública, como o Agente Local de Inovação (ALI). Aderindo ao programa “Cidade Empreendedora”, os gestores assumem o compromisso pelo fortalecimento do ambiente de negócios e pela criação de uma base sólida para o desenvolvimento sustentável.

O desafio de entender as particularidades de cada cidade 

Futuramente, os municípios assumirão maior protagonismo e autonomia na política tributária. A Emenda Constitucional 132, entre outros pontos, inverte a dinâmica de arrecadação ao atrelar a receita do novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) para onde o consumidor final se encontra, não mais à origem da produção. 

O IBS será recolhido por estados e municípios, substituindo, até 2033, o ICMS e o ISS. Junto à Contribuição Sobre Bens Serviços (CBS), de responsabilidade federal, o tributo vai compor o novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA) ao fim do período de transição. Assim, a tendência é que os municípios priorizem a retenção do consumo local e o fortalecimento do poder de compra dos habitantes. 

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“Há uma tendência clara de descentralização econômica e fortalecimento das economias locais, seja por mudanças no comportamento do consumidor, avanços tecnológicos, ou mesmo por questões ligadas à sustentabilidade e à valorização do que é regional”, explica Alci Porto, do Sebrae.

A familiaridade com as demandas e particularidades de cada território é essencial para alcançar esse objetivo. Entendendo esse papel, muitas cidades cearenses chegaram a ser reconhecidas nacionalmente por iniciativas nesse sentido.

O projeto "Fortaleza Online", vencedor do prêmio Prefeitura Empreendedora do Sebrae, é exemplo disso. A plataforma digital integra de maneira online e imediata dezenas de serviços, como Alvarás e Licenças Sanitárias de Baixo Risco, para desburocratizar o licenciamento municipal. 

Com isso, abarcou 90% das demandas desse tipo, beneficiando mais de 315 mil pequenos negócios. Com um processo de abertura simplificado, hoje, Fortaleza já conta com 700.112 CNPJs ativos, segundo a Junta Comercial do Estado do Ceará (Jucec).

A manutenção das atividades, por outro lado, é um desafio. Um estudo realizado pelo Sebrae com dados da Receita Federal (RFB), divulgado em 2023, mostrou que a taxa de sobrevivência das empresas brasileiras é diretamente proporcional ao seu porte. 

Dos negócios abertos a partir de 2017, apenas 57,7% continuaram ativos depois de cinco anos – isso para MEI. Para as MPs, essa taxa sobe para 74,3%. Já as empresas de pequeno porte e as demais, aparecem com 78,6% e 83,4%, respectivamente. 

Para evitar que cenários como esse se perpetuem, é necessária atuação integrada. Por exemplo, em Fortaleza, a estratégia é distribuir iniciativas específicas para cada Secretaria Regional da cidade. 

“Hoje, nós temos 12 regionais e 121 bairros. Cada bairro tem uma peculiaridade. O que é prioridade na área de serviço e comércio no Bom Jardim é completamente diferente o que é prioridade e desenvolvido na Messejana. Por exemplo, na Regional 1, a predominância de salões de beleza indica uma demanda por capacitação nessa área”, observa o secretário municipal de Desenvolvimento Econômico, Antônio José Mota.

“A gente tem que dar ênfase aos pequenos negócios porque eles é que realmente são base da nossa atividade econômica. [...] Por exemplo, o número de MEIs, de pequeno porte, representa 89% dos nossos CNPJs”, comenta, ainda.

Na mesma perspectiva, a Secretaria do Trabalho, Emprego e Empreendedorismo de Maracanaú começou a implantar algumas políticas inéditas. A Prefeitura lançou, em junho, o projeto-piloto "Eu Quero Mais", que busca a emancipação de beneficiários do Bolsa Família por meio do empreendedorismo, qualificação e empregabilidade.

“O Bolsa Família é uma política importante, mas a gente quer mais. A gente quer que esses maracanauenses não sobrevivam só com a ajuda de R$ 600, R$ 700 ou R$ 800. A gente quer que eles ganhem R$ 2 mil ou mais e possam ter uma melhoria da qualidade de vida, evolução social”, comentou Júnior Gadelha, chefe da Secretaria do Trabalho da cidade.

