´Não fiquei fora em 1978 por falta de futebol´

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Eterno Rei da Cidade Eterna, Roma, e craque em elegância, o ex-jogador Paulo Roberto Falcão conversou, por telefone, de Porto Alegre, sobre a Seleção de Dunga, falou da idolatria que ainda o cerca na Itália e revelou o real motivo de não ter sido convocado para a Copa do Mundo da Argentina

Se ainda estivesse jogando, você acha que teria conquistado com maior facilidade o título de "Rei de Roma"?

O mundo mudou. São outros tempos, não tenho como dimensionar isso. O que posso te dizer é que hoje a vida está muito mais fácil, porque você chega para jogar nos clubes europeus e está cheio de jogadores brasileiros e outros estrangeiros, o que te facilita muito mais o entrosamento. Quando fui para lá (Itália), era permitido apenas um jogador estrangeiro por clube. E, além disso, hoje, os jogadores já vão para os times grandes de lá. Atualmente, o Roma é um time grande, mas quando cheguei (1980), era um time que num Campeonato com dezesseis clubes chegava em oitavo lugar. Estava apenas começando a ser montado.

E hoje, quando você vai a Roma, ainda é bastante reconhecido?

Tenho o reconhecimento em Roma de pessoas que nem eram nascidas quando saí de lá. Teve até um episódio interessante, quando fui há uns três anos, não me lembro bem, nos 80 anos da Roma, teve festa, um bolo e tal, e na saída do estádio, tinham três guris, e um deles desceu do carro, muito emocionado, chorando, me pedindo autógrafo. Então falei: ´vem cá, você nem era nascido naquela época´ e ele respondeu: ´mas vi todas as suas fitas, meu pai me contou tudo´. Foi algo marcante.

Na sua opinião, o Falcão é mais lembrado pelo esquadrão do Inter nos anos 1970, pela Seleção de 1982, ou por ter sido o "Rei de Roma"?

Acho que o primeiro reconhecimento veio das conquistas aqui no Brasil com o Inter. Mas o grande reconhecimento nacional e internacional só tive mesmo a partir da ida para a Roma. Quando fui para a Itália, acho que todos os brasileiros torceram para que eu fosse bem por lá e isso também fez com que as pessoas me acompanhassem mais. Os jogos da Roma passavam todo domingo pela manhã. Acho que é um misto, junta tudo isso e acho que dá o final da história.

Você é reconhecido mundialmente pela elegância. O que te fazia perder essa característica dentro do campo?

Essas minhas atitudes sempre foram muito naturais. Não era nada programado. A única coisa para a qual me programava era de, nos primeiros minutos, procurar conhecer o adversário, ficava mais observando seu posicionamento e o do meu time para depois sim começar a jogar. Teve algumas situações, sim, de ser expulso de campo, mas sempre resultado de ter recebido uma entrada mais forte, em que eu entendia que era uma jogada mais desleal. Quando sentia que era por maldade do adversário, eu reagia.

Você acredita que um dia ainda será possível ver por aqui esquadrões parecidos com os que víamos no futebol brasileiro até os anos 1980, ou o êxodo contínuo de atletas inviabilizou isso para sempre?

Acho que o grande desafio dos treinadores hoje é fazer com que seus times sejam lembrados por terem jogado bem. Muitos times ou seleções são lembrados por terem sido campeões, mas não pelo futebol que apresentaram. Então, hoje, é mais complicado, mas dá para ganhar jogando bem, sim. Não acho que para ganhar tenha que jogar mal. Essa saída de jogadores dificulta, evidentemente. Penso que se deveria criar uma situação em que se pudesse evitar isso sem prejudicar os jogadores. Quem sabe se em vez da janela (de transferências para o futebol do exterior) ser em agosto, pudesse ser lá na frente, em dezembro, para que o atleta possa terminar o ano jogando por seu clube no Brasil.

Em 1978, o então técnico da Seleção, Cláudio Coutinho, não o convocou para a Copa, optando por levar o volante Chicão. Você ainda se sente frustrado pelo episódio?

Achei que foi uma injustiça. Não pelo Chicão, que era uma grande figura, mas eu estava num ótimo momento. Não foi uma questão de ter ou não condições. Foi por uma discussão que tive lá atrás com o Coutinho. Até nem gosto de lembrar disso, porque ele não está mais aqui, já morreu, e não seria ético ficar lembrando a situação. Mas o que posso te dizer é que não foi um problema de falta de futebol. Tanto que, naquele ano, ganhei a Bola de Ouro como melhor jogador do Brasileiro no final do ano.

Há uma história de que o Papa João Paulo II teria pedido à diretoria da Roma que não o negociasse com outro clube. É verdade isso?

É. Fiquei sabendo disso através de uma declaração do primeiro ministro da Itália na época, o Giulio Andreotti, há uns cinco anos. Na festa de aniversário dos meus cinqüenta anos, houve um depoimento do Andreotti, numa rádio romana, contando esse episódio, e isso eu não sabia. O que para mim é muito gostoso, reflete uma importância que tive, num momento importante, de uma cidade importante como Roma. Estamos falando de uma cidade que já foi praticamente dona do mundo, de um país que vende designers, que lança moda, que tem muita história. Ter esse reconhecimento num lugar como esse é muito bom.

Como você vê a crença constantemente propagada pela mídia de que um craque em campo nunca acaba se tornando um grande treinador?

Não acho que seja assim. Posso citar grandes treinadores que não foram bons jogadores, como também posso dar nomes de grandes treinadores que jogaram bom futebol. Isso é um pouquinho de lenda. O Cruijff é um grande treinador e jogava uma bola redondíssima. Beckenbauer jogava bola como poucos. O Muricy no São Paulo jogava muita bola. O Leão era um grande goleiro. Fábio Capello, que hoje treina a Inglaterra, foi um grande jogador de meio-campo, o Leonardo, do Milan, também. Tem ainda o (Carlo) Ancelotti, do Chelsea. Acho que é uma coisa muito dividida isso. Não dá para dizer que se você foi um grande jogador está fadado ao insucesso. Depende de várias coisas, não de uma só.

Por que o Dunga está dando certo tendo assumido a Seleção em seu primeiro emprego e você não conseguiu ter o mesmo sucesso?

Aquele momento da Seleção (após a Copa de 1990, quando Falcão assumiu o time) era complicado. Não havia grandes valores. Tinha que renovar o time do zero. Não tínhamos uma safra boa como temos hoje. Eram jogadores que precisavam ser descobertos, como o Cafu, o Leonardo, o Mauro Silva, o Márcio Santos... Houve um trabalho de laboratório fantástico para que se pudesse começar a montar uma Seleção. E esses jogadores acabaram se consagrando, três anos depois, na Copa de 1994, como campeões. Você não consegue resultado imediato renovando com atletas que, por exemplo, nunca tenham saído do País, sequer viajado. É evidente que se você renova com jogadores que têm talento como os anteriores tinham, fica mais fácil. Agora, renovar sem ter esse conhecimento, com um material humano que você ainda tem que ver o resultado que ele dará é bem mais complicado. E foi isso que aconteceu. Mas fiquei feliz pelo fato de ver aqueles jogadores se consagrando.

Você acha que a Seleção do Dunga está pronta para o Mundial, ou ainda precisa de ajustes pontuais?

Acho que está pronta. Faltam apenas detalhes. Tem que ajustar um pouco o setor de marcação no meio-campo. Acho que falta só um finalzinho.

Algo como evitar o "oba-oba" de antes da Copa de 2006, por exemplo?

Acho que sim. Ali foi um problema que foi mal administrado. O foco foi desviado, os jogadores não conseguiram se concentrar no trabalho e, com isso, ganhar a Copa ficou difícil.

E o que dizer da má fase de Ronaldinho Gaúcho?

Tenho dito que o Ronaldinho é o grande mistério depois da II Guerra Mundial, futebolísticamente falando. Um jogador que fez aquilo que fez, com aquele talento, e de repente não consegue mais jogar. Realmente é um mistério.

Você aceitaria voltar a trabalhar na Seleção, mesmo que fosse em um cargo na retaguarda da equipe?

Tive um convite lá atrás, em 2002, mas foram só conversas. Na hora de sentar para decidir, não houve possibilidade. Não é uma coisa que passe pela minha cabeça no momento.

Está feliz como comentarista ou pensa em um dia voltar ao ambiente do futebol?

Gosto muito do que faço hoje, isso me satisfaz. Mas nunca fecho portas. Se aparecer algo que possa me dar mais gratificação do que a profissão atual pode me dar, que já é bastante, eu pensaria em alguma outra coisa ligada ao futebol. Mas nunca fiz disso uma condição fixa para minha vida.

Quando você pensa ou ouve falar no Estado do Ceará. O que te vem à mente?

Sol. Gente alegre, clima legal, o carinho, a disponibilidade. Joguei aí há mais de trinta anos, faz muito tempo. Mas lembro que atuei nesse estádio que vocês tem aí, o Castelão, quando foi inaugurado, e a grama dele era maravilhosa.

PERY NEGREIROS
REPÓRTER