O que esperar de ‘Ainda Estou Aqui’, Fernanda Torres e Brasil no anúncio de indicações do Oscar 2025
Lista de produções indicadas nas categorias da premiação será divulgada na quinta-feira (23)

“O Brasil tem esse complexo de vira-lata, dessa não-comunicação com o mundo, e, por outro lado, o Brasil tem pena do mundo não saber o que a gente sabe. Quando alguém fura a fronteira e leva algo que nos é pessoal para fora, é essa espécie de sentimento de ‘olha o que a gente tem de rico’”.
Quem diz é a atriz Fernanda Torres, protagonista de “Ainda Estou Aqui”, primeira brasileira premiada na história do Globo de Ouro e uma das esperanças de indicação do longa dirigido por Walter Salles no Oscar deste ano.
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A fala da artista, em entrevista ao jornalista Rodrigo Ortega do Uol, resume de forma precisa a reação do público brasileiro com as possibilidades do longa e da própria atriz figurarem nas indicações da 96ª edição do prêmio estadunidense. Quais são, no entanto, as chances dessa expectativa ser cumprida plenamente na manhã da próxima quinta (23), quando os indicados serão anunciadas?
De forma resumida: “Ainda Estou Aqui” tem indicação dada como certa na categoria de Melhor Filme Internacional, ainda que outra obra seja apontada como a favorita para vencer, e Fernanda Torres está com o nome fortalecido e ascendente na competitiva disputa de Melhor Atriz no Oscar de 2025. A presença do longa em outras categorias, caso ocorra, será surpreendente.
"Ainda Estou Aqui": favorito à indicação
Aos fatos: o filme — que se passa durante a Ditadura Militar no Brasil dos anos 1970 e acompanha os impactos do regime na vida do casal Eunice (Fernanda Torres) e Rubens Paiva (Selton Mello) — estreou mundialmente no prestigiado Festival de Veneza, em setembro do ano passado.
De lá, a obra saiu com o prêmio de Melhor Roteiro e, também, elogiada por aspectos como a atuação de Fernanda Torres no papel da protagonista. No mesmo mês, o filme foi escolhido como representante do Brasil na disputa de Melhor Filme Internacional.
A mais recente indicação de um filme brasileiro nessa categoria ocorreu justamente com “Central do Brasil”, também dirigido por Walter Salles e com Fernanda Montenegro, mãe de Fernanda Torres, como protagonista.
As chancelas dos festivais e a relação pregressa de Salles com a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que concede o Oscar, impulsionaram o nome do filme e, desde cedo, ele já figurava nas listas de apostas.
Inúmeras premiações da crítica dos EUA reconheceram a produção, com destaque para o tradicional National Board of Review e o Critics Choice Awards, bem como o Globo de Ouro e o BAFTA, importantes prêmios prévios ao Oscar.
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No caminho do filme até o grande prêmio, no entanto, há um forte concorrente: o longa “Emilia Pérez”. Contando uma trama que se passa no México, mas filmada na França, com direção e recursos franceses e atrizes europeias ou norte-americanas nos papeis principais, o filme está sendo cogitado como um dos principais indicados neste ano em diversas categorias.
Além de favorito em Filme Internacional no Oscar, “Emilia Pérez” vem sendo indicado e premiado em eventos prévios e associações da crítica em outras categorias, como Filme, Direção, Atriz (a espanhola Karla Sofía Gascón) e Atriz Coadjuvante (a favorita Zoe Saldaña), por exemplo.
Fernanda Torres: chances crescentes de indicação a Melhor Atriz
A última vez que uma atriz de fora dos EUA que protagonizou uma produção também estrangeira venceu a categoria no Oscar foi em 2007, com Marion Cotillard. Michelle Yeoh, vencedora em 2023, nasceu na Malásia, mas fala inglês no estadunidense “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”.
Já a última vez que duas atrizes estrangeiras, em produções estrangeiras e faladas em língua não inglesa, foram indicadas no mesmo ano foi em 1977: Marie-Christine Barrault, no filme francês "Primo, Prima", e Liv Ullmann, no sueco "Face a Face".
Esses contextos ajudam a entender porque, até pouco tempo atrás, o nome de Fernanda Torres não estava sendo considerado “forte” na disputa de 2025 na categoria de Melhor Atriz.
Apesar de elogios e reconhecimentos estrangeiros para a brasileira — prêmio especial do Critics Choice Awards, 2º lugar no prêmio de melhor atuação da Associação de Críticos de Cinema de Los Angeles e indicação ao Satellite Awards, entre outros —, o favoritismo de Karla Sofía Gascón levava a crer que ela seria a única indicada de fora dos EUA.
Um dos reconhecimentos que Fernanda Torres angariou, no entanto, foi um importante ponto de virada. No Globo de Ouro, ela disputou a categoria de Melhor Atriz - Drama com nomes como Kate Winslet e Angelina Jolie. Saiu vencedora.
Este marco histórico que veio mais de 25 anos depois da mãe dela, Fernanda Montenegro, ter sido indicada à mesma categoria por “Central do Brasil”, ajudou Fernanda Torres a visibilizar o próprio nome e o filme nos Estados Unidos.
O Globo de Ouro é votado por jornalistas de todo o mundo sem relação com os votantes do Oscar, mas, como evento televisionado, trouxe uma plataforma importante para a brasileira. Após a vitória, ela concedeu entrevistas para veículos como a tradicional Variety e apareceu em programas televisivos como “Live with Kelly and Mark” e “Jimmy Kimmel Live!”.
O caminho até o Oscar, afinal, envolve muito mais do que somente a subjetiva “qualidade” de um trabalho cinematográfico. É, também, sobre visibilidade e narrativa de campanha. O fato de Fernanda Torres ser filha de Fernanda Montenegro e poder “repetir” a indicação ao Oscar da mãe, além de motivar a torcida dos brasileiros, também vem chamando a atenção nos EUA.
Como resultado desse acúmulo positivo de reconhecimentos e destaques na mídia, Fernanda Torres passou a figurar nas apostas de indicações das principais revistas e veículos especializados em cinema nos EUA, como Variety, The Hollywood Reporter e Indiewire.
As três também citam “Ainda Estou Aqui” como possibilidade de indicação na categoria de Filme Internacional. Há, ainda, antevisões mais ousadas: a Variety chegou a apostar em indicação na categoria de Melhor Filme, enquanto o Hollywood Reporter coloca a produção como “grande ameaça” (fora da lista de indicados, mas com chances de entrar) em Filme, Diretor e Roteiro Adaptado.
Visão geral da disputa
Neste ano, veículos especializados e premiações prévias têm desenhado uma disputa ainda em aberto para o Oscar 2025, sem claros favoritos na categoria principal do evento.
Há, porém, um certo consenso de pelo menos quatro “locks”, como são conhecidas as obras com chances consideradas certas de indicações, para a categoria de Melhor Filme: os musicais “Emilia Pérez” e “Wicked”, e os dramas “O Brutalista” e “Conclave”.
Com força variável, surgem a comédia “Anora”, outrora considerada favorita, mas que perdeu força ao longo da temporada; e a biografia “Um Completo Desconhecido”, sobre Bob Dylan, que chegou tarde na disputa, mas garantiu visibilidade e reconhecimentos importantes.
São 10 indicações na categoria principal, o que abre espaço para obras com força em outras disputas — caso não só de “Ainda Estou Aqui”, mas “Duna: Parte 2”, “A Substância” e “A Verdadeira Dor” — emplacarem indicações.