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Esse é um desejo do público atendido pelo benefício também. Em 2024, 75% das novas vagas de emprego formal (1,27 milhão) foram ocupadas por destinatários do Bolsa Família, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). 

O Caged mostra, na prática, que as pessoas do Bolsa Família e do Cadastro Único querem trabalhar, estão empregadas, mas buscam empregos decentes. Peço que observem essa realidade para evitar qualquer forma de preconceito contra os mais pobres
Wellington Dias
Ministro do Desenvolvimento e Assistência Social

A pasta federal, inclusive, é responsável por muitos programas nesse sentido, como o Acredita no Primeiro Passo. A iniciativa oferece microcrédito orientado, assistência técnica e capacitação para empreendedores de baixa renda, com foco em mulheres e jovens. Os beneficiários do Bolsa Família são públicos prioritários. 

Os municípios, assim como os estados e o Distrito Federal, participam do programa de três formas:

  • Podem custear empréstimos por fontes de recursos próprias, inclusive por meio de captação de doações para essa finalidade;
  • Podem firmar contratos, convênios, acordos de cooperação, termos de execução descentralizada, instrumentos de transferência fundo a fundo, ajustes ou outros instrumentos congêneres no âmbito do programa;
  • Apoiam o agente estruturador de negócios para a realização de eventos presenciais de busca ativa e sensibilização do público-alvo do programa.

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Legenda: Adesão ao Acredita aconteceu no São João de Maracanaú. Ministro também visitou o Cras da Pajuçara.
Foto: Roberta Aline/MDS

Fortaleza e Maracanaú aderiram ao Acredita. Com a oferta de cursos de formação para os empreendedores, segundo o secretário de Desenvolvimento Econômico da capital cearense, a adesão está na fase final de aprovação.

“Nós estamos na fase burocrática da questão dos repasses porque isso tudo tem uma prestação de contas, exige uma série de documentos e nós estamos nessas tratativas para tudo, agora a partir do segundo semestre, ser lançado”, indica.

Num segundo momento, a Prefeitura pretende viabilizar a oferta de crédito, um reforço essencial na manutenção dos negócios. As tratativas para isso ainda estão em curso. A ideia é que o formato seja similar ao Programa de Microcrédito Produtivo (Ceará Credi), iniciativa do Governo do Estado.

Em Maracanaú, também em fase de planejamento, está um projeto que visa gerar renda pela ocupação de áreas públicas, fornecendo estrutura física, como carrinhos, e qualificação na área da gastronomia para que pequenos empreendedores atuem em praças e bairros. Assim, a cidade fortalece seus polos gastronômicos.

Outros projetos incluem, ainda, a área da moda e beleza no planejamento, com formação para costura e o oferecimento de um salão social em parceria com o terceiro setor, garantindo meios para a geração de renda. Estudam-se também parcerias com escolas profissionalizantes. 

Renda x crédito

O Crediamigo e o Agroamigo, ambos do Banco do Nordeste, se destacam por serem, respectivamente, os maiores programas de microcrédito urbano e rural do Brasil. Além da possibilidade de contratação de pequenos valores com taxas de juros e prazos diferenciados, eles se destacam pelo acompanhamento e orientação técnica dos agentes de crédito, dispensando a exigência de garantias reais para grupos solidários.

Empreendedores que atuam na informalidade também conseguem ter acesso a crédito, seja na indústria (marcenarias, sapatarias, padarias e outros), no comércio (ambulantes, vendedores em geral, mercadinhos, papelarias, etc) seja nos serviços (salões de beleza, oficinas mecânicas, borracharias, etc). 

Isso se aplica ao casal Selma, de 56 anos, e Luciano, de 51. Em Maracanaú, cidade com o maior polo industrial do Ceará e com a 2ª maior economia do Estado, o negócio de brinquedos começou a se fortalecer e a sustentar a família integralmente após a pandemia, quando eles recorreram a empréstimos como o Crediamigo.

Inicialmente cético, Luciano se beneficiou do apoio da vizinhança para acessar o crédito e, com o reforço financeiro, conseguiu montar a loja física e delinear uma estratégia mais sólida de mercado. A conversa inicial com o agente de crédito do BNB foi essencial. 

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“Entreguei os documentos, pedi R$ 2 mil e, de imediato, eles me liberaram R$ 1,6 mil. Aí investi e já estou há quase um ano participando desse grupo, e graças a Deus está dando certo. É o terceiro empréstimo que a gente faz”, relata. 

As condições oferecidas pelo BNB representam uma alternativa a bancos e métodos tradicionais de acesso a crédito. Segundo a 9ª pesquisa Pulso dos Pequenos Negócios, divulgada pelo Sebrae neste ano, 27% dos empreendedores buscaram empréstimo bancário para as suas empresas, mas, destes, 49% não lograram êxito. 

É aí que entram iniciativas como o Crediamigo, o Agroamigo e o Acredita no Primeiro Passo. Merece destaque, ainda, o Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas (Fampe), arranjo do Sebrae que tem o Banco do Nordeste e outras instituições como parceiros. Assim, empreendedores podem ter acesso a valores até maiores de financiamento.

Nesse caso, se as garantias oferecidas pelo negócio não forem suficientes para a contratação, o Sebrae pode entrar como avalista de até 80% da operação. “Nessas ocasiões, fundos garantidores como Fampe fazem um papel fundamental porque é muito difícil ter uma garantia real para fazer o empréstimo”, explica a superintendente estadual do BNB.

Qual a relação dos municípios com essa discussão?

É fundamental analisar a intersecção entre municípios, programas sociais e políticas federais. O empreendedorismo é uma das apostas do Governo Federal para emancipar a população vulnerável de programas assistenciais, como o Bolsa Família, sem impactar negativamente a renda dos lares e a economia nos entes federados

Com seus 20 anos de vigência – houve interrupção durante o Governo Bolsonaro, que o substituiu pelo Auxílio Brasil –, o Bolsa Família se tornou o principal programa social do País e representou, desde o início, uma importante ferramenta de dinamização da economia das cidades. 

Mas de 2024 a 2025, a União já previa menos R$ 1,4 bilhão para o programa, sem reajuste no valor global. O texto final do Orçamento passou com um corte ainda maior nessa despesa, de R$ 7,7 bilhões. Ou seja, o Bolsa saiu de R$ 168 bilhões para cerca de R$ 159 bilhões do ano passado para cá.

Agora, o Governo investe em alternativas com estados, municípios e setor privado. As operações do Banco do Nordeste para pequenos empreendedores, por exemplo, são executadas majoritariamente com recursos federais, por meio do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE).

A parcela direcionada ao Crediamigo, segundo Eliane Brasil, é contraída significativamente por clientes inscritos no Cadastro Único (CadÚnico), sistema de entrada para programas sociais da União. É o caso do casal de Maracanaú, que deixou de receber o Bolsa Família há alguns anos, com o aumento da renda familiar. 

Mulher de cabelos castanhos e lisos, sorrindo, veste camisa social vermelha com o logotipo do Banco do Nordeste e a palavra “Agronegócio” bordada. Ao fundo, há um estande com elementos visuais do banco, incluindo logotipo iluminado, painel verde com vegetação artificial e cartaz sobre energia solar.
Legenda: Há 33 anos no Banco do Nordeste, Eliane Brasil é formada em Ciências Contábeis pela UFC, Pós-Graduada em Administração e Negócios pela Faculdade Christus e MBA Executivo Empresarial pela Fundação Dom Cabral.
Foto: Fernando Cavalcante/BNB

Assim como eles, somente no mês de julho, 958 mil famílias conseguiram um emprego estável ou melhoraram a condição financeira como donos de pequenos negócios. Com a autonomia, deixaram de depender de programas de transferência de renda. Desse total, inclusive, 536 mil famílias estavam na reta final do prazo da Regra de Proteção do benefício.

A Regra de Proteção existe desde 2023 e é voltada a famílias que começaram a melhorar de vida, mas ainda enfrentam instabilidade. Para auxiliar o processo de autonomia financeira, aqueles que aumentaram a renda acima do limite de entrada no Bolsa (R$ 218 por pessoa), podem seguir recebendo metade do benefício por um período determinado. Até junho, eram 24 meses. Hoje, o prazo caiu pela metade, para 12 meses.

Segundo o ministro Wellington Dias, essa emancipação é resultado de um conjunto de políticas voltadas à inclusão produtiva e à geração de oportunidades. As prefeituras exercem papel essencial nesse contexto, pois gerenciam equipamentos como os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), por onde famílias em vulnerabilidade acessam o Bolsa Família, e também são responsáveis por indicar alguns meios de saída, como as Salas do Empreendedor. 

Isso garante uma relação de proximidade com interessados nos programas voltados aos pequenos negócios. “O nosso microcredito urbano, o Crediamigo, atende em cada um dos distritos, em cada um dos municípios. Não existe um único município no Ceará ou no Nordeste, como um todo, que não receba ação concreta. Aqui, no Ceará, o ano passado, foram 3 bilhões e 400 milhões aplicados em micronegócios”, menciona Eliane Brasil, do BNB.

Desafios ainda existem 

Apesar de todos os investimentos já citados, o trabalho dos donos de pequenos negócios ainda é cheio de dificuldades. Selma e Luciano, por exemplo, acumulam jornadas ao longo da semana para alcançar o lucro adequado.

De segunda a sexta, tocam a loja em horário comercial. No fim de semana, vão a Fortaleza em busca de novos clientes. Com licença comercial na Capital, eles vendem seus produtos em pontos frequentados por públicos diversos, especialmente crianças, como o Parque Rachel de Queiroz e o Parque do Cocó. Além disso, atuam na informalidade, com incertezas sobre aposentadoria e segurança do negócio. Mas o casal pretende mudar isso em breve. 

Ainda na capital cearense, o PontoPoder conversou com Wendy Teixeira, natural de Goiás, que vive em Fortaleza e administra um restaurante self-service e uma fábrica de doces para revenda. Com 16 funcionários no primeiro estabelecimento e oito no segundo, ela diz que a principal dificuldade reside na atração de mais mão-de obra. 

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Por este e outros motivos, a goiana, que vive em Fortaleza há 30 anos, não vê o futuro dos seus empreendimentos familiares com otimismo. A projeção está em sintonia com outro cenário revelado pela pesquisa Pulso. Quase metade dos empreendedores ouvidos no levantamento (43%) informou ter muitas dificuldades para manter o negócio. O percentual já foi maior na pandemia, chegando a 57%, mas a conjuntura ainda preocupa. 

A lacuna obriga Wendy a deixar o escritório e voltar para a cozinha, dificultando a busca efetiva de soluções para o negócio e a expansão desejada. 

“O restaurante cresceu duas vezes. A gente alugou a casa daqui e a de lá em dois anos. Ainda temos um déficit de três pessoas para serem contratadas, mas não conseguimos suprir essa contratação de jeito nenhum. As pessoas não estão vindo nem para a entrevista, e a gente ainda oferece a passagem para vir”, relata.

Ela passou a flexibilizar os requisitos de contratação e abrir oportunidades para pessoas sem experiência no ramo, mas não teve sucesso. 

“As pessoas alegam que, se vierem trabalhar, vão deixar de receber o Bolsa Família, que dá mais da metade do salário que ela receberia, mas ficando em casa. [...] Eu não posso pagar mais porque tem toda uma carga atrás daquele valor, o funcionário custa 70% a mais do que o salário dele. Fora alimentação, transporte…”, comenta a empresária. 

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Legenda: Wendy gostaria de se dedicar mais às atividades de gestão, mas a cozinha monopoliza a rotina.
Foto: Davi Rocha

O doutor em Economia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) Francisco José Silva Tabosa aponta que essa queixa tem sido recorrente entre empregadores, apesar dos números do Caged já mencionados. Muitas vezes, o valor da remuneração – seja por carteira assinada, seja por “bicos” – pode não parecer vantajoso em comparação ao valor do Bolsa Família. 

“Pode ser que, por parte do beneficiário, ele tenda a fazer essa comparação, mas não sei se é totalmente racional. [...] O ingresso ou retorno ao mercado de trabalho pode possibilitar ganhos de renda maiores”, argumenta.

Wendy relata que já buscou vários meios de atrair mão de obra, como anúncios direcionados e o próprio Sine (municipal e estadual), mas sem sucesso. 

O secretário do Desenvolvimento Econômico de Fortaleza, por outro lado, pontua que o problema, de fato, não é somente local. Para contornar esse problema, a gestão tem buscado parceria com o Sebrae e com a Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) e realizado mutirões de empregabilidade.

Ele complementa que a Prefeitura tem dado ênfase ao Sine Municipal nos primeiros seis meses de gestão, e cita um exemplo de uma atividade semelhante à desempenhada por Wendy.

No início de julho, fizemos um mutirão com sucesso para as barracas de praia. Foi ofertado para o público mais de 200 vagas como garçom, cozinheiro, atendente de caixa e outros. Estamos já desenvolvendo mutirões com outros segmentos da economia. Dando um dado mais concreto, fizemos 1.129 processos de recrutamento e seleção. 
Antônio José Mota
Secretário de Desenvolvimento Econômico de Fortaleza

Mesmo assim, a empresária não deu indicativos de que sente o adequado suporte do Poder Público às suas atividades, seja em Brasília ou no Ceará. Para ela, é necessário uma abertura maior para ouvir as demandas dos negócios de todos os portes, evitando concorrências "desleais" com grandes empreendimentos, por exemplo, e garantindo a manutenção das atividades.

Despesas pesam

Nas empresas de Wendy, os impostos sobre o salário dos funcionários, como INSS e FGTS, representam carga significativa no caixa. Ela adere ao Simples Nacional, cujos impostos correspondem à média de 3,5% do faturamento. Somando o Simples e os encargos trabalhistas, 15% do faturamento se converte em impostos.

Outra fatia importante vai para o custeio do negócio (o famoso capital de giro), como a compra de insumos como a carne bovina. Subtraindo essas despesas, o lucro do restaurante fica em 1,5% a 2% da receita. “É muito baixo”, observa.

Ela tenta diversificar o cardápio. Esse ponto é determinante, ainda, na fábrica de doces. A principal matéria-prima, o chocolate, não só passa por um expressivo e frequente aumento de preço desde o ano passado como também tem sumido das prateleiras. 

A palha e o brownie são produtos de consumo rápido, de preço baixo, mas estão virando ‘artigos de luxo’. Então a venda cai porque a gente tem muita escola, cantina e supermercado (como clientes), e um doce que custava no máximo R$ 5 para revenda, hoje em dia está chegando a R$ 10 ou R$ 12. 
Wendy Teixeira
Dona de fábrica de doces e de restaurante em Fortaleza

A queda de qualidade devido à mudança na composição dos insumos, além das consultorias sanitárias dos dois estabelecimentos, também entram na sua planilha os gastos.

Sem saber a quem recorrer, ela recebeu uma visita inesperada do Sebrae e passou a ser acompanhada pelo programa Agente Local de Inovação (ALI), que integra o plano Brasil Mais Produtivo, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Desde o início do ano, ela participa das atividades. 

Funciona assim: um agente do Sebrae vai aos bairros, escolhendo empresas para desenvolver projetos próprios de inovação e alternativas a partir do diagnóstico das “dores” de cada empresa. “Eles diagnosticam suas dores e te dão o meio de resolver. Por mais que esteja difícil, ainda existem ferramentas como essa para você se apoiar”, avalia.

Em síntese, o ALI busca estimular a educação empreendedora, desenvolver o potencial econômico-social de territórios brasileiros e seus ecossistemas e promover a inovação de arranjos locais, produtos, serviços e processos, incluindo sustentabilidade e tecnologia.

A esperança está nesse programa agora. Ela espera conseguir a organizar a casa e tirar do papel a expansão do negócio. 

Exemplos como esse mostram que, mesmo com avanços no campo do empreendedorismo no setor público, há sempre mais a ser feito. Cabe à Política a identificação dos gargalos nos negócios de menor porte e a busca de soluções, como as indicadas pelo Sebrae.