Cinco fatos no Ceará que nos obrigam a dar mais valor aos 90 anos de direito ao voto feminino

É do Ceará a primeira prefeita eleita pelo voto direto, mas ainda há muito espaço a ser conquistado

Legenda: Luiza Alzira Soriano Teixeira, do Rio Grande do Norte, foi a primeira prefeita eleita no Brasil, em 1928, quando o voto acontecia de forma indireta, apenas por pessoas delegadas
Foto: Arquivo nacional

"É eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo": a previsão de que as mulheres pudessem também ter direto ao voto no Brasil só se tornou lei no Brasil na década de 1930. Foi considerada uma das principais inovações do Código Eleitoral brasileiro, de fevereiro de 1932, fruto de muita mobilização das feministas que lutavam há décadas pelo direito (e seguem lutando), que foi homologado na Constituição de 1934.

O surgimento da República, em 1889, com a criação de uma nova Constituição, já parecia ter sido o momento ideal para que as mulheres também pudessem escolher um presidente por meio do voto. No entanto, a Constituição de 1891 seguiu deixando o voto feminino excluído, apesar da mobilização através de textos em revistas femininas, peças de teatro e mesmo emendas parlamentares.

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Desde que nos tornamos República, foram quase 40 anos de luta para garantir a conquista do sufrágio feminino. 90 anos depois, a realidade ainda é de luta. O direito ao voto foi garantido, mas as mulheres seguem mal representadas na política e sem igualdade de acesso aos espaços de poder.

No embalo da comemoração pelo importante direito de escolha política, eis cinco motivos para que as mulheres no Ceará valorizem esse direito e façam valer a oportunidade que temos em mãos ao escolhermos nossos representantes.

1) Quem fala por nós?

Atualmente, o Ceará tem apenas uma mulher deputada federal, Luizianne Lins (PT); e cinco deputadas estaduais: Aderlânia Noronha (SD), Augusta Brito (PCdoB), Érika Amorim (PSD), Fernanda Pessoa (PSDB) e Dra. Silvana (PL). Nunca houve uma mulher presidente da Assembleia Legislativa do Ceará.

No Senado, não há mulheres entre os três senadores atuais. Até hoje, apenas uma mulher foi eleita para o Senado pelo Ceará, a atual conselheira do Tribunal de Contas do Estado Patrícia Saboya. Ela foi eleita em 2002 com 1.864.404 votos. Antes, em 1982, a juazeirense Alacoque Bezerra assumiu como senadora suplente de 18 de outubro de 1989 a 15 de fevereiro de 1990, durante licença do senador José Afonso Sancho.

Almerinda Farias Gama
Legenda: Almerinda Farias Gama, única mulher a votar e ser votada nas eleições dos deputados classistas da classe trabalhadora para a Assembleia Constituinte de 1933. Ela integrava a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), associação criada em 1922 e liderada por Bertha Lutz, que é tida como uma das principais pioneiras na luta pelo direito ao voto feminino no Brasil
Foto: CPDOC/FGV

Quando o assunto é Legislativo municipal, as mulheres ocupam apenas 18% das vagas nas câmaras municipais no Ceará, segundo levantamento do Diário do Nordeste no ano passado. 

A representatividade chega a ser inexistente, no entanto, em 16 cidades, nas quais nenhuma mulher foi eleita em 2020 para as câmaras municipais. 

Em relação às prefeituras, dos 184 municípios, apenas 30 são comandados por mulheres desde o ano passado.

O Ceará, no entanto, teve a primeira mulher prefeita eleita pelo voto direto no Brasil: Aldamira Guedes Fernandes. Aldamira foi eleita prefeita em 1958 e exerceu o mandato entre 1959 e 1962. Ela era natural de Iguatu e morreu aos 89 anos, em 2013.

2) Fraudes à cota de gênero

Nas últimas décadas, o direito das mulheres à igualdade política tem sido fortalecido através de outras legislações como a que prevê a reserva de pelo menos 30% das vagas de uma chapa que busca concorrer ao Poder Legislativo para mulheres. No entanto, ainda se acumulam desrespeito à regra e, claro, às mulheres.

Em maio de 2021, o Tribunal de Justiça do Ceará, em uma decisão histórica, determinou a cassação de uma chapa de vereadores por fraude em candidaturas femininas. No mesmo mês, foram cassadas chapas em três municípios.

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As investigações do Ministério Público do Estado mostram casos de candidatas sem nenhum voto, campanha inexistente e ausência no repasse de recursos. Por trás desses indícios, está a cooptação de mulheres sem envolvimento direto por lideranças partidárias ou candidatos homens, a partir de relações familiares ou até empregatícias.

Há casos em que mulheres são registradas por partidos como candidatas sem terem conhecimento e só descobrem quando têm problemas com a prestação de contas na Justiça Eleitoral, por exemplo. 

3) Quais nomes estão no centro do debate em 2022?

Estamos em ano de novas eleições e as discussões pré-eleitorais praticamente não avançaram em apresentar novos nomes femininos para o cargos majoritários. Na disputa pela Presidência da República, há apenas uma pré-candidata, a senadora Simone Tebet, do MDB, com fraco desempenho nas pesquisas de intenção de voto. 

No Ceará, a vice-governadora Izolda Cela é "pré-candidata a candidata" do PDT na disputa pela sucessão do governador Camilo Santana (PT). O partido tem quatro pré-candidatos. 

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Além disso, Izolda tem sido o único nome de destaque em quase uma década na estratégia do maior grupo político do Estado. Foi pré-candidata em 2014 na sucessão de Cid Gomes e, em 2020, na do ex-prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio.  

4) Mulheres são as que mais esquecem em que votaram

22% das mulheres cearenses não se lembram de nenhum dos seis candidatos em que votaram nas eleições de 2018, segundo pesquisa do Instituto Opnus, obtida com exclusividade pelo Sistema Verdes Mares. O percentual é o dobro do total de pessoas do sexo masculino.

Quando o recorte na pesquisa é feito por sexo, somente 3% das mulheres lembram todos os candidatos, 74% se recorda apenas de um e 22%, de nenhum.

A situação se agrava quando o assunto é Poder Legislativo: 7 em cada 10 mulheres não lembra qual nome escolheu para senador ou senadora, deputados ou deputadas federal e estadual. Entre os homens, o percentual é menor, 49%, cerca de 5 em cada 10.

5) Ceará é o 7° estado com mais denúncias de violência contra a mulher

Como se não bastasse o cenário político, o Ceará se destaca negativamente no ranking de estados com mais registros de denúncias de violência contra o público feminino. 

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Os dados são de um levantamento de 2021 feito pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, com dados consolidados de 2020 extraídos da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos.

A luta contra a violência contra a mulher passa pela efetivação de políticas públicas de prevenção e proteção das vítimas. 

É urgente valorizar o voto

A baixa presença de mulheres nos cargos políticos e a pouca relação com o fazer político se atrelam a uma série de questões que perpassam as dimensões sociais, como a divisão do trabalho, o acúmulo de funções domésticas, o preconceito, dentre outros obstáculos; além da construção histórica da esfera política em si, muito moldada por homens e para homens. 

O horizonte que se desenha é o da urgência de se atuar em diferentes frentes. Fazer uma boa escolha nas urnas é um passo fundamental dessa luta.



